Blogando 0007

Estava descendo, já no meio da escada, quando resolvi coçar o ouvido, me distraí, tropecei e tchibung, mergulhei no mar da Praia Grande, subi de olhos abertos em meio às borbulhas vítreas sentindo o perfume de sabonete Sândalo da bucetinha dela sob as ondas e emergi na av. Visconde de Inhaúma trôpego de bêbado às três e meia da madrugada, então veio zunindo uma lufada da minha velha ventania de guerra, alcei voo, fechei os olhos, viajei (já não estava?), sorri chorando e cá estou para encarar este Blogando 0007 e adjacências, ufa.

Na última vez que episódio semelhante me ocorreu estava eu numa viela de nome Creme, em Embu das Artes. A rua Creme é uma pirambeira à prova de adultos com mais de 40 anos. Eu observava as árvores e os céus, parado ao pé do morro, quando sem querer voltei os olhos para o topo, o fim da rua, e o vulto passou. Passou caminhando na nonchalance dos meus vultos. Ela, a dona do meu vulto, estava cantando, pois pude escutar a música. Se minha música tocasse continuamente, sem interrupções mais longas que uns minutos, eu sei que estaria salvo. Sabendo que o vulto não retornaria — não pelo mesmo caminho —, voltei à minha faina de admirar os céus e as árvores.

Você aí no computador do outro lado também dedica a maior parte do seu tempo e dos seus pensamentos ao passado?

Nâo? Então dedica a maior parte do seu tempo e dos seus pensamentos a quê?

Eu dedico a maior parte do meu tempo e dos meus pensamentos ao passado.

Quer dizer, tirando todo o resto do tempo e dos pensamentos que não consagro ao Grande Jogo.

A minha cabeça é um campo (um campo outrora verde, hoje apascentado, embarreado, úmido e pegajoso) em que jogo dia e noite meu Grande Jogo.

Não, não posso discorrer sobre o Grande Jogo. Ainda não criei coragem. Um dia, talvez.

Mas esqueça o Grande Jogo. Não devia ter tocado nisso. Seria assunto para uns três meses de papo. E você sabe que sou incapaz de manter minha atenção por meros três segundos. António Lobo Antunes também. Pessoa também, menos quando entrava em transe.

Tão belo, tão delicioso intróito e o estraguei lembrando do Grande Jogo.

Categorizo as pessoas pelo tamanho do Grande Jogo que elas guardam dentro delas.

Sim, você aí nesse computador do outro lado, você também tem um Grande Jogo. Se pertencer à Categoria A, você não sabe que tem um Grande Jogo aí dentro de você. Se pertencer à Categoria B, sabe mas finge não saber. E se for da Categoria C, não sabe e portanto não pode fingir que sabe. A menos que pertença à Categoria D.

Já a minha é a E. 

Não, não me peça para defini-la. Não saberia defini-la. Hoje, não. Talvez amanhã. Se tudo der certo. E não posso correr o risco de me contradizer sobre o Grande Jogo. Hoje, não. Amanhã, de certo. Amanhã correrei todos os riscos. É o que sempre faço amanhã.

Tão promissora introdução a este Blogando 0007 e deitei tudo a perder, como gostam de se lamentar os portugas, incluindo Pessoa, Lobo Antunes e Teolinda Gersão.

Tinha outros mil lugares para visitar esta tarde. E de repente vieram os ataques e contra-ataques do Grande Jogo como que açoitados pela cavalgada das valquírias.

Pra variar, eu estava aqui na frente de casa, indo e voltando e olhando sem querer ver e ouvindo sem querer escutar. Fiz até uma nota mental, assim, quando voltar para casa vou iniciar o Blogando 0007 e vou falar das minhas viagens pelo passado.

Você costuma viajar pelo futuro?

Ah quantas vezes viajo pelo futuro. 

Um futuro tão longínquo, que todos que conheço e todos que amo hoje já não existem mais.

E nada do que sei tem mais valor.

E nenhuma das palavras que conheço significa mais coisa alguma.

E então na minha viagem futurística me ponho a imaginar se suportaria esse mundo ou essa vida em que nada me seria familiar.

Sei, objetivamente, que não.

Sou tão frouxo.

Mas no meu futuro não haverei de querer nada nem ninguém conhecido ou amado.

Vou querer me sentir o primeiro homem em Saturno.

No meu Grande Jogo, é como me sinto.

Enfio a mão no bolso, meus dedos dão c'uma conchinha. Ah sim, resquícios do mergulho no mar da Praia Grande. 1969. Que ano, aquele.

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