Acabei de chegar.
De onde?
De lá.
Aquele lugar que se tornou um, digamos, santuário na minha
vididinha de pagão.
Não, nada de santuário. Nada para mim merece o nome de
santuário.
Recomeço.
Acabei de chegar.
De onde?
De lá.
Aquele lugar que de repente deixou de ser apenas mais um
entre os milhares de lugares absolutamente banais e desinteressantes pelos
quais passei e que passaram por mim até hoje marcando em mim nada mais que um
sinal a ferro de enfado quando o que sempre desejo ardorosamente é o disco
voador do qual falo e hei de falar para todo o sempre e que espero desde que
nasci e que pensava poderia me sequestrar para outras inéditas paragens sem
nada que as identificasse com este desolado mundo onde tenho a impressão de ter
sido gerado por engano.
Acabei de chegar daquele lugar no meio daquela avenida que
nunca me significou absolutamente nada e cujo nome evocava em mim um vago
resquício do meu antigo mundo associado a uma palavra indígena de
sonoridade desajeitada e pela qual transitei a pé e de carro e de ônibus
milhares de vezes sempre torcendo para erradicar da memória de onde vinha e
fantasiar com minha imaginação de eterno adolescente um destino milagroso que
não morresse de maneira tão decepcionante na porta duma loja ou dum banco e que
me levou milhares de vezes aonde fui obrigado a ir contra minha débil vontade.
Aquele lugar que se tornou um refúgio na minha vididinha de
ermitão.
Refúgio alternativo, segundo ao meu primeiro refúgio que é
minha caverna.
Para onde busco que me ensinem a fugir quando preciso de um
alívio à insuportável mesmice que é minha solidão.
Então me ensine alguém.
Me ensina como faço para estar nesse meu novo refúgio de
corpo e espírito, como me convencer de que finalmente posso deixar de simular
esta minha implacável indiferença ao mundo que converte em risíveis fósseis os
seres que nele vivem.
Hoje, ao sair do meu novo refúgio, já não esperava meu
impossível disco voador.
Então meio que me congratulei.
Estarei hoje, vim pensando, nesta minha segunda odisséia às
minhas novas paragens, dominando minha irrefreável tendência à fantasia?
Será que posso baixar a guarda, me achar enfim capaz de me
pôr neste exato segundo no papel deste homem específico, este homem de carne e
osso que desde sempre venho tentando em vão ser, pois, se não tive escolha
senão representar outro que não a mim mesmo?
Então, me dizendo heroi, respirando meio aliviado, me
congratulando por ter liquidado com a parca munição que me cabe o disco voador
e os insidiosos seres determinados a fazer de minha existência um permanente
estado de ansiedade, então, assim, me congratulando, vim me reunindo com outros
cento e quarenta e dois que sou, assembleia barulhenta, selvagem, em que eu e
os outros dois mil, setecentos e quarenta e três que sou tentamos deliberar
sobre o que devemos pensar sobre o que devemos pensar sobre o que devemos
pensar.
Então, ao chegar, alguém que talvez me ensine, depois de
exterminar os seissentos e trinta e cinco que sou, incinerá-los como vermes
ávidos pelos meus pensamentos, deportá-los para onde quer que se abriguem em
sua sombra distante dos meus sentidos, então, alguém que bem que poderia me
ensinar, depois disso tudo, depois de tantas outras ações e exercícios que sou
obrigado a cumprir depois de sempre que a presença desse alguém a escassíssimo
meio metro do sorriso constante desse alguém e do sorriso inebriante desse
alguém e sorriso comovente desse alguém e depois de me considerar remotamente
reintegrado em mim e razoavelmente apto a reecontrar meu rumo e me lembrar da
localização da minha caverna, aqui me sentei em minha cadeira e liguei meu
computador e botei a minha música e me pus a digitar em meu teclado este meu
desvario que, tenho quase certeza, um dia alguém haverá de compreender e,
talvez, aceitar.
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