Sem nome, sem tempo, sem país

Quem é ela quando não está escondida atrás da neblina da tarde?
Recusa o papel de musa, talvez temendo a sentença de estátua.
Seu impessoal me aniquila.
Me livre, deus, de saber que ela é assexuada.


A maioria das pessoas é desinteressante.
Se dedicam a essas coisas a que a maioria das pessoas se dedica: autoproteção, autoconveniência, autobenefício, calculismo, condições em geral resultantes do instinto de autopreservação e/ou da lição que todos recebem logo cedo de pensar primeiro em si. Dessas condições advêm outras, sendo as principais o egoísmo e a auto-absorção, i.e., o mergulho interminável no umbigo todo-poderoso velho de guerra. E não adianta acusar essas características, pois a maioria não tem consciência delas. Se insistir, você provavelmente vai causar um constrangimento que no mais das vezes se mostra incontornável. São raríssimos os que estão preparados para escutar a verdade sobre si mesmos. A saída é pairar na superfície, fingindo que não vê, mudando de assunto. A maioria também é mestra na dissimulação. É o que o vulgo denomina urbanidade, cordialidade, esses artigos sempre em alta no mercado. De minha parte não tenho uma gota do dito traquejo social. Me lembro distintamente quando, em estado pimpolhildo, comecei a notar a enorme importância que se dava à diplomacia. Fui crescendo e ficando cada vez mais desconcertado com os diplomatas do mundo. Hoje os compreendo menos, muito menos ainda. Se continuar assim, vou acabar num nível de perplexidade adiplomática que vai explodir dentro da minha cabeça e me levar pro beleléu. Tomara que seja logo.
A maioria prefere a cortesia à honestidade. Eu, não. Procuro ser o mais honesto possível, sempre. Tudo bem, a honestidade absoluta é impossível. Imagino que a diplomacia absoluta idem.
Sou honesto, o que faz de mim um sujeito intratável e interessante.
A maioria é cordata e, bidu, desinterensantíssima à sonolência.




Foi aos 14 anos que descobri que não tinha vida interior.
É claro que era ainda incapaz de relacionar essa descoberta à religião na época. Sou até hoje. Embora hoje desconfie que é por aí.
Nos meus 14 anos, olhava as coisas e suspeitava – ligeirissimamente – que elas, as coisas, escondiam alguma coisa de mim (podia dizer “algo” só para não repetir “coisa”, mas não é a mesma coisa).
Os outros, então, ah, os outros. Os outros escondiam TUDO de mim.
E me dava água na boca. Me vendo só, não me conformava. Me continha porque não me conter significaria a morte. E ainda não estava decidido a morrer. Queria descobrir. Descobrir o que havia nas coisas que não enxergava. O que os outros sabiam que não sabia.
E se o que não enxergava e não sabia podia constituir uma vida interior.
Talvez.
Mas, provavelmente, não uma que fosse só minha.
Queria uma só minha.
Um eu só meu.
Como todos aqueles eus à minha volta.