Nada de mútuas transgressões, Sô

Vou fingir que não vejo.
Vou fingir que não farejo.
Vou fingir que não sinto.

Não sou bom fingidor.
Ainda não aprendi a fingir.
Começo a acreditar que nunca aprenderei.
Há algo no fingimento que me escapa.
Vejo os fingidores, os reconheço, identifico suas manhas, seus olhares, esgares, trejeitos.
Mas imitá-los é tarefa além da minha capacidade.

Então vou concluindo que fingir é, como se diz, dom.
Dom nato.
Você sabe ou você não sabe.
Não tem meio termo.

Já os estudei.
Ainda os estudo.
Fingem com tanta naturalidade, mãe.
Que nem me parece fingimento.
E se digo que fingem, eles negam.
"Estou sendo sincero!" batem o pé.

Então compreendo.
(Mas esqueço.)
(Amanhã compreenderei de novo.)
É uma sinceridade fingida.
É um fingimento sincero.


E vou fingindo que não vejo.
E vou fingindo que não farejo.
E vou fingindo que não finjo.

Um comentário:

  1. Fingir, idealizar e consumir estimulos, hoje em dia é guia pratico para viver ''bem'', é a forma de tapar os olhos para nao ver o tamanho do buraco, do vazio eem que se encontram.




    ''Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insísiveis e aos agitados. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos por que se conquista o internamento num manicômimo.'' Fernando Pessoa

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