Nana nenê

Sábado, descendência italiana e nunca fui à Suíça nem visitei a Flip. Tampouco tive um tórrido affair c’uma mulher deslumbrante. Pelo que agradeço aos céus, caso contrário meu coraçãozinho de frango teria ficado incicatrizavelmente dilacerado pelos unhões da jaguatirica. Convicções tive poucas e as poucas que tive acabei perdendo. De uns meses para cá certas partes do meu corpo cederam à flacidez e às vezes levo um susto quando me flagro diante do espelho, sabem como é, a primeira impressão, a da infância, é a que fica e primeiras impressões muito dificilmente sucumbem a uma segunda. Ontem, sexta, uma depressão voraz, pensei que não fosse resistir, me mortifica tentando imaginar o que farei quando a famigerada me carregar para o próximo estágio. Hoje a depressão deu lugar a este meu inefável tédio velho de guerra. Parecem ser irmãos siameses, duas faces da mesma bidu, o início da dor, a passagem insentida, o fim do nada. Dou o melhor de mim quando me sinto num dos meus infinitos becos sem saída e nunca me ocorreu apelar à boutade “se é beco sem saída, então a saída não se mostra”. (Não se mostra sob as pistas de sempre que me habituei a rastrear.) Atravessava a rua sonambulamente, me recostava à parede diante do ponto e dava prosseguimento aos meus deleites oníricos tão brutalmente interrompidos por mamãe ou papai. De olhos abertos. O resultado é que um mundo de ônibus passavam sem que eu me desse conta, entretido que estava nos braços de Silvinha cachos dourados de caracol a me jurar com sua voz firme de menina-mulher que podia ficar tranquilo, meu lugar no mundo ao seu lado estava assegurado e melhor faria se me despedisse de vez daquele meu maldito ciclo de depressão excruciante seguida de vazio entediante crucificante. Despertava do transe com Silvinha depois do enésimo busão que ligava a Vila Gerty ao Centro e, se não fosse circular – se fosse, ia dar um rolê pelos lados da Vila Maria e Vila Barcelona –, ainda daria tempo de pegar a saída das aulas e, disfarçadamente, seguir Silvinha até sua casa na Rua Pernambuco sonhando, agora dolorosamente acordado, que um dia reuniria coragem para chegar junto durante o trajeto de seis quiméricos quarteirões. Ao fim dos quais adviria aquele meu estado em que me recusava a pensar. Sentava no último banco do Vila-Gerty e retomava minhas aventuras com Silvinha, agora já avançando para suas axilas perfumadas a jasmim-manga. Não raro tornava à casa já noitinha e se mamãe um dia se dignasse a indagar onde eu tinha andado, não saberia honestamente responder. Tomava banho, jantava a inigualável sopa de feijão e couve que hoje me é sinônimo de infância, assistia National Kid deitado no colo de papai no sofá da sala, deitava para logo me embalar nuns sonhos esquisitos de enredos temerariamente prováveis com meia dúzia de motoristas de ônibus, alguns dos quais meus camaradas de outros anos.

Manifesto à comunidade Literatura

Deu pra mim. Não aceito censura. Nunca, em nenhuma circunstância. A primeira condição no meu ofício de escritor é a liberdade. Liberdade ampla, geral e irrestrita. Liberdade de expressão. Liberdade de pensamento. Liberdade ideológica. Liberdade, liberdade, liberdade, mil vezes liberdade.
Há 3 ou 4 dias venho acompanhando esse sumiço de algumas postagens dum membro chamado Jorge.
Jorge reclamava do desaparecimento e pedia que os moderadores se manifestassem. Os inspetores ditatoriais, contudo, não só bateram pé em ficar calados, como também, como “recompensa”, expulsaram o Jorge. Então dou a todos este definitivo tchauzinho, desejando que continuem a desfrutar desse morno chiqueiro de felicidade em que curtem tanto chafurdar.
Mas pera lá, antes vou dar uma explicação, se é que alguém está interessado.
Vejamos. Segundo soube, parece que o Jorge foi banido por ter dito um ou dois palavrões. Indesculpável, claro. Mas também consta que, ao proferir tais impropérios, o Jorge estava respondendo a alguém que lhe dizia que iria “lhe ensinar a usar o que tinha entre as pernas”, entre vários e seguidos insultos à sua sexualidade, o que é bem próprio dos boçais. Mandar tomar no rabo é um acinte aos pruridos da petizada puritana. Mas atacar a sexualidade alheia, tudo bem. Enxovalhe-se o outro, desde que não emita palavrões. É tão lógico, não é? A velha, a arraigada, a esdrúxula, a fenomenal hipocrisia brasileira.
O Jorge muitas vezes me atazanou a paciência no fórum da comunidade Literatura. Em algumas, respondi sem ofensas. Em outras, ignorei. Jamais me passou pela cabeça a ideia nojenta, asquerosa, escrota, inadmissível de pedir seu degredo.
Mas naturalmente a ameaça das masmorras medievais ainda habita primitivamente nossas fantasias.
A comunidade Literatura ostenta uma rica fauna de postadores ociosos. Um ou dois sabem uns quantos preceitos literários aprendidos em banco escolar e por isso parecem sempre estar escrevendo numa lousa. Uma minoria é orelhista, leu os óbvios e já ouviu alguém falar remotamente dos maiores. E a avassaladora maioria se compõe de analfabetos literários absolutos e orgulhosos da própria ignorância.
Quando um sujeito como eu, de conhecimento um dedo acima da média rasteira, posta algo mais, digamos, consistente, que é que acontece? Nada. Fiquei lá postando um ou outro poeminha da lavra própria, levantando bolas que pudessem levar a papos minimamente literários, mas fui olimpicamente ignorado. A malta quer mesmo é tricotar.
E a tal da avassalada maioria se constitui puramente de fakes ou quasi fakes. Com a bela desculpa da segurança (!), quase todos omitem tudo, inclusive nomes e caras, e você fica lá que nem tonto falando com abantesmas.
Um dos mais notórios e ativos de tais fakes é um verme que ora atende pela designação de “Ludwig”. Numa comu que abriga há tantos anos um espectro desses, tudo pode acontecer.
O fake Ludwig é o torquemada mor da comunidade Literatura. Perambula perdido há anos por lá, sempre caçando giordanos brunos que ousem pisar em seu calo.
A última gota para o meu eternamente cheio saco foi o banimento de Jorge. Pelo que consta, por indisciplina. E por não aceitar a censura praticada pelo Joseph tupiniquim.
Também pelo que consta, o processo de proscrição do Jorge foi deflagrado pelo ridículo fake Ludwig. Como de costume.
Mas não se poderia esperar outra coisa dum imbecil neurótico, rei dos medíocres, que rouba o nome dum dos maiores gênios de todos os tempos para tentar enganar o próprio complexo de inferioridade e fazer de conta que assim cancela a própria mediocridade. Fake, por definição, é alguém incapaz de se olhar no espelho. Um fake autodenominado Ludwig é mitômano ao cubo. Pelo que tenho visto na orkut, muitas vezes se trata de alguém precisando de ajuda psiquiátrica.
O covarde por trás do fake Ludwig comanda algumas dezenas de subfakes. Um dos principais é o dr. Robert. Que mais ou menos há um ano já perseguia obsessivo membros literatos que se atrevessem a confrontar suas taras de Rudolf Hess. (Aliás, o segundo nome do fake nazista Ludwig é Hess. Que belezinha.) O fake nojento dr. Robert, bem como o fake repelente Ludwig, participam de várias dezenas de comunidades “germanófilas”, quase todas com temática ligada à 2a. Guerra Mundial. Que coincidência, não?
A moralmente diminuta dupla Dr. Robert e Ludwig age com a sanha dum comandante de campo de extermínio. Já vi casos de gente expulsa da comunidade por iniciativa desses ou de outros fakes porteiros de forno crematório. Já houve mesmo casos de orkuteros que tiveram suas contas excluídas da orkut por uma ação coletiva de denúncias apócrifas levada a cabo por bandos desses vagabundos.
Uma vez dr. Robert entrou no meu perfil e deixou um recado me chamando de “intelectual de botequim”, depois que tivemos uma discussão no fórum da comunidade Literatura. Em vez de me confrontar no próprio fórum, optou por me atacar pelas costas. O pulha Ludwig sempre age assim qual barata, rastejando nas sombras, jogando um pérfido dominó com suas figuras impostoras, confabulando com outros membros de sua laia. Só golpeia por trás. Como todo inseto rastejante, treme de medo da luz. Outro dia postei um dos meus poemas e vi que o sebento respondeu, mas... em outro tópico. Sem saber, eu tinha ofendido o melindrado discernimento estético da barata.
O desprezível Ludwig é useiro e vezeiro em espernear histérico quando enxerga o perigo de ter sua farsa desmascarada. Cospe frases como “pessoas irritantes acendem nosso instinto de matar”. (Postado no tópico “Livros” em 17/11/2010.) Mas, veja, sem nunca nomear a suposta vítima de sua sanha assassina. Instinto de matar, nossa mãe. Lembra um rapaz chamado Adolf, não lembra? (Calma, Ludwig, documentei tudo, inclusive as comus suas e de outros fakes seus; não precisa ir correndo apagar.)
Mas que faz na comunidade Literatura tão aparvalhado ser, afinal?
Bem, o mancebo, ignorantaço de pai e mãe, se acha helenista. Fala de Horácio assobiando e mascando chiclé. O único problema é que tudo que baba são asneiras.
Mas nem tudo na vida orkutiense do atarantado helenista são percalços. O pateta tem um trunfo. É amigo do sr. Jocelino Freitas, moderador da comunidade enquanto banca guardião da moralidade cristã.
O sr. Jocelino Freitas revela-se ótimo inspetor de recreio escolar. Com careta severa vai vigiando enquanto suas crianças se perdem incansáveis em folguedos mortalmente entediantes. Brinquem à vontade, pequenos alunos: o sr. Jocelino Freitas e sua figura paternal paira acima de todos, sempre vigilante contra ataques ao politicamente correto.
O energúmeno fake Ludwig, quando sua insaciável sede de vingança lhe queima a garganta profunda, corre a chorar a ajuda do Grande Pai Jocelino. Que, como parece evidente, não nega fogo.
Isto posto, e considerando que o ignóbil Ludwig vive botando banca de valentão, resolvi chamar o escroto pra briga.
Prezado espectro Ludwig:
Por que é que você, que não passa dum covardinho abjeto escondido atrás desse personagem idiota, não me processa? Há anos te vejo confabulando, emboscando e atraiçoando membros da comunidade Literatura e choramingando pela barra da saia do inspetor Jocelino quando se vê em apuros, vamos lá! sou todinho seu. Meu nome é Wilson Vaccari, tenho 55 anos, moro em São Caetano do Sul/SP, o google pode lhe dar centenas de links a meu respeito, se procurar bem é capaz até de achar meu endereço. Só não venha atirar pedra na minha casa, pois estou certo de que você seria bem capaz. Isso me deixaria muito irritado e então o réu seria você.
Vou ficar esperando seus advogados, okay?
Mas, caramba, lembrei duma coisa: como é que você vai me processar? Por acaso vai apresentar uma ação legal fake através de advogados constituídos fakes? A um tribunal fake? E que é que você pediria ao juiz fake? Eu a-d-o-r-a-r-i-a ver. Talvez a petição judicial iniciasse mais ou menos assim: Ao Exmo. Juiz Fake Dr. Fulano, Honorável Causídico Fake, o demandante fake Ludwig e outras dezenas de fakes de nomes teutossaxões, todos orquestrados pelo mesmo fake Ludwig, vem humildemente perante este Tribunal Fake requerer uma Sentença Fake contra o demandado Wilson Vaccari, que é de carne, osso e barbão de Noé. Como é do conhecimento de todos os fakes e seus tios fakes, o demandado vem solertemente acusando o demandante Ludwig fake de ser exatamente isso, fake. E assim, por essas e outras fakices, prossegue a petição fake. Come on, Ludwig, me processe. Vai ser um barato, sua barata.
Agora, Ludwig, não me responda como fake, okay? Se quiser me peitar, mostra a cara. Não aceitarei uma palavra do seu fake idiota, mas apenas do cagão que está por trás dele. Mais: te desafio a mostrar a cara. Aliás de novo, todos os fakes botando uma na comunidade Literatura, mostrem a cara, mostrem seus nomes em seus perfis, saiam do covil. Como é que um fórum onde todo mundo encobre o rosto quer ser levado a sério? Me sinto ridículo trocando posts com fantoches anônimos cagões.
E é exatamente essa a primeira grande patacoada (ou “pataquada” como proferiu outro dia o fake idiota Ludwig no interessantíssimo fórum da comunidade Literatura da orkut. Que credibilidade esperar desse clubinho de personas tão pateticamente idealizadas com suas impiedosamente denunciadoras máscaras?
Afinal, é aquilo realmente uma comunidade ou será apenas uma grande repartição pública a que os barnabés comparecem de meia em meia hora para bater cartão? Toda vez que abro o fórum me sobem acres engulhos à base da garganta. Que enorme, que espetacular pobreza, dio mio! Carinha tá sem o que fazer, então tem um estalo: “Vou lá naquela merda abrir mais um dos meus tópicos fofinhos!” Que fantástica perda de tempo. Não há um só tópico que preste naquele angu de porcariadas. Tudo ali está melecado duma sórdida preguiça, recende a vagabundagem, exuda indolência, tem um intolerável ranço de apatia e descaso e negligência, feito a mais autêntica repartição deste País profundo definitivamente condenado ao fracasso. Tal como aqui fora, com esses brasileiros perpetuamente deitados e risonhos, ali, cliques, tecladas, postagens, é tudo regido pela mais infame das leis: a da inércia. Por isso, quando aparece alguém mais criativo, ou apenas mais atrevido, ou mais irriquieto, é invariavelmente metido na geladeira ou mesmo boicotado. E num estalar de patas a mediocridade volta a reinar.
Aliás pela terceira vez, será a maioria dos membros da comunidade Literatura da orkut formada por funcionários públicos? Pois não concebo outra explicação ante tão maciça montanha de insipidez e anomia e abulia excretada diuturnamente por aqueles estranhos seres que, acéfalos que são, parlam interminavelmente sobre absolutamente NADA. Forasteiro, ou fale de tititica ou cale-se para sempre.
Bem, o resultado dessa lenga-lenga toda só podia ser um manifesto. Manifesto contra a mediocridade que despenca sobre o mundo feito uma névoa de gás de mostarda, toldando a luz, dissipando inteligências, esterilizando a vida.
Meu manifesto contra a comunidade Literatura da orkut contém um rosário de outras perplexidades.
Por exemplo, gostaria muito de entender o porquê de tamanha abundância de exegetas e hermeneutas por aquelas bandas.
Pois é professor de tudo que é tipo, pra tudo que é lado, o tempo todo discursando com a solenidade dum juiz da roça, dando palestra, enchendo as bochechas pra fazer pose e cuspir uma farofada de dogmas, focando as luzes nas próprias virtudes explicitamente ou através de filigranas risivelmente grossas.
Curioso — e sintomático — não haver alunos por ali. Todos sabem tudo, não há disciplina que não dominem qual experts. Que abundância de mestres. E em que pese a ausência de alunos, a imponente figura do inspetor Jocelino nunca se ausenta.
São professores em Machado, Sartre, Homero, Camões, Borges e o cacete a 4,8 que empinam o nariz para analisar todos os fatos da ordem do dia e emudecem quando você quer discutir Machado, Sartre, Homero, Camões ou Borges a sério.
E tem outra coisa ainda mais engraçada.
Ninguém se digna a comentar uma peça literária postada por um membro da própria comunidade. Ou melhor, peça literária com inegáveis qualidades. Mas quando um coitado aparece c'um texto ruinzinho que possa ser destruído a pauladas, a plêiade de críticos ataca qual uma plêiade de hienas.
Pois as relações por ali se regem pela Lei da Paridade. Os pares não podem admitir que alguém de seu próprio meio exiba mais virtudes e méritos que a média da cambada. Eis um grande exemplo do famoso nivelamento-por-baixo.
O compadrio come solto. O espírito de corpo se arma automaticamente ante a ronda dum outsider mais hostil. As hienas, como é natural, atacam em bando. A simples ideia dum lobo da estepe é inconcebível. Se ameaçadas, as comadres se agrupam num círculo protetor, descambando a arrulhar (ou sei lá que nome se dá à voz hiênica), torcendo que o sacrificado seja você, não eu.
Uma última palavrinha ao sr. Jocelino Freitas.
O senhor é o rei da pusilanimidade, seu Freitas.
Entrando em seu perfil, dou de cara c'um poemeto de Neruda que inicia assim:
Aprende com os audazes,
com os fortes,
com quem não aceita situações(...)
Que vontade tenho eu que o senhor me diga onde é que aplica tão belos versos.
Mas pera lá! Sim, é apenas poesia. Quem disse que poesia tem aplicação prática? Versos se destinam tão somente a ornar perfis orkutienses. São, e devem ser, inócuos. Inócuos como o mais tépido, cálido e morno dos banhos-marias. A poesia é apenas o fetiche predileto dos diletantes.
Pois então, sr. Jocelino, eu também recomendo, como meu colega Pablo: aprende com os audazes! Não seja apenas um bonachão simpático, seu Jocelino. Tente fazer da sua teoria sua prática. Quem sabe as coisas não comecem a mudar, inclusive no mundo “aqui fora”?
Mas, obviamente, Jocelino é apenas mais um entre os milhões de brasileiros vocacionados para a derrota e que só falam da boca pra fora. Esta nossa estranha raça é craque em maldizer a corrupção enquanto vai delirando com um empreguinho no funcionalismo para também poder meter a mão no que não é seu. Brasileiro amaldiçoa político ladrão mas nutre um gostinho pela roubalheira. Tal como literatos de araque que se assustam diante da verdadeira literatura.
Amém.

A semana

Delicadamente, boto o primeiro pé na calçada com o cérebro forrado de verde-amarelo. Quebrando meu barato, negligentemente alheia ao choque entre mundos que tem lugar dentro da minha cabeça, na outra calçada passa uma teen de peitinhos entojados, bicos hirsutos, glúteos estofando numa nice o tecido grosso mas dócil do jeans, acendendo a vocação de tarado que tão porcamente tento disfarçar, me concentro me esforçando para limpar os riscos flébeis da cara. Disfarço encarando o topo da ladeira fingindo que calculo prós e contras do itinerário planejado. Bullshit. Nunca fiz plano desde que nasci. Uma vez que fosse. Se tivesse uma Kawazaki saía disparado ladeira abaixo celebrando esta minha borbulhante imprevidência que levei décadas para cultivar.
Outro pequeno esforço desumano dentre incontáveis tentativas dignas de nota que se dispersam quando lhes dirijo a luz da atenção, dedico a este meu persecutório sentimento de inferioridade frente ao mundo e aos que no mundo vivem. Me deixo oprimir fácil por qualquer coisa com tendência à opressão – o olhar distante do sujeito que caminha na direção oposta à minha e que tomo por aversão, o gosto do beijo que dei no cadáver de mamãe que ainda trago nas franjas dos lábios, não faço ideia do que é o melhor para mim, simplesmente carco fumo dentro da escuridão feito uma locomotiva fora dos trilhos.
Dou de lambuja que não vai chover. As crônicas de Machado vão me deixando impressionado, o cara se amarrava pacas no tempo e nas condições climáticas, se divertia simulando algo de manha com as imprevisíveis possibilidades de temperatura e chuva e sol que os desígnios do mundo lhe tinham reservado aquele dia. Sofria horrores com a canícula fluminense. Imagine o sujeito sob quarenta graus enfiado em espartilhos masculinos, que denominavam cintas, e frock coats, casacos que se estendiam até os joelhos, equilibrando no cocuruto uns chapéus altos parecidos com cartolas, no mais das vezes negros feito a asa daquele bicho nosso conhecido.
A cerveja no copo tá acabando, vou descer pra pegar outra lata, hoje vou indo de Bavaria e quando voltar dificilmente terei saco pra continuar este papo. Não vou prometer que retomo amanhã porque amanhã minha cabeça estará totalmente em outra. Sim, estou dando um tempo nos destilados, não tão caindo bem depois da químio. Brrururruru, que vontade de soltar os cachorros. Em cima de quem? De quem seria? Do mundo. Da humanidade. De mim mesmo. Faz tempo que não dou um gole numa cerva. Mais ou menos seis segundos. Ai que saudade. Se lhes dissesse de que, vocês não acreditariam.

Narciso fenecido

Agora que a infância está tão
Longe,  que já não sei onde está
E pouco me lembro do que fui
E quase não me importo mais
Posso finalmente engolir em seco
Focar a imagem do que sou hoje
Ciente de cada um dos meus
Abcessos, rugas, pintas,
Calombos e deformidades em
Geral e, amargo, admitir:
Narcisos podem ser bons
Narcisos podem ser mórbidos
Tudo depende do narciso
Tudo depende de você
Narciso pode ser o mito grego,
belo jovem que rejeitou o flerte
de Eco e foi por isso condenado
a se apaixonar pelo próprio
reflexo na água duma poça
Narciso pode ser uma flor
Flor de beleza atordoante
Incapaz de durar mais que
Poucos dias. Fadado a aceitar
Ou não a tragédia de manter
Viva a autopaixão agora sob a
Feiura trazida pelo Tempo
O narciso é belo (ao menos aos
próprios olhos), tão belo, que
Não tolera partilhar sua beleza
Com mais ninguém. Ao narciso
Fenecido, torturado pela
Lembrança da beleza perdida
Resta ser maligno

Bruta, crua e terrível

Ojeriza. Saravá! meu são Darwin. Te ofereço esta rosa murcha de pétalas secas que todos os dias espeto em minha simbólica lapela antes de me erguer na cama e mirar d’olhos cerrados e cérebro abarrotado de cacos oníricos o suplício da jornada à frente. Não, não preciso de ticket de estacionamento, não tenho carro. Me perdoa a tentativa malograda de expressividade, não nasci pra poeta, muito menos profeta. Sou de 1954, quando fizeram Sabrina, ano do mais sugestivo rosto jamais representado nas telas de cinema, os deuses me trouxeram do inferno para saboreá-lo, até o boboca do Bogart sai parecendo ter alguma substância. O que uma deusa em forma de mulher não é capaz de fazer, não é? Que boca! Que olhos! Que sobrancelhas! Que rabo de cavalo, mein gott! Vejo uns trechos, meu coraçãozinho embebido em enxofre pede uma ambulância alada e muda que num piscar d’olhos me carregue pro hospital dos anjos. Sabe qual a grande vantagem dos eleitos sobre nós reles humanos? Eles acabam adquirindo algum senso de missão. Pensa bem, não é tudo de que você gostaria? Mas que vidinha mais miserável esta nossa. Temos certeza de pouco e o pouco de que temos certeza não nos ajuda muito afetiva e espiritualmente, e mergulhamos de cabeça na primeira mentira que nos saúda toda santa manhã através da internet ou da tevê. Ou vai me dizer que você defacto saboreia tuas experiências facebookianas em que te obrigam a ler o que “combina” com teu perfil e a curtir preguiçosamente postagens e fotos óbvias? Ou que te aprazem as sessões televisivas feitas sob medida para te anestesiar a consciência? E o pior não é nem mesmo se deixar escravizar por essas duas pobrezas tecnológicas. O pior é tomar sonambulamente parte do infinito rebanho coletivo e aceitar de mão beijada qualquer porcaria que a famigerada indústria cultural nos ofereça de graça. Ser dono do meu próprio poder de decisão não tem preço.
Hoje resolvi vestir esta camiseta amarela que tenho há uns dez anos mas não usei mais que três ou quatro vezes. Não sei bem por que, talvez pela cor. Não vou muito com a cara do amarelo, a mais impossível das cores, tal como novembro, o mais impossível dos meses. Tenho essa implicância com os meses, mais que com seus nomes. Também implico com os dias da semana. Já com os do mês, nem tanto, talvez por não terem nome mas só ordenação. O que me dá uma desculpa para execrar fevereiro. E os excessivos com 31 dias. Pra que tanto? Drummond nutria implicância com maio, a bem dizer, implicância inversa. Para ele maio era o mês dos bem-aventurados. E do Dia do Trabalho, eca. Como é que um grande poeta, sem dúvida alguma o maior entre os brasileiros, pode se render à cafonice mundana das datas “especiais”? Me gela o esôfago pensar que tenha produzido uma ode ao dia das mães. Eca. Bem ele, que pregava o desprezo dos poetas por tudo que tivesse relação com os fatos.
Nos últimos dias andei, como deve estar claro, relendo Drummond e deparei c’Uma pedra no meio do caminho — biografia de um poema. É um livro em que Drummond coligiu muito do que se disse sobre seu poema da pedra, a favor e, principalmente, contra.
O poema apareceu pela primeira vez na “Revista de Antropofagia” em 1928 e passou quase despercebido. Só veio a causar sensação dois anos depois ao ser incluso na primeira coletânea de Drummond, Alguma Poesia.
Na Biografia, o poeta selecionou elogios e insultos que Uma pedra... angariou depois de vir a público. Um dos ataques mais impressionantes é este: “Homem! E não houve uma alma caridosa que pegasse nessa pedra e lhe esborrachasse o crânio com ela?” E Drummond ganharia apodos pitorescos como poeta perereca, poeta cavouqueiro e pedregoso. Ao que consta, nunca se deu o trabalho de responder às ofensas (o que se pode deduzir de sua obra). Ao invés disso, fez do limão uma limonada.
Isso de implicar com as coisas do mundo – às vezes mais do que com o próprio –, sempre sofri desse mal que, dentre todos os males, é um dos mais maléficos. Pois que é, obviamente, um padecimento. Não me agrada, e nunca me agradou, que as coisas, ou a maioria delas, tenham vida, e vontade, própria. Me irritam sobremaneira as que exigem que eu lhes devote maior cuidado do que o cuidado que devoto a mim mesmo. Primeiro porque sou muito, muito desleixado comigo. Filosoficamente, me considero, e sempre me considerei, somente mais uma coisa em meio a todas as coisas que atravancam este planeta. E não tenho, nem nunca tive, muita paciência com meus próprios predicados, muito menos com meus melindres. Sim, sou, circularmente, um sujeito altamente melindroso, desses que se abespinham por qualquer porcariazinha, sobretudo quando tal porcariazinha independe da vontade dele. Por exemplo, uma lata de cerveja que você larga na beirinha da pia enquanto fecha atabalhoado a porta do fridge e derruba no chão com a ponta do cotovelo quando dá meia-volta para agarrar sofregamente a desgraçada. Se tiver sorte a miserável não sofrerá mais que uns amassados insignificantes. Se tiver azar o lacre explodirá, esguichando todo o precioso, fulvo elixir sobre o piso da cozinha. Não sei se é porque ultimamente fiz das crônicas de Machado meu livrinho de bolso. Vou ciscando uns trechinhos aqui, uns períodos ali de manhã, à tarde e de noite. Vocês, naturalmente, já se deram conta desde uns dias atrás, pois que venho tentando remedar o estilo largo e sardônico do mestre há tempos.
Uma delas, publicada em A semana a 6 de setembro de 1896, começa assim: “Qualquer de nós teria organizado este mundo melhor do que saiu. A morte, por exemplo, bem podia ser tão-somente a aposentadoria da vida, com prazo certo. Ninguém iria por moléstia ou desastre, mas por natural invalidez; a velhice, tornando a pessoa incapaz, não a poria a cargo dos seus ou dos outros. Como isto andaria assim desde o princípio das cousas, ninguém sentiria dor nem temor, nem os que se fossem, nem os que ficassem. Podia ser uma cerimônia doméstica ou pública; entraria nos costumes uma refeição de despedida, frugal, não triste, em que os que iam morrer, dissessem as saudades que levavam, fizessem recomendações, dessem conselhos, e se fossem alegres, contassem anedotas alegres. Muitas flores, não perpétuas, nem dessas outras de cores carregadas, mas claras e vivas, como de núpcias. E melhor seria não haver nada, além das despedidas verbais e amigas.”
A única diferença entre a crônica minha e a de Machado é que, primando pela modéstia, me contento em aspirar ao controle duma reles lata de Skol depositada na beirada da pia. Já Joaquim Maria, reconhecido campeão inconteste das nossas letras logo na primeira publicação de seus poemas – por sinal, sofríveis por qualquer ângulo de que se queira olhar –, pretendia reformular nada mais, nada menos que a vida, a iniciar, como não poderia deixar de ser, com a fatalidade da morte.
Por sinal uma segunda vez, num destes dias que se aproximam célere e sinistramente, estarei entrando, mais uma vez, na ágil e exímia faca do meu caro amigo dr. Eduardo, cirurgião gástrico. Sim, lá se vai mais meio metro, em estimativa conservadora, do meu pobre intestino. O doutor garante que desta vez não escapo da colostomia, no que creio piamente. Me livrei da temível bolsinha por milagre na primeira vez. Naquela foram quatro horas. Na próxima serão no mínimo seis. Tenho gana de pedir ao facínora que tire uma foto das minhas tripas removidas do meu ventre mas não teria sangue frio. Só rogo aos meus quase três leitores que se deem as mãos (vou notificá-los da data e do horário oportunamente) e, transidos do mais profundo e cândido sentido comungante, orem pela alma deste brasileiro que já foi cristão um dia em sua remota primeira infância. Não vai ser batatinha, creiam. (Também vale torcer ao contrário, a esta altura não taux dando lhufas.)

Valsa

Toda noite ele me
visita e me convoca
e agarra meu braço e
me arrasta pro beco
e com um riso seco
me enche de beijo
e me ergue a saia
e me embala em
valsa e feito uma
cadela me lambe e
se mela e quando
estou pronta logo
antes do gozo
suspende as carícias
diz que é perigoso
me nega a alegria
me solta e esfria
e num susto medonho
sonho, sonho e sonho

Fidro

No dia em que nasceste foste o tu-
do do meu todo,
presente do meu futuro. Alívio i-
nexpiável.

Embora te tenhas feito em-carne-e-osso pre-
sente, pensei
— e sob tortura hoje confesso a quem me qui-
ser confidente — os verbetes do meu dicioná-
rio de suplícios jamais tinham-se apagado
para constar apenas teu nome, os rostos do
meu álbum de fantasmas não esvaneceram
e cada fotografia, cada fotografia que fica
fluorescente quando olho para trás não pas-
sou a estampar totalitariamente teu rosto. M...

...mais que tudo — e bem o sabes
(o sabes terrivelmente bem) —,
não havia no meu céu uma só estrela (e às ve-
zes duvidava de haver um céu. Diga-me: sa-
bes?). Hoje, quando dás as costas e te afastas,
te pondo intocável, irretornavelmente ido, co-
mo se te guardasses dentro dum envelope para
te protegeres (de mim? a pergunta ecoa neste
pavilhão sem teto nem paredes. Perdoa a este
traidor ter te entregue ao mundo insolúvel!),
no meu céu desponta a estrela que não existe
e te afastas. E ela brilha e te afastas. E ela bri-
lha cada vez mais. Sei que não a enxergas —
olha! olha bem ali! diga-me que ainda não há
um céu teu. Se é isso tudo que tenho, deixa. Se a-
inda me restas, fica com minha estrela.

Ao pai

Pai
Vem!
Te perdoo
Sufocando o automatismo
Dos gestos
Me deixa limpar tuas fezes
Esfregando teu corpo doente
Enxugar teu sêmen
Costurando tuas rugas sem fundo
Te reger
Cantando esta música
Te gerar
Cantando esta música
Te conceber
Filho

MV III

Minha flor, sou cafona e vou te chamar de minha flor e do que me der na telha, a flor é minha e chamo quando e como quiser, minha flor, pegou emailzite aguda? parece alguém que conheço, como quando vi as fotos, me senti lambuzado, que fartura, ninguém nunca escreveu mais de duas linhazinhas açodadas para mim, fico imaginando como deve ser gostoso receber emails caudalosos como os meus, aquela doce avalanche de confidências, mas se não está a fim pode compensar com fotinhos, quero mil, uma por segundo, manda? minha flor, quem disse que a estúpida é você? eu? te chamar assim? no way, depois do trabalhão que me deu te conquistar? que é que é o F do GPF? ah sim, é de Fake, por que sou tão imperdoável por ser fake? legal que Caetano tenha um pai digno, hoje em dia homem decente é relíquia (yes, também me amarro em entender a alma feminina, tenho algo em comum com teu namorado Buarque de Hollanda, embora seja apenas um fake sinvergüenza), pombas, 90 minutos de almoço é uma eternidade, engulo umas tranqueiras diante do computador, malho 18 hs de domingo a domingo, te chamei de utilitarista? acho que não, se chamei foi em outro contexto ou, qual o presidente da câmara, fui mal interpretado (viu? também sei dar desculpa esfarrapada), não duvido, ainda sinto na pele os efeitos da tua visceralidade, também não sou poeta, só engano bem às vezes, poesia é uma merda, poetas são uns fracassados condenados na marra a trocar o cheiro do orvalho pela palavra insuficiente, mas, como já disse, aceito minha cota em fotos, em emails, qualquer coisa, desde que não me deixe sozinho neste gueto virtual, ó que insuportável não ter você em carne e osso, isto é um delírio? sim, é, estamos loucos nos acorrentando a esta telepaixão que nunca se concretiza no intercâmbio de ilusões digitais, quando me afasto do computador fico me açoitando, meu, perdeu o juízo? se apaixonando por uma tela de computador, miríades de promessas que nunca se cumprirão, já não bastam as decepções factuais, tens de fuçar a vidinha de quem está mil km longe sem chance alguma de um dia se fazer realidade, vivo nas nuvens desde que nasci, sou um desastre lidando com coisas e pessoas reais, mas não suporto a frustração de não poder ter você presente, às vezes a abstração me dá uma sensação horrível de vazio, minha flor, por que foi que você subiu pelas paredes quando te chamei de linda sedutora? foi muito banal, né? não esperava essa mancada dum cara como eu, né? como já te disse, fiquei envergonhado, foi um lapso instintivo-sentimental, baixei a guarda, mas foi bom, me acho infalível, super-homem da técnica e das emoções, vira e mexe levo um pescoção desses, molecões mimados feito eu merecem, e a baba canina, você tinha razão, sei que devo estar enchendo tua paciência voltando toda hora a esse assunto, é que fiquei chocado comigo mesmo quando você me esfregou na cara, enrubesci, em geral enrubesço quando me dou conta dos meus vexames, no ato levei uma tremenda chicotada do meu supersuperego, putz, imbecil, leia lá o que escreveu pra ela, asqueroso, deixando a lucidez se suplantar assim pelos espinhos da animalidade, anta, anta, anta, mas, meu botão que desabrocha e se recolhe em si à minha revelia, precisa pegar tão pesado? cachorro baboso, jeeesus, tive pesadelo, não é piada, sonhei que estava no antigo escritório do meu pai, sentado à mesa dele, e diante de mim um desconhecido com cara de cão, profundamente irado, ladrava palavrões contra mim numa voz intoleravelmente metálica, estridente, avançando mais e mais o focinho em direção ao meu rosto, acordei empapado de suor, fiquei perturbado pelo resto da noite, fui pra sala, liguei a tevê, fiquei lá feito doente zapeando de inferno em inferno, espero que agora tenha exorcizado a imagem da cabeça, sou um carinha impressionável, mas, olha, não se censure quando achar que preciso duma descompostura, você já viu, passo dos limites a cada frase que digo, em geral sou meu único público, escrevo pra mim mesmo, e quando escrevo pra alguém de verdade acabo me confundido, não é desculpa, apenas uma explicação, taux morrendo de medo de te perder, sei que vou, cedo ou tarde, sou um desastrado, não sei cultivar relacionamentos, não sei cuidar dos outros, de mim, de nada, és uma flor e cedo ou tarde vou te encharcar e afogar no rio de sentimentos que corre dentro de mim, te assoberbar como é minha especialidade, nessa hora você vai ter de pensar na tua sobrevivência, não se deixar levar no caudal, ou então, ao contrário, vou te deixar largada no meio do deserto que às vezes ocupa minha cabeça e se estende pra todos os lados até meus horizontes, pêndulo maluco balançando bipolar entre extremos, tem certeza de que quer continuar esta paixão eletrônica mesmo assim? é por sua conta e risco, você não terá sua paz de volta em caso de pane, não tenho garantia, não dou garantia, não planejo o amanhã, não por querer mas por incapacidade, todas as vezes que tentei deu errado, sou quase que totalmente destituído de senso de autopreservação, putz, tô mandando bala na retórica, né? releva, please, não é por mal, cabotino? sou, está claro, mas agora, aqui, não taux apenas procurando me exibir, queria só te dar uma ideia mais ou menos precisa do meu jeito de ser, todo esse blablablá é racionalização, claro, é uma merda se explicar, claro, vejo todo mundo aí fora apenas sendo, se precisa explicar é porque já mostrou tudo, já te mostrei tudo? bom, deixa mudar de assunto, vou acabar mais uma vez me autorridicularizando, no que sou mestre, você já sacou, disse isso num dos últimos emails, não sei por que recaio com tamanha constância, fiz vários anos de análise mas acho que não cheguei nessa neurosezinha particular, me acha neurótico além da conta? não, não precisa responder, sei a resposta, sim, sou, muito além da conta, além do cômodo e do tolerável e do aceitável, não é moleza conviver comigo, construo campos minados à minha volta, lá vou eu de novo procurar no desconsolo, puta merda, será que entornei o caldo desta vez? ih, não disse nem um por cento do que queria, se você não sumir da minha vida de repente vou acabar te confessando, tudo, tudinho, tintintim, sou verborrágico (não deu pra notar, deu?), melhor, boquirroto, verborrágico é técnico demais, não, boquirroto é literário demais, sou é falastrão, sou um solitário mórbido que não se contém quando arruma um cristo pra escutar seu lixo mental, não, não, esquece o mórbido, não, sou apenas dado ao melodramático, não tenho nada de mórbido nem doente nem nocivo de que forma seja, sou um cara legal deeply in love com uma fadinha que conheci sob os auspícios desta abençoada rede de internautas solitários e frustrados e seremos felizes digitalmente por toda a vida por todo o éter até que nossos sangues virem glóbulos bits e glóbulos bytes e escorram para a escuridão entre as galáxias e se unam no vácuo do firmamento e se aglutinem ao Halley ou qualquer outro cometa que nos leve eternamente universo afora, pombas, mamei meio litro de bala duas noites passadas pensando na festinha e agora você diz que era domingo? vou ter de tomar tudo de novo, tem coragem de não tomar sequer um golinho em meu nome? tem coragem de dizer que não me entende nem quer entender? então não precisa dizer mais nada, já percebi, vou fazer parte dos teus pensamentos na medida que não atrapalhar tua vida ou teu dia-a-dia, okay, não posso pedir mais que isso, não passo duma quimera eletrônica, tudo isso que estou escrevendo e já escrevi e ainda escreverei é produto dum programa de computador, é a internet vivendo nossa vidinha de bosta por nós, putz, tô exagerando no baixo calão, né? sorry, é que quando escrevo pra mim gosto de um tico de escatologia, só pra não parecer angelical demais, anjos e fadas e tudo que soe sublime me fazem mal, sou mais da turma do demônio, deu pra sacar, não deu? afinal o cara é o dono do mundo e o mestre de cerimônias das nossas almas de lata enferrujada, mórbido mórbido mórbido, assim tu assusta a suavíssima flor de pétalas negras, depois vai ficar se remoendo macambúzio pelos cantos, sozinho zanzando pelo inferno cibernético sem se sentir acolhido em nenhuma das trocentas trilhões de páginas atulhadas de dondocas e patifes, epa, patife é eco de algum flaubert que não leio faz tanto tempo, tive uma época que lia um por dia, agora sou um tonho obcecado pela falsas promessas dessa praga, deus, tô indo aí, se prepara, vou te raptar, no coração, no coração do Brasil, acha que podíamos viver numa boa no Pantanal? o Pantanal fica perto? ou a Bolívia seria melhor, podíamos visitar mamacita Geny Tálya, jogar pedra na geny, leu Macunaíma? outro dia vi tua cidade na tevê, estranha né? meio organizada demais feito as americanas ou é só impressão? bom, não mostraram favelas e outros cancros sociais do tipo, que isso ninguém quer ver, sorry, não posso te dar meu número, fiz isso uma vez, deu um puta rebu, não sei se devemos nos falar, devemos? me diga se devemos, me dá teu número? não confia em mim? não confia, não precisa responder, sou um FS, Fake Safado absolutamente inconfiável maluco aloprado alucinado, só uma louca confiaria em mim, você não é, você já disse, já percebi, me perdoa a insensatez, me dá o endereço da festinha, ó god, queria tanto ver tua carinha, eu entrando pela porta, abrindo largamente os braços, bradando, sou eu, GPF em pessoa, já imaginou? desmaiava? ou simplesmente respondia okay, pegava um guaraná e sentava num canto, bom, eu sim, desmaiava, um cheiro de balla me recompunha, que foi que achou engraçado na montagem da foto que fiz? achei tão dramaticamente triste, essas panorâmicas urbanas me dão uma puta angústia, me vejo nos labirintos da cidade, aquela primeira, a do preciso teu céu, aquela é fudida, aquela é eu, tenho gana de chorar quando olho o céu, mórbido ido ido, Má, por que é que descia tanto o sarrafo em mim quando a gente se conheceu? no fim se mandou, me deixou no ar, fiquei dias te procurando, punha MV na caixa de busca mas não te achava, geez, era hostil demais, foi lá que te vi hostil, uma severidade pro meu lado que me deixava perplexo, uma antipatia despropositada, ciúme, né? desculpa, esquece a pergunta impertinente, não é da minha conta, claro, fiquei te caçando, escrevi aquele diálogo patético em mi menor (eu e Geny Tálya) entre outras pra te seduzir, de repente um email, fake, gosto de você, teu primeiro, lembra? fiquei todo cheio, está no papo, dei um risinho baixinho pra mim mesmo, então foi aí, porra, agora tô lembrando, foi aí que fui tomado do instinto canino e acabei dando uma de cachorro, yes, essas abordagens assim diretas provocam esse tipo de reação animal e na hora fiquei com vontade de te comer, putz, posso falar assim? deus, me perdoa se foi mal, só taux querendo explicar o que aconteceu, o impulso já foi devidamente sufocado, nutro por ti apenas sentimentos nobres, edificantes, exemplares, sou um poeta puro à procura de uma musa virgem, acha que já deu? passei da conta? entornei o balde? presta atenção, me dá um endereço de email pra te mandar meu pagamento, disse que ia pagar tuas fotinhos, não disse? Leu meu novo textículo caloteiros e mal (sic) pagadores? Escrevi só pra não esquecer minha dívida com você, bom, o email, se não quiser me dar um que use regularmente, cria um no Yahoo ou alhures só pra te mandar uma coisinhas, quero te encantar, quero de deixar de boca aberta, queixo caído, prostrada, zonza, delirando com meus braços, ansiando pela minha boca, ah, agora entendi, fiquei aqui escrevendo essa baboseira só pra ficar torcendo por você na prova, foi bem? depois me conta, tá na faculdade? me conta, me conta tudo, queria te dizer que te amo mas soa falso, não soa? devemos nos portar recatadamente e aplicar nossas palavras com parcimônia, te amo destoa, descabe, ninguém ama assim sem mais nem menos, só eu, o insensato, não é blague, se fugíssemos juntos cairíamos na miséria numa semana, não sei sequer se seria uma semana útil, te quero, perdoa por me traíres, cansei do Chico, voltei pro Rachmaninov e quejandos, te espero, by god, me manda o email hoje, preciso do teu céu, do teu ar, do teu dia, gosh, não consigo parar e é cedo demais pro meu balla, preciso trabalhar, tô perdendo grana, você já me deve umas três pilas, taria bem sem essa, o my love for the first time in my life, não, nada a ver, pueril demais, porra, que é que eu taux fazendo? tá lendo ainda? parou lá na metade e aqui falando sozinho,,,

São tantas da vida de artista as agruras

São tantas da vida de artista as agruras.
Estou emocionado. Sem exagero. Meus dedos tremem, o estômago se contorce sob borrifos gelados de adrenalina. Pois acho-me em vias de encetar mais um dos meus reality-shows literários nesta esplendorosa vida online que veio pra botar nossas vidinhas de pernas pro ar.
Primeiramente queria agradecer aos meus quase três leitores que se dignam a ler a gororoba que aqui publico diuturnamente e noturnamente, nas sábias palavras da desequilibrada mental que nos governa a todos. Desses quase três leitores estou certo que a maioria, se questionada pelo Ibope, confessaria não ter paciência de ler tudo. O “tudo” no caso consiste das duas páginas ou pouco mais das minhas postagens diárias. Prezados, se um dia lerem a Busca do Tempo etc ou a Montanha mágica, convém munir-se d'alguma preparação físico-espiritual, pois a empreitada não será batatinha. Demora algo mais que dois cliques a esmo pela rede. Dentre tais quase três gatos pingados, uns me acusam de certos “longes clariceanos”, cuja referência, infelizmente, não me vejo capaz de inferir, pois, como já disse alhures, não li Lispector, salvante 2 ou 3 contos que me bastaram pra determinar que não me faria falta.
E, a título de advertência, devo dizer que vou discorrer um tico sobre umas mumunhas aí, uns meros 20 parágrafos, nada que cause maior embananamento do que o já previsto em suas ricas existências. Vocês certamente hão de querer parar por aqui. Bye.
Não posso deixar de citar outra parte significativa do meu leitorado, que, tão logo batem o olhar severo nas primeiras linhas dos meus textículos, os consideram petulantes e de linguagem forçada. Devo reconhecer que, frente à sem-gracice da obra, esses leitores, embora de espírito ainda detido no século 19, se mostram judiciosos. Piedosos, mesmo. E têm já pose de críticos. Se, da próxima vez, cuidarem de observar um pensamento um tico mais telegráfico, terão um futuro promissor.
E cumpre agradecer em especial, claro, a bonomia daqueles de índole mais suave, com seu tom amistoso e o notável, pró-ativo esforço que envidam para ceder à tentação dum veredito que não caia tremendamente mau a este escriba de ideias manquitolas tão bem refletidas na bisonhice do louco que delira com seu sanatório mental. A cura, deduz-se pelo enrosco, jaz impossível. Esses aparentemente se condoem do desgraçado. E de mim. O ser humano ainda tem esperança?
Ai, ai, ai. São tantos da vida de artista os tormentos. Não fosse a providencial participação duma suave leitora que se apresenta como Cátia e dum barbudo aí com cara de quem fugiu do sanatório, este blog já seria irrecorrivelmente história e estaria enterrado nas fundezas abissais da internet. (Falar nisso, que será que os caras vão fazer com esta inaquilatável montanha de lixo digital que a gente vem juntando aqui dia a dia? Já imaginaram dentro duns 40, 50 anos? haja disco rígido. Tantas dores, lágrimas e risos, tudo esquecido no baú do celular. Todas essas carinhas que ora vejo nesta página estarão órfãs dos seus respectivos donos. Que pena.)
E, pessoal, sei que prum blog less is more e a economia é sempre desejável, mas creio que não se importem se deitar um tico de falação? Sacumé, coisa de escritor que gosta de desenvolver mais ou menos solidamente o que pensa. Afinal, presume-se que aqueles que aqui acorrem sejam pelo menos leitores. Desliguem o espírito preventivo que muitos aí criaram contra textos mais elaborados. (Outro dia alguém aí me chamou de prolixo, qualé? ninguém mais lê Proust hoje em dia? Não. Ninguém que eu conheça. Depois que o Dalton difundiu o miniconto no meio literário, neguinho acha que passou de 15 palavras é palavrório. Não é, não. Basta desarmar o etc. Suprimir adjetivos é legal, mas não necessariamente um vade mecum que se encaixa em qualquer situação. Literatura ainda se faz com palavras, um montão delas. No mínimo, para dar ao escritor a chance de provar que sabe escrever.). Bem, dizia, desliguem a prevenção e relaxem. (E se abaixem, que aí vem chumbo.)
A cada postagem que subo, imagino, devam passar por aqui umas poucas dezenas de pessoas no brevíssimo período dum dia. A grande maioria não se dá o trabalho de ciscar além da primeira linha. Eu mesmo, dependendo do meu (des)ânimo, da pressa com que geralmente me esgueiro por outros blogs aí, igualmente não me equipo da necessária paciência para uma leitura cabal. Perfeitamente compreensível. Há uma pletora de textos literários ou pseudoliterários por esta rede infinda, a gente cansa rapidinho depois de alguns cliques e claques.
Mas que dizer do resto?
Que resto? alguém pode perguntar.
Ora, o resto dos meus quase três leitores que me visitam e silenciam.
É meio desconcertante. E, não só pra rimar, decepcionante.
Afinal, o que não está em falta na blogosfera são juízes literários e gente com vocação de crítico e pretendentes a resenhista de caderno dominical. Pessoal, a famigerada Flip vem vindo aí, conto com a presença de todos.
Pois, com perdão do demodismo, causa espécie o silêncio quanto aos meus textículos por parte de doutos que enchem a boca pra citar sartres, aristóteles, nerudas, oswalds, mários, lobatos e que com tanta facilidade e desenvoltura discorrem serelepes, profundos e autorizados sobre as intrincadas embananações do métier literário e da hercúlea arte/ciência de escrever.
Quando há poucos anos comecei a participar do fantástico mundo das letras cibernéticas, pensei, pô, taí um método manero de aquilatar meus supostos dotes artísticos, embora, em geral seja avesso à comunhão digital que parece ser o grande barato que liga internautas. Escrevo há décadas, sempre sozinho no meu canto, subindo de vez em quando um textinho só para lamber a cria depois, sei que um ou outro náufrago digital vira e mexe acaba se perdendo por aqui, mas nunca tinha me preocupado com o que pudessem achar do que faço, até que esse outro dia aí deu o estalo do pe. Antonio, pensei, pombas, essa cruz de escritor solitário que nunca ouve o eco produzido por sua obra é barra, vou ver se descolo um feedback, quando tive a ideia fiquei meio intimidado, coisa à-toa, taquicardia, suor frio, náusea, calafrio, zumbido nas orelhas, esses pormenores sintomáticos de que padeço desde que nasci, sou um carinha cheio de pruridos bobos, torturado das aflições e traumas que afligem os covardes, mas depois pensei de novo, fôdasse, não vai tirar pedaço, pelo menos não pedaço físico.
Então é isso. Gostaria sinceramente que os silenciosos me dissessem:
Por que é tão fácil discorrer sobre grandes escritores e grandes filósofos, que todos os que discorrem leram, por certo, e impossível comentar um texto dum reles blogueiro?
É engraçado, tenho a sensação de que faço algo errado. De que cometo uma espécie de heresia. Parecem correr por aí acordos tácitos segundo os quais não se faz o que faço. Parece que existimos, os que escrevemos, para falar dos excelsos, se possível do sexo dos anjos. Mas comentar a “obra” dum blogueiro...?
Petulância! Acho que entendo. Pretenderam se referir ao meu texto, mas na verdade miravam a mim. (Não vou nem me chamar de “autor”, pois que, segundo os acordos táticos, não sou, evidentemente.)
Audácia! Como é que nossos nobres dedinhos acostumados a divagar sobre os magníficos que habitam o Olimpo poderiam descer à indignidade de falar sobre um zé-ninguém?
Ponha-se no seu lugar, porra. Este é um métier literário. E não sabemos se o que você faz é literatura. Pode ser que sim. Mas, e se não for? Que poderá nos acontecer? Afinal, só podemos ler o que todos leem e falar do que todos falam e pensar o que todos pensam. Herege!
Caio na gargalhada quando, minutos depois duma postagem, uma moça aí coloca “que poeta é a Hilda Hilst!”. Na hora não dei muita bola. Agora, naturalmente, não há dúvida: ousemos falar de Hilda Hilst, não ousemos falar do atrevido que se pretende escritor.
Cadê o currículo? Como todo mundo, somos adeptos do princípio do currículo. Neófito? Fim da fila. Afinal, de que outro jeito poderíamos reconhecer a arte, não é mesmo? Não tem carimbo de procedência, cruz credo. E se for poesia em estado bruto? Deus o livre.
Bom, vou me abster de outras conclusões que tenho tirado ao longo deste longo tempo de diabruras literárias, conclusões mais pesadas e “reveladoras”. Embora não costume botar o rabo entre as pernas. Acho que tô ficando velho. Mas dá pra me divertir. Faço o que gosto de fazer, que é balançar o koreto. Função, entre outras, do escritor.
Estou até grato. Principalmente por mais uma oportunidade de encaçapar uma experiência digital e tirar uns pensamentozinhos dela e escrever uns parágrafos a partir desses pensamentos. A maioria de nós ainda estamos, e continuaremos a estar por bom tempo, meio assoberbados com as potencialidades infinitas da internet. Quem sabe, daqui uns anos, quando só houver nativos digitais no mundo, o assombro cesse. Mas por ora naveguemos desconfiados, mantenhamos o pé atrás diante de blogueiros imprudentes, não sabemos direito como nos portar. (Bem, eu ao menos sinto esses desconfortos, vocês aí não sei, obviamente.)
Outro dia no Estadão um puta artigo sobre A resistência, de Ernesto Sábato, com cinco cartas que ele endereça aos, claro, leitores. Uma começa assim: “Vi (...) que a alienação e a solidão têm chegado a tal ponto que as pessoas tentam se amar por meio dum monitor”. E por aí vai. Sábato, um “humanista” que preza a ética acima de tudo, não entende o eternamente admirável mundo novo. Talvez a intercomunicação digital nunca seja “natural”, sei lá. Para mim não é. Não tenho, e nunca terei, sequer celular.
Mas, dizia, estou grato por mais uma experiência digital e a desculpa para forjar mais um textinho. A maioria dos impávidos leitores de blogs provavelmente ignora, mas é isto que um escritor faz. A experiência estética do escritor não tem bat-hora nem bat-canal. Ou a do artista em geral. O artista vive o mundo e o reflete. Quanto mais artista, mais longamente e mais densamente. A literatura não está só na livraria, não. E escritor não é só aquele editado pela Cia. das Letras ou que escreve no vejão ou que ganha o Nobel. O artista sabe, ou tem de saber, identificar uma experiência que valha a pena retratar. A experiência está em todos os lugares o tempo todo, sob todas as pedras, atrás de todas as sombras. Vou até me permitir uma bobagem que todo mundo e seu amiguinho secreto por aí faz o tempo todo, i.e., citar um autorzão grandão. Flaubert disse “Seja regular e ordeiro na vida pra poder ser violento e original na arte”. Humilde, procuro seguir a dica do homem.
E assim termina mais um reality-show literário estrelado pelos assombrosos e assombrados quase três leitores deste blog. Não “perdam” amanhã aqui mesmo mais um inebriante capítulo do marmanjo que pediu um reles feedbackizinho e saiu chupando o dedo cuma indiferença do tamanho do mundo. (Engraçado só a Cátia ter se dado o trabalho etc., será que é porque já tem livros na praça?)
Fazia tempo que eu tava a fim de tecer umas abobrinhas sobre blogs e seu suposto leitorado. Acho que acabo de dar a largada. Talvez use este “episódio” e desenvolva. Uau, um flagrante ao vivo do escritor no ato da criação! Quantos não desejariam ter sido destinatários duma cartinha de Machado sobre sua própria lida, hã?
Eu bem que podia ter postado um link para páginas mais solenes, menos arriscadas. Mas, pombas, quem ia ler? Estão todos ocupados dando preleção sobre a fenomenologia do espírito literário e Sartre, Shake e quejandos.