São tantas da vida de artista as agruras

São tantas da vida de artista as agruras.
Estou emocionado. Sem exagero. Meus dedos tremem, o estômago se contorce sob borrifos gelados de adrenalina. Pois acho-me em vias de encetar mais um dos meus reality-shows literários nesta esplendorosa vida online que veio pra botar nossas vidinhas de pernas pro ar.
Primeiramente queria agradecer aos meus quase três leitores que se dignam a ler a gororoba que aqui publico diuturnamente e noturnamente, nas sábias palavras da desequilibrada mental que nos governa a todos. Desses quase três leitores estou certo que a maioria, se questionada pelo Ibope, confessaria não ter paciência de ler tudo. O “tudo” no caso consiste das duas páginas ou pouco mais das minhas postagens diárias. Prezados, se um dia lerem a Busca do Tempo etc ou a Montanha mágica, convém munir-se d'alguma preparação físico-espiritual, pois a empreitada não será batatinha. Demora algo mais que dois cliques a esmo pela rede. Dentre tais quase três gatos pingados, uns me acusam de certos “longes clariceanos”, cuja referência, infelizmente, não me vejo capaz de inferir, pois, como já disse alhures, não li Lispector, salvante 2 ou 3 contos que me bastaram pra determinar que não me faria falta.
E, a título de advertência, devo dizer que vou discorrer um tico sobre umas mumunhas aí, uns meros 20 parágrafos, nada que cause maior embananamento do que o já previsto em suas ricas existências. Vocês certamente hão de querer parar por aqui. Bye.
Não posso deixar de citar outra parte significativa do meu leitorado, que, tão logo batem o olhar severo nas primeiras linhas dos meus textículos, os consideram petulantes e de linguagem forçada. Devo reconhecer que, frente à sem-gracice da obra, esses leitores, embora de espírito ainda detido no século 19, se mostram judiciosos. Piedosos, mesmo. E têm já pose de críticos. Se, da próxima vez, cuidarem de observar um pensamento um tico mais telegráfico, terão um futuro promissor.
E cumpre agradecer em especial, claro, a bonomia daqueles de índole mais suave, com seu tom amistoso e o notável, pró-ativo esforço que envidam para ceder à tentação dum veredito que não caia tremendamente mau a este escriba de ideias manquitolas tão bem refletidas na bisonhice do louco que delira com seu sanatório mental. A cura, deduz-se pelo enrosco, jaz impossível. Esses aparentemente se condoem do desgraçado. E de mim. O ser humano ainda tem esperança?
Ai, ai, ai. São tantos da vida de artista os tormentos. Não fosse a providencial participação duma suave leitora que se apresenta como Cátia e dum barbudo aí com cara de quem fugiu do sanatório, este blog já seria irrecorrivelmente história e estaria enterrado nas fundezas abissais da internet. (Falar nisso, que será que os caras vão fazer com esta inaquilatável montanha de lixo digital que a gente vem juntando aqui dia a dia? Já imaginaram dentro duns 40, 50 anos? haja disco rígido. Tantas dores, lágrimas e risos, tudo esquecido no baú do celular. Todas essas carinhas que ora vejo nesta página estarão órfãs dos seus respectivos donos. Que pena.)
E, pessoal, sei que prum blog less is more e a economia é sempre desejável, mas creio que não se importem se deitar um tico de falação? Sacumé, coisa de escritor que gosta de desenvolver mais ou menos solidamente o que pensa. Afinal, presume-se que aqueles que aqui acorrem sejam pelo menos leitores. Desliguem o espírito preventivo que muitos aí criaram contra textos mais elaborados. (Outro dia alguém aí me chamou de prolixo, qualé? ninguém mais lê Proust hoje em dia? Não. Ninguém que eu conheça. Depois que o Dalton difundiu o miniconto no meio literário, neguinho acha que passou de 15 palavras é palavrório. Não é, não. Basta desarmar o etc. Suprimir adjetivos é legal, mas não necessariamente um vade mecum que se encaixa em qualquer situação. Literatura ainda se faz com palavras, um montão delas. No mínimo, para dar ao escritor a chance de provar que sabe escrever.). Bem, dizia, desliguem a prevenção e relaxem. (E se abaixem, que aí vem chumbo.)
A cada postagem que subo, imagino, devam passar por aqui umas poucas dezenas de pessoas no brevíssimo período dum dia. A grande maioria não se dá o trabalho de ciscar além da primeira linha. Eu mesmo, dependendo do meu (des)ânimo, da pressa com que geralmente me esgueiro por outros blogs aí, igualmente não me equipo da necessária paciência para uma leitura cabal. Perfeitamente compreensível. Há uma pletora de textos literários ou pseudoliterários por esta rede infinda, a gente cansa rapidinho depois de alguns cliques e claques.
Mas que dizer do resto?
Que resto? alguém pode perguntar.
Ora, o resto dos meus quase três leitores que me visitam e silenciam.
É meio desconcertante. E, não só pra rimar, decepcionante.
Afinal, o que não está em falta na blogosfera são juízes literários e gente com vocação de crítico e pretendentes a resenhista de caderno dominical. Pessoal, a famigerada Flip vem vindo aí, conto com a presença de todos.
Pois, com perdão do demodismo, causa espécie o silêncio quanto aos meus textículos por parte de doutos que enchem a boca pra citar sartres, aristóteles, nerudas, oswalds, mários, lobatos e que com tanta facilidade e desenvoltura discorrem serelepes, profundos e autorizados sobre as intrincadas embananações do métier literário e da hercúlea arte/ciência de escrever.
Quando há poucos anos comecei a participar do fantástico mundo das letras cibernéticas, pensei, pô, taí um método manero de aquilatar meus supostos dotes artísticos, embora, em geral seja avesso à comunhão digital que parece ser o grande barato que liga internautas. Escrevo há décadas, sempre sozinho no meu canto, subindo de vez em quando um textinho só para lamber a cria depois, sei que um ou outro náufrago digital vira e mexe acaba se perdendo por aqui, mas nunca tinha me preocupado com o que pudessem achar do que faço, até que esse outro dia aí deu o estalo do pe. Antonio, pensei, pombas, essa cruz de escritor solitário que nunca ouve o eco produzido por sua obra é barra, vou ver se descolo um feedback, quando tive a ideia fiquei meio intimidado, coisa à-toa, taquicardia, suor frio, náusea, calafrio, zumbido nas orelhas, esses pormenores sintomáticos de que padeço desde que nasci, sou um carinha cheio de pruridos bobos, torturado das aflições e traumas que afligem os covardes, mas depois pensei de novo, fôdasse, não vai tirar pedaço, pelo menos não pedaço físico.
Então é isso. Gostaria sinceramente que os silenciosos me dissessem:
Por que é tão fácil discorrer sobre grandes escritores e grandes filósofos, que todos os que discorrem leram, por certo, e impossível comentar um texto dum reles blogueiro?
É engraçado, tenho a sensação de que faço algo errado. De que cometo uma espécie de heresia. Parecem correr por aí acordos tácitos segundo os quais não se faz o que faço. Parece que existimos, os que escrevemos, para falar dos excelsos, se possível do sexo dos anjos. Mas comentar a “obra” dum blogueiro...?
Petulância! Acho que entendo. Pretenderam se referir ao meu texto, mas na verdade miravam a mim. (Não vou nem me chamar de “autor”, pois que, segundo os acordos táticos, não sou, evidentemente.)
Audácia! Como é que nossos nobres dedinhos acostumados a divagar sobre os magníficos que habitam o Olimpo poderiam descer à indignidade de falar sobre um zé-ninguém?
Ponha-se no seu lugar, porra. Este é um métier literário. E não sabemos se o que você faz é literatura. Pode ser que sim. Mas, e se não for? Que poderá nos acontecer? Afinal, só podemos ler o que todos leem e falar do que todos falam e pensar o que todos pensam. Herege!
Caio na gargalhada quando, minutos depois duma postagem, uma moça aí coloca “que poeta é a Hilda Hilst!”. Na hora não dei muita bola. Agora, naturalmente, não há dúvida: ousemos falar de Hilda Hilst, não ousemos falar do atrevido que se pretende escritor.
Cadê o currículo? Como todo mundo, somos adeptos do princípio do currículo. Neófito? Fim da fila. Afinal, de que outro jeito poderíamos reconhecer a arte, não é mesmo? Não tem carimbo de procedência, cruz credo. E se for poesia em estado bruto? Deus o livre.
Bom, vou me abster de outras conclusões que tenho tirado ao longo deste longo tempo de diabruras literárias, conclusões mais pesadas e “reveladoras”. Embora não costume botar o rabo entre as pernas. Acho que tô ficando velho. Mas dá pra me divertir. Faço o que gosto de fazer, que é balançar o koreto. Função, entre outras, do escritor.
Estou até grato. Principalmente por mais uma oportunidade de encaçapar uma experiência digital e tirar uns pensamentozinhos dela e escrever uns parágrafos a partir desses pensamentos. A maioria de nós ainda estamos, e continuaremos a estar por bom tempo, meio assoberbados com as potencialidades infinitas da internet. Quem sabe, daqui uns anos, quando só houver nativos digitais no mundo, o assombro cesse. Mas por ora naveguemos desconfiados, mantenhamos o pé atrás diante de blogueiros imprudentes, não sabemos direito como nos portar. (Bem, eu ao menos sinto esses desconfortos, vocês aí não sei, obviamente.)
Outro dia no Estadão um puta artigo sobre A resistência, de Ernesto Sábato, com cinco cartas que ele endereça aos, claro, leitores. Uma começa assim: “Vi (...) que a alienação e a solidão têm chegado a tal ponto que as pessoas tentam se amar por meio dum monitor”. E por aí vai. Sábato, um “humanista” que preza a ética acima de tudo, não entende o eternamente admirável mundo novo. Talvez a intercomunicação digital nunca seja “natural”, sei lá. Para mim não é. Não tenho, e nunca terei, sequer celular.
Mas, dizia, estou grato por mais uma experiência digital e a desculpa para forjar mais um textinho. A maioria dos impávidos leitores de blogs provavelmente ignora, mas é isto que um escritor faz. A experiência estética do escritor não tem bat-hora nem bat-canal. Ou a do artista em geral. O artista vive o mundo e o reflete. Quanto mais artista, mais longamente e mais densamente. A literatura não está só na livraria, não. E escritor não é só aquele editado pela Cia. das Letras ou que escreve no vejão ou que ganha o Nobel. O artista sabe, ou tem de saber, identificar uma experiência que valha a pena retratar. A experiência está em todos os lugares o tempo todo, sob todas as pedras, atrás de todas as sombras. Vou até me permitir uma bobagem que todo mundo e seu amiguinho secreto por aí faz o tempo todo, i.e., citar um autorzão grandão. Flaubert disse “Seja regular e ordeiro na vida pra poder ser violento e original na arte”. Humilde, procuro seguir a dica do homem.
E assim termina mais um reality-show literário estrelado pelos assombrosos e assombrados quase três leitores deste blog. Não “perdam” amanhã aqui mesmo mais um inebriante capítulo do marmanjo que pediu um reles feedbackizinho e saiu chupando o dedo cuma indiferença do tamanho do mundo. (Engraçado só a Cátia ter se dado o trabalho etc., será que é porque já tem livros na praça?)
Fazia tempo que eu tava a fim de tecer umas abobrinhas sobre blogs e seu suposto leitorado. Acho que acabo de dar a largada. Talvez use este “episódio” e desenvolva. Uau, um flagrante ao vivo do escritor no ato da criação! Quantos não desejariam ter sido destinatários duma cartinha de Machado sobre sua própria lida, hã?
Eu bem que podia ter postado um link para páginas mais solenes, menos arriscadas. Mas, pombas, quem ia ler? Estão todos ocupados dando preleção sobre a fenomenologia do espírito literário e Sartre, Shake e quejandos.

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