Aguardando o apoteótico

Eles batem as patas nas mesas, exigindo que um poeta que há décadas se dispôs a explorar a escuridão que desde que nasceu viceja dentro dele de repente saia por aí a esbanjar entusiasmo cantando odes ao enlevo de existir
ELES QUEREM É ALEGRIA, CARA!
Neste, noutros, em todos os carnavais, ai de ti, eternamente confuso poeta
Quem mandou não caber na fantasia que te coube?

Provocar, atrair, convencer e desencaminhar

Há um momento supremo na longa escalada dum alpinista rumo ao topo:
a queda.
Como todo sedentário preguiçoso, autocentrado e cínico, também me admiram esses heróis das alturas. Eles não galgariam sequer três metros acima do nível do mar se não fossem equipados com disciplina, coragem e ultradesenvolvidas habilidades psíquicas e físicas. Todos os talentos que não tive o azar de herdar, pois papai também foi o feliz destituído de todos eles.
Sabe o que me entusiasma mesmo quando penso nesses superatletas?
O que me deixa excitado é pensar em como são imunes ao fascínio da morte.
Mesmo não escalando mesmo uma cadeira, sou obcecado pelo fim.
Penso em morrer desde que nasci.
Quanto mais vivo, mais não quero viver.
Como deve ser terno o termo.
Como deve ser ínfima a fronteira final.
Encerrar de vez o suplício de me carregar, e ao meu corpanzil entuchado de banha, pra cima, pra baixo, pra dentro, pra esquerda. Tal suplício é mais que suficiente, óbvio. Porque não sou um alpinista da vida ou escafandrista for that matter, não existem cumes aonde eu sonhe chegar, a altitude me deixa zonzo, as profundidades, eletricamente claustrofóbico.
Sempre quis morrer.
Pra acabar com a mesmice.
Pra simplesmente mudar de estado.
Pra saber como é.
Será qual um indeglutível caroço entalado na garganta que você engole mesmo assim?
Será que nossa sensorialidade permanece intacta por uns instantes, ao menos para que nos seja perceptível a transição?
Haverá transição?
É claro que essas perguntas não se aplicam à maioria de nós que hoje esticamos as canelas terrivelmente sedados...  para que elas, as perguntas, não nos ocorram.
Que nojenta raça de pixotes nos tornamos.
Mas não é isso que me interessa agora.
O que me interessa é, quero morrer pra saber.
Saber. Finalmente. Tão somente.
Saber o que as cartilhas escolares se recusam a nos ensinar e cujos saberes nunca pretendi saber de qualquer modo.
Saber a única coisa que neste momento faria diferença saber.
Passar de mansinho para onde quer que passamos na morte não me interessa.
Se vale a pena sentir a Última Dor, que a sinta.
Ser desligado incólume e inconsciente feito um rádio de que se removem as pilhas, no, thanks.
Quero a passagem do alpinista que de repente afrouxa os dedos que o mantêm frágil e espetacularmente vivo no paredão do rochedo e pensa “Minha sorte está em minhas mãos, concretamente” e fecha os olhos e relaxa os músculos e solta os pulmões, se entregando quase satisfeito, sem resistência, à força da gravidade da qual somos e fomos escravos desde nosso primeiro segundo neste planeta que flutua pelo espaço apenas pelo capricho da nossa imaginação.

Blup

Meu ibope sofreu uma queda nos últimos dias. Acontece ocasionalmente. Em geral meus quase três leitores se afastam nos fins de semana e sobretudo nos malditos feriadões, uma das maiores causas do nosso atraso cultural-econômico. Em outras ocasiões em que há queda nos números de leituras das minhas postagens, me boto a ruminar, omessa. Que foi que deu no meu distinto público desta vez?
A última postagem é continuação de Vila nova, digo..., série via de praxe bem aceita pelos meus leitores, visto estar recheada de, qual novela da Globo, conflitos interpessoais, mistérios, clímaces e anticlímaces e, principalmente, piadinhas infames. (Os leitores não se incomodam que sejam infames, desde que estejam lá e lhes dê uma desculpa para rir, mesmo que não tenham graça, como de fato não têm, nem na Globo, nem aqui, nem em lugar algum.)
Então, prosseguindo em minha conjetura silenciosa, só pode ser a postagem anterior. Ou as anteriores. Vou lá averiguar. Antes do episódio 18 de Vila nova, digo... publiquei Minha dialética, prosa poética com forte teor literário e um dos melhores textículos que escrevi até hoje e, portanto, dificilmente a causa da debandada.
Retrocedo mais um. Ah, o culpado só pode ser este. Um monólogo de Tia Eva presente no episódio 6 da série Ele voltou. Trata-se dum stream of conciousness ao estilo de Joyce e sua espiroqueta Molly Bloom que solta as rédeas da libido nas últimas páginas de Ulisses.
O livro de Joyce permaneceu proibido nos EUA por nada menos que dez anos, acusado de produzir pornografia nos trechos em que a pequena Molly, deitada na cama para dormir ao lado do marido Leopold, delira c’uma troncha – fosse hoje em dia de certo a desejaria bem grande, como todo objeto de desejo na atualidade – introduzida no meio das pernas. Como se sabe, o público americano está entre os campeões do puritanismo e da hipocrisia, o que seguramente configura um dos grandes paradoxos desta época, visto que seus poetas e romancistas constituem a vanguarda literária do mundo há pelo menos setenta anos.
Custo a acreditar que meus leitores se deixem orientar pela pudicícia rasa provinciana e possam me confundir c’um reles escrevinhador de historietas safadas, sobretudo por conhecerem meu trabalho. Francamente, espero estar enganado nado nado.
Certa vez, na orkut, lá nos primórdios incertos porém fantásticos dos portais de “relacionamentos”, botei em meu perfil um textículo em que a mulher masturbava seu homem. Bidu. Metade das minhas “amigas” se escafederam no ato e nunca mais ouvi falar delas. Sem sequer um até-logo, sinal inequívoco de que ficaram escandalizadas. (Por coincidência, aquele também foi um dos meus melhores textos.)
Então postei em meu perfil o seguinte: “Não sei exatamente por que essas "amigas" deram no pé, mandando às favas nossa bela e antiga amizade digital. E fiquei aqui comigo me encafifando. Seria por que  na nova descrição do meu perfil digo que a mulher que amo é uma punheteira de "mancheias"? É muito provável que sim. Mas me recuso a acreditar. Primeiro, porque todas as mulheres que conheci em minha vida cedo ou tarde se mostraram adeptas da prática onanística para seus parceiros. (A maioria delas me mostraram mesmo que uma punheta sincera, uma punheta redentora é um dos momentos privilegiados em que um casal pode se desfazer dos pesadérrimos penduricalhos sociais para dedicar um ao outro o que um e outro têm de mais íntimo e recompensador.) Mas, claro, sei que não é assim tão simples. As pessoas em geral não gostam de associar a natureza humana à poesia. Para muitas, a poesia orbita numa esfera abstrata própria de anjos, flores, sonhos e outros elementos que fazem parte do nosso estoque de coisas inatingíveis. Essa esfera seguramente não permite a entrada de sórdidos anjos punheteiros e sua suja dimensão humana.”
Me espanta saber que ainda hoje haja quem enxergue sujeira no que é intrínseco à natureza humana. Há 2300 anos Terêncio disse “Sou um homem; nada que é humano me é estranho”. Até hoje a luta do artista é, precisamente, determinar o que é e o que deixa de ser humano. Praticamente toda a grande literatura produzida no século 20 envolve o sexo explicitamente. As tragédias gregas giram em torno de conflitos sexuais. Assim como as de Shakespeare. E tentar se abrigar sob os farrapos esgarçados do puritanismo depois das revelações de Freud, hoje ao alcance de crianças, tenha dó.
Destrinchar a natureza humana por si só não garante que um texto qualquer seja literário, mas nenhum texto será literário se não almejar a, entre outros incontáveis propósitos, destrinchar a natureza humana.
A quem possa se interessar não pelo tema do sexo na literatura mas pela satisfação que resolvi dar aos meus leitores por ter publicado o que publiquei em uma ou mais postagens, tenho a dizer que não se trata propriamente duma satisfação e sim de mais um pretexto para escrever, que, como digo desde sempre, é um dos móveis do escritor. Também como sempre digo, a morte do escritor é pretender agradar seus leitores. Por isso tantos já nascem mortos. Os que tentam é como se quisessem meramente entrar na moda.

Minha dialética

Quando escrevo, não sou errado. Não sou esquisito. Não sou trôpego, trêmulo, perplexo. Não, não sou não apenas perplexo: não sou embasbacado. Não sou desengonçado. Não sou. Não manco feito pato. Não tenho uma perna maior que a outra. Não pareço estar compenetrado num exercício de autoflagelação. Não me desequilibro. Nem me atrapalho. Nem caio. Não me importo que outros pensem ou comentem "Olha lá que desperdício humano." Quando me mostro. Quando me olho no espelho. Cães medrosos não põem o rabo entre as pernas e fogem ganindo. E cães valentes não rosnam nem arreganham os dentes. Minha voz não sai esganiçada. Estridente. Dando nos nervos de quem está por perto. Não emito ruídos ásperos como se tivesse acabado de engolir um copo de areia. Nem enjoativos como se eu tivesse tomado um tonel de purgante. Meu gemido não é fininho qual lamento de gato disputando fêmea no cio. Meu gemido, quando gemo, não é angustiante. Não enlouquece. Nem desnorteia. Tampouco me enlouqueço. Não tenho ganas de bater a cabeça na parede. E se estou perto dum rio, um lago ou um poço ou à beira do mar, não tenho a ideia de me atirar na água. Quando monologo, a primeira palavra que digo a mim mesmo não é de queixa. Quando falo comigo mesmo, não me abomino. Não me critico. Quando sonho, não desmancho meu mundo num liquidificador. Não amasso com as mãos e atiro a realidade no cesto como se fosse um recado de ontem que hoje não faz mais sentido. Não quero reencontrar pessoas que perdi. Não me ponho a perseguir minhas sombras. (Que as tenho várias.) Pois, quando sonho, sou cuidadoso. Metódico. Responsável. Quando me revelo, não fico triste nem melancólico. Ou ansioso. Ou revoltado. Não me agarro ao passado. Não sufoco o grito. Quando escrevo me perco sem me perder e erro sem errar. Quando sou errado, escrevo. Na geometria escura do meu mundo os extremos se tocam as paralelas se encontram as superfícies se escondem e as distâncias me levam. Na aritmética inexata do meu mundo me subtraio de mim me somo a mim me multiplico por mim me divido por zero. Na minha geografia de acidentes espetaculares atormentada por vulcões engasgados de lava fustigada por amazonas insaciáveis de sede meu regato é a palavra. Na minha história de guerras em que sou meu inimigo meu prisioneiro meu pelotão de fuzilamento minha paz é a palavra. Quando escrevo não me sufoco do meu tédio, escorraço meus anjos, trucido criaturas sem imaginação, desprezo o mundo e a experiência divina, a sabedoria e os que buscam o paraíso, os que fazem perguntas tolas, os que correm a respondê-las, os pobres de imaginação, os tolos que se deixam assoberbar pela beleza, os balbuciadores de trocadilhos pueris, a que reagem os frívolos com risinhos constrangidos.

Escrevo quando você sai, me deixando a casa vazia e o tempo parado. Escrevo quando a memória ressuscita lembranças em que me vi desesperadoramente só e parado no tempo. Escrevo quando morro pela enésima vez e meus dedos disparam impulsionados por vislumbres de rostos e trazem à tona fragmentos de palavras e pedaços de frases que, se não os interceptasse, subiriam ao céu sobre a casa vazia para além dos gases atmosféricos para se espalhar por entre as nuvens de formas que, mesmo indizivelmente vagas, me inspiram e me traduzem, se deixando recobrir por infinitas letras fugazes a reverberar esta minha noite na duração dum relâmpago que por um segundo me alimenta dessa força amarga me dando forças para questionar "Não haverá outra saída?", até que a porta da rua se abre e você começa a retornar, a retornar, a retornar num retorno sem fim e os claques e cliques da chave na fechadura inauguram o universo infinito ecoando na mais comprida palavra que existe para descrever minha galáxia sem rotas de fuga nem esconderijos. Escrevo quando não suporto minha verdade, quando preciso da minha mentira mais do que ar, quando não me quero, quando não quero este mundo, não quero estas sombras à noite, escrevo quando, de dia, me alucina meu maldito sonho de ser halterofilista, leiteiro, jamaicano, viajante, derrotado, interplanetário, surpreso, desmentido, índio, de ser o que não sou e então me sento e escrevo e escrevo abominando minhas palavras escrevendo o que abomino neste mantra permanente que não me dá paz.

Ele voltou VI

continuação de Ele voltou V

Quando chegamos à casa o Miata está parado em frente. A mão pousa no capuz auscultando o motor. Quente. Tanto quanto nossa Bucetona Agasalhadora. Então chegou há pouco.
A vida toda para isso. Antes tivesse nascido muçulmana. O jeito como age, perdemos a confiança. As “outras”. A professora universitária Eliana. A frequentadora de academia de ginástica Bárbara. A vendedora de comésticos Sônia. A carta que escrevemos não adiantou nada. Disse que isso é contra a Natureza. Quer coisa pior? disse, ir contra a própria Natureza? Temos tantas preocupações. Não é de surpreender, diz. Quem não tem? Sete anos nessa vida — entrei nos trinta junto com você. Pior — construí nossa vida contando com você. Então vem sussurrando pertinho da nossa orelha, diz que só sei fazer acusações, enfia o dedo na nossa Buceta, outro no Cú, me faz gozar. Gozo saboreando a razão das dedadas. Predispõe ao sexo. À reprodução. Como se todas as mulheres envolvidas com ele de repente se tornassem meras máquinas de parir. Com ele temos felicidade mas não paz. Como tergiversar c’um harém? Por isso queria ser muç-ul-m-na-a. Ia ser mais gostoso ainda. Quanto mais normas a ser violadas mais dedonildo ele fica. Estamos até vendo. Ia me chamar de aiatolazinha do Mahmoud, guerreiro comandante dum clã curdo célebre por ter comido o maior número de mulheres no século, bravo insopitável temente de Alá, pai de 241 filhos e filhas. De onde veio o insopitável? Foi exatamente por ter tamanha e insopitável prole que Mahmoud ousou enfrentar o império do Oeste, logrando vitórias espetaculares. Liderou uma série de revoltas que culminaram na insopitável derrocada dos sórdidos biguemaqueanos, que já se achavam os donos da cocada preta pelo resto… dos… tempos... Que belo jardim tem a Bárbara. Sempre quis ter um cheioderosastodocolorido. Mas como é que uma órfã vai querer ter um jardim, sua burra. Não teve mãe e pai, não sabe de onde veio, cresceu jogada dum lado a outro, virou prostituta pra não morrer de fome, matou um homem que te queria empalar com um… não gostamos nem de lembrar. Tua consciência é só matança, vive em estado permanente de guerra, persegue uma ordem que não pode existir, cabeça cheia de bizarrices, não sabe nem o que é melhor para você mesma, ainda delira em ter jardim, cretina. Mas esse podia ser o primeiro passo. Temos de dar o primeiro passo. Tudo tem um começo. Não tem? (O que é bom sim, o que é ruim não.) As coisas vão indo, não vão? Um pouco. Há nuvens em todo lugar menos no jardim da bárbara. Ele não gosta de discussões, diz que ficar pondo tudo em dúvida é coisa de anglossaxão, até o mesmo aquele cheque gordo que você deu à Bárbara? Vimos o canhoto, putadumagrana. Isso você não quer discutir. Não discuta nossas práticas, ordena. Que Porra é essa? Qualquer um diria nossos assuntos, nossas coisas, nossa vida, nossos hábitos, nossas manias, nossos negócios. Você não passa duma bostinha que tem preconceito até das palavras. É que soa tão… meio irreal. Parece que você está vivendo um personagem. Cada um de nós vive um personagem, diz. O que pode, não o que quer. Lá vem essa história de novo. Pra ele é fácil brincar de viver. Se tivesse sido obrigado a dar o Rabo para ter um teto ia ver com quantos Paus se faz um ganhapão. É o que os calhordas do computador chamam de diletante. Me chama de Diletantezinhofilhodumcorno. Diletantezinho quer dedar Cuzinho. Diletantezinho quer dedar Issinho, quer dedar Aquilinho. Só que não prova nada. Viver arbitrariamente é o único modo de ter controle sobre nós mesmos, sentencia o bocó. E eu que é somos cheia de idéias. Que quer dizer isso? Viver arbitrariamente é o único modo de ter controle sobre nós mesmos. Foder as outras arbitrariamente é que é o único modo de você ter controle sobre mim mesma. Come dez no rio come vinte em horrendussampa come trinta na suíte do caráleo, come em brasília em lisboa na suíça. E se acha revolucionário. Ameacei sonegar a menina, disse não manipule a coitada assim. Dá pra repetir? Peraí, a mente acha que estamos surda. Nossos ouvidos deliram. Dá pra repetir? Não manipule assim. Eu manipular a bichinha? Deusmeu, socorrei esta pobre pecadora. Nem aquele mineiro que nos alugou um apê em Sampa e me dava uma Puta duma mesada nos deixou tão furiosa. Quando vinha com os amigos todos bêbados e cheirados até que dava pra encarar, também curtia o forrobodó, aquela trempa de cães tarados fazendo fila para cobrir a fêmea no cio, enrabada por sete ao mesmo tempo, engolindo Porra que nem Quiçucobento, fazia até bem, não precisava nem jantar, todas as vitaminas proteínas aminoácidos que você precisa, segundo o mineirinho Bomderrola, curtia assistir dois dos amigos me Dedar a Buceta duma só vez, dois Pintos na Xoxota, plenitude, a Buceta é muito grande prum pinto só, Porra se pode dar passagem prum bebê nascer também pode receber dois, três pintos, é mas três já complica, fisicamente é meio complicado, dois fica um em cima outro embaixo, até viciei em tomar Porra, não podíamos passar sem, telefonava e lá vinha o mineirinho com seu bando, batiam Punheta em fila e eu ia dum num feito abelinha sugando o pólen dos estames rijos e carmesins que se inseriam até nossa garganta, sensação estéril de sufocamento, pedia pra me taparem as narinas, cada sugada uma aventura, uma desventura, as bizarras estripulias da potrinha desvairada, então me punham de pontacabeça, me viravam do avesso, me deixavam sem rumo, um dia o desgraçado me chega sozinho c’uns trocinhos numa valise, são dispositivos do amor, me faz deitar na cama e me gruda na pele uma dúzia de ventosas nos calcanhares, na testa, no peito igual a quando a gente faz eletrocardiograma, tira da valise um aparelhinho cheio de botões, conecta os tubos nele, liga o troço numa tomada elétrica, agora você vai ver o que é gozar de verdade, que coisa é essa? when it comes to sexo tem maluco disposto a tudo, aperta um botão e sentimos um leve choque, relaxo, um prurido me percorre o corpo a espinha do cócix à nuca, a eletricidade do amor, diz, ai que gostoso, agora a gente vai transar assim, você vai ver que bom, é melhor do que dar uns tapas antes, destrava a libido, a gente fica bicho, vai viciar em eletricidade, vai enfiar lâmpada no rabo para ver se acende, abelinha de bundinha iluminada voejando pela quitinete, me come nosso mineiro alentado, me morde nosso minotauro das alterosas, dá ao nosso corpo nosso quinhão de Esporra, que Merda de minotauro é essa? Deixa pra lá, só me come de repente zás, um raio paralisante me deixa confusa, ouço um berro na orelha, aaaaaaaaaaaaaaaa. Que esporrada. Isso é que é gozar, tua Buceta fechou em torno do nosso Pau como se fosse o grampo de deus, o punho da deusa, a deusa do orgasmo. Quase me mata. Atordoada, não consigo atinar as idéias, levamos vários minutos para me recompor, se fizer isso de novo te mato, te capo, te arranco as bolas, zááás outro, a mente acha que desmaio, quando as mãos dão por nós estamos virada de bruços, alguma coisa pontuda me cutucando o reto, espicaçando, querendo entrar no nosso intestino, me pomos a gritar zás consigo arrancar algumas ventosas, me livro, a eletricidade tinha me dado a força dum cavalo, agarramos o desgraçado na garganta, enfio as unhas com todo o ódio que podemos reunir, puxamos a mão para baixo com os dedos em forma de garras, as unhas vêm cheias de pele e sangue, levamos a mão para trás do corpo, tateio e empunho o que está enterrado no nosso rabo, um guarda-chuva, arrancouivandodedor, mineiro tenta me esmurrar mas antes acerto-lhe o saco c’um pontapé, dobra o corpo, quando torna a se levantar as mãos fecham os olhos e me lanço-me com o guarda-chuva apontado para seu rosto, reabro os olhos a ponta do tá fincada na boca dele, sentimos alívio, mesmo com aquela Porra na garganta ele grunhe feito um porco chia feito um rato braços abertos sem saber o que fazer, dou-lhe outro pontapé no saco mas não acusa o golpe, resfolega, empunho o cabo do guarda-chuva e as mãos dão um puxão, a Porra se desprende duma vez e caio de bunda no chão, mineiro tampa a boca com as duas mãos, começamos a gritar, me deixa ver o que houve, me deixa ver, ele abaixa os braços, arremesso o guarda-chuva contra o rosto dele na altura dos olhos, a ponta do guarda-chave se crava numa das cavidades oculares, cai, de costas, pulo por cima botando o peso do corpo sobre o guarda-chuva que penetra mais uns quinze centímetros crânio adentro.
Que dispositivo. A mente acha que se passaram algumas semanas antes que eu pudesse recuperar nosso estado normal.
O corpo fica dependente físico. Começamos a falar em processos. Processo da vida, processo da morte, processo da submissão feminina. Para com essa Porra de processo. Mas é o processo, que culpa temos disso? Outra coisa — não podemos ver nada que tenha cabo — com algumas exceções. Se virei ninfomaníaca? Já era e não sabia. Vivo suplicando o pinto dele. Está prestes a publicar seu livro. Dá um tempo. Mas é chupetinha sódoisminutos. Sem choque. Não admito que atrapalhe nosso trabalho. Seu livro fala de nós? Fala. O quê? Que você é uma doida viciada em Porra e eletrocussão. Bebe um vinho. Outro dia, sem querer, sem querer tá ouvindo, sem querer os olhos olham seu computador e tinha um email que falava em plágio, cópia, que o último livro que você publicou era um embuste, um tal de Giraldi. É verdade? Ué por que essa pergunta agora? Sabe de onde vem a grana que as mãos dão? Esse padrão de vida que leva? Não gostamos de biguemaquianofilia. Giraldi é da teoria de que a corrente elétrica se bem usada pode ser uma experiência interessante para restaurar nossa capacidade de prazer. Um, o cristal e o vinho é o mais saboroso dos casamentos. Por favor pare de me observar. Assim em volta da cabeça. Não gostamos que me olhem o rosto enquanto estamos sonhando que estamos gozando. Fica agônico não fica? Prazer demais desfigura a beleza humana. Não acredito que tenha feito isso — não teria coragem. Covarde. Ai. Estamos cruzando a fronteira.

continua em Ele voltou VII

Ele voltou V

continuação de Ele voltou IV

Um dos sentimentos que os severílsones mais gostam de cultivar, inconscientemente, os mais singelos, ou não, os sem-vergonhas, é o princípio do destino. Religiões e crenças e rezas e esperanças todas pressupõem que o futuro está determinado e que só nos resta ficar à espera dele. Mas há descontos. Por exemplo, para que se garanta um mínimo de magnanimidade ou para que os mais desesperados não se suicidem ante a ignomínia, podemos fazer algo por nós mesmos enquanto a vida, o dia, a noite, o tempo, o furacão esperam. Esse ínterim é nossa margem de manobra. É como se dissessem, está tudo decidido mas seja feliz enquanto isso, finja que não sabe, que não é com você, o fato de que tua hora e teu lugar já estão marcados não te impede de lutar pelo “avanço”. Enquanto o destino não chega, cabe-nos, dependendo da personalidade de cada um, relaxar viajar trepar cheirar roubar gozar sofrer, se a vítima for das mais ardorosas em termos de religião, tomando de barato que esta Merda é um pré-estágio do paraíso. Uóxito. Somos os mecânicos de deus. Esse tipo de gente — nunca conhecemos alguém que de alguma forma não fosse determinista — não tolera a incerteza. E a incerteza é a única constante de nossa vida. Cada gota de suor que derramamos é para fugir dela. Cada um dos nossos pensamentos, cada uma das nossas emoções, cada um dos nossos horizontes, Uóxito, está baseado na luta para suprimi-la. À medida que crescemos e tomamos pé das coisas e dos aldaílsones que nos cercam, eliminamos seletivamente todos os caminhos que, sabe-se no fundo, somos capazes de seguir mas que logo concluímos que não nos interessam porque aonde vão nos levar é um enigma. E quando chegamos à idade adulta, ao nível de consciência que chamamos maturidade, não podemos mais optar.

continua em Ele voltou VI

Ele voltou IV

continuação de Ele voltou III

O telefone toca. Perguntam se aqui mora o filho do Roberto.
— Ele mesmo.
— Ele quem?
— Filho do Roberto.
— Como vai?
— Quem está falando?
— Um amigo. Do Roberto.
— Papai não tinha amigo.
— Tinha, sim. Você que não sabia.
— Que o senhor quer?
— Pouco antes de morrer seu pai me pediu que lhe telefonasse para explicar algumas coisas.
— Eram amigos desde quando? De qualquer jeito, não estamos interessado.
— Ele me incumbiu de dar este telefonema. E não éramos amigos. Éramos algo mais.
— Como assim? Tinham um caso?
— Não, não. Nada disso.
— Ele contratou o senhor?
— Bem… pode-se dizer que sim.
— Agente literário?
— Sim. Mas não a trabalho.
Papai nunca saía de casa, quando saía nunca saía da nossa rua, quando saía nunca saía da nossa cidade. Não falava do que não conhecia, ao contrário da maioria dos gerílsones. Affelandrepublik, por exemplo, dizia. Essa gente dá muito palpite, se irritava. Vida isso, mundo aquilo, ser humano isso, deus aquilo, alma assim-assada, cães ladram à noite porque têm espírito guardião, caralhoaquatro. Boquirrotos precisam se assegurar de que todas as ilusões que lhes passam pela cabeça não são sinal de loucura. Somos mijadores mentais, ciclicamente marcando nossos perímetros internos com pensamentozinhos familiares para afastar e reprimir delírios que ameaçam invadir nossa lucidez. Precisamos permanentemente ser senhores das nossas próprias faculdades, o que é impossível, ao contrário do que a maioria pensa. Papo de psicanalha, que foi o que aprendemos com a idade. O tempo todo estamos identificando e catalogando e classificando e rotulando o que se passa dentro de nós, arrumamos tudo bonitinho em prateleiras fantasiosas, tudo sob controle, cada ideazinha em seu devido escaninho, saudade, onde está a saudade mesmo? aqui, saudade dos primos e da casa na praia, um chega pra lá dor, que aqui é só a saudade. Se você soubesse que é saudade não aguentaria. Hoje com o computador tudo é bem mais maneiro, entre na internet e digite www.pai.com e está tudo ali, todos os seus amores e suas dores, as mais recônditas lembranças que ele podia guardar, o primeiro olhar apaixonado que dirigiu a uma mulher. Tudo a mesma bosta, exegetas píos maníacos informáticos espíritas. Colocamos nossas dúvidas no papel ou em pratos limpos ou nas estrelas e xibum, o milagre se faz. Nisso os intelectuais são os piores, pois têm mais recursos e maior raio de ação, mais poder de concretizar as sandices que engendram, estão mais próximos do poder real que, ao contrário do que todos pensamos, não é a grana e sim a prerrogativa de alcançar além das certezas que a lida cotidiana nos impõe, e por isso mesmo são os mais perigosos, os que maiores tragédias infligem sobre o resto de nós, sempre foi assim, somos todos obrigados a olhar o mundo com os olhos deles, tudo gira em torno deles, todos têm inveja deles porque ditam nossos rumos, os demais, devotos do sobrenatural que acham que devemos todos nos render ao desconhecido, esses são pateticamente fracos e fora, claro, artistas, ou melhor, o artista, o genuíno, aquele que realmente tem uma alma que sabe ser sua conexão com a imponderabilidade da vida através da qual escuta as vozes que lhe ensinam sentir ouvir olhar descrever falar com o filho, tesoro mio, os italianos têm a mais bela forma de chamar seus bebês, ascolti a quello che devono dire, se quer reduzir tudo a essa comunhão primária que desenvolvemos hoje com os prazeres carnais em nossa cultura biguemaquiana, tudo bem, a maioria não aspira a outra coisa, nos saciamos de lixo para matar o espírito, eis o que fazemos, matamos o espírito.
— Foi ele quem lhe deu nosso telefone?
— Não, ele não tinha seu número.

continua em Ele Voltou V

Para ninguém

Enquanto amanhã não chega
Não terei demolições a fazer
E as velas da minha infância não terão se apagado
Não continuarei
Nem serei chamado do que não sou. (Quando é que vão tomar cuidado com as palavras, santa mãe?)
Enquanto meu braço direito pende lasso
Enquanto minha mão treme irriquieta
Eles esperam o golpe da marreta de cujo peso aprenderam a depender

Para Franz

Tudo que todos prezam e cobiçam me é assustador – a previsibilidade, o duradouro, a constância, a disciplina, o sacrifício
O eterno e todo o resto é tão imenso. Impossível de lidar por um serzinho ínfimo e frágil
O mundo por demais perdura
Um minuto se arrasta agonicamente até o que quer que seja razoável
O efêmero persiste mais do que é possível suportar
A vida se faz de pilhas de instantes que, juntos, não completam seu todo
O tempo, e seu transcurso, exige uma integridade que só existe na fantasia dos sonhadores
A vida ensina a medonha lição de que o deleite deve acabar prematuramente
Sendo tanto mais sem cura
Quanto mais ou menos dura

Ímã

Que literatura há em tamborilar relutantes os dedinhos em permanente sofreguidão frustrada?
Que é literatura afinal? Serve para alguma coisa? Você aí, que podia estar fazendo algo mais proveitoso e no entanto perde seu precioso tempo lendo estas bobagens que perpetro, você aí, diga: para que serve a literatura? Não, você não leu errado, não. Tenho a pachorra de perguntar. Repito: para que serve a literatura, afinal? Sabe a resposta? Então queira me dizer. Só não me venha com as teorias que lhe entucharam na escola. Até hoje não vejo motivo para acreditar no que me “ensinaram” aqueles fessores todos. Nenhum dos quais, diga-se, capaz de escrever sequer uma página literária digna do nome. E por que deveríamos acreditar neles? É óbvio que todo mestre de literatura vai dizer que a dita é sublime, enleva, revela, elucida, familiariza e asneiras que tais. Afinal é a profissão dele. Carinha não vai tirar o pão da própria boca. Escrever tem um quê de ridículo, é mister de impotentes, na verdade queríamos estar dirigindo o mundo, tomando as grandes decisões que governam a vida dos bilhões de vermezinhos que pululam por este miserável planeta. Pusilânime, incapaz de confessar sequer a si mesmo que é um fraco, o escritor queria é estar pilotando bólides de F1, fazendo os gols dos grandes campeonatos transmitidos pela tevê, a escritora queria estar na pele de Madonna seduzindo milhões, cobiçada, secretamente ou não, por hordas de marmanjos e tarados, mas nem é preciso ir tão longe.
Muitas vezes o escritor quer apenas ser outro. Quase que por razões de natureza, é um eterno descontente de si mesmo. Tem uma consciência aguda — pior, agudíssima — dos próprios defeitos. Se acha uma excrescência. Não tolera as próprias limitações. Não suporta sua mera humanidade. Por isso inventa e fantasia e mente. E, no processo, se deixa divagar sob os próprios sonhos. Desconta nos personagens que cria todas as pequenas neuroses que identifica em si. Sublima, na expressão freudiana. Mas por mais ou por melhor que sublime, o sistema da compensação nunca é, obviamente, bastante. Não se encaixa como devia. Resulta incompleto. Em certos casos, inventar um personagem que se aproxime de seu ideal, que realize pelo escritor, ou pelo poeta, todas suas taras ocultas, acaba gerando mais confusão para o pobre-diabo. Quando isso ocorre, quem paga o pato, claro, é o personagem. É aí que o autor prepotente, munido de seu poder divino de zoar com a vida de suas crias, deita e rola. Sente um prazer monstruosamente mesquinho de poder controlar o destino alheio. Não controlar tão-somente — mas controlar discricionariamente. O pobre personagem, inerme, impotente, pode morrer duma hora para outra sem ter a mínima chance de defesa. Tolhido pelo mais inverossímil dos acidentes ou acometido da mais improvável das doenças. Sem sequer saber por que está morrendo. Se o autor tiver um mínimo de competência, até pode engendrar uma desculpa razoavelmente aceitável para a extinção de seu outrora companheiro de viagem. Mas não é isso que vemos na maioria dos casos, é? Pois o poeta, ou escritor, quase sempre se revela um pequeno, um desprezível ditador.
Não que literatura tenha algo a ver com democracia. Literatura é elitista pela própria natureza. O literato abre a boca contando fazer com que o resto a feche.
E se nada tiver a dizer, o resto logo percebe. E logo passa a ser um “literato”.
O mundo está lotado de “literatos”.
É “literato” aquele que, entre outros pecados, pensa que o fazer literário se contenta cuma fieira de palavras cuspidas ao léu e à matroca e à tripa-forra.
O “literato” é um perigo.
O “literato” vem sempre pra confundir. Conquistar os incautos.
Percebeu há anos que a literatura sempre guarda em si algo de iconoclastia. Então se aventura a iconoclasta. Mas não sabe que a iconoclastia é apenas um dentre milhares e milhares de ingredientes literários.
O “literato” confunde literatura e programa de receitas de bolo na tevê.
O “literato” é, antes de tudo, um lamentável ser entre aspas.

Inestimável fiança

Goethe certa tarde recebeu o jovem Beethoven e ao fim da visita – absolutamente formal e hierárquica como soem ser ainda hoje as relações sociais entre os germânicos –, profetizou a seu amigo do peito Eckermann, “Esse rapaz tem futuro”, entre outras cavadas na sepultura da saga humana na Terra.
Fôdace Goethe e seu gênio iluminador que buscava a luz incansavelmente. Neste momento estou desrodopiando de volta à minha fase irracionalista e não tenho paciência nem espírito para coisas do intelecto. Meus ataques irracionalistas têm duração irregular, podendo variar de poucos dias a vários meses. E são, ó mãe, para mim uma dádiva, o truque a que, depois de décadas, aprendi a recorrer para me safar um tico do império da razão totalizadora.
Sabe quando é que logro vencer as investidas com que minha consciência tenta conter meu “coração”?
É quando completo algumas ligações a cobrar ao demônio que habita aqui dentro algures. Não, não sou um homem especial, não disponho dum diabo só meu. Sou igual a você.
C’uma diferença.
Fazer contato com meu demônio é meu êxtase estético. (E quanto mais íntimo, mais extático. Por vezes é por isso que vivo. É por isso que ainda resisto.)
É me conectando com Ele que consigo ser o Vingador Poético que no íntimo aspiro a ser. É então que enfim venço os que me infligem medonhos amores e me regalam com líricas dores. E me vingo. E gozo. E me fortaleço. E fico então indestrutível.
Pelo menos até a próxima brochada metafísica.
Lastimo do fundo da alma a falta de vocação para a matemática. São eles os sortudos que foram dispensados de lidar com o intratável. Com o intangível. Os afortunados que após cada avanço científico podem aquilatar seu estado atual em relação ao anterior. Para eles – e seus bilhões de beneficiários –, o progresso não deixa dúvidas.
Os de índole matemática mantêm incontornável vantagem sobre nós pascácios refratários às extravagâncias numéricas e aos desvarios abstracionistas. Podemos nos conformar, quando muito, com ser escritores frustrados pelejando a obter o improvável consolo de mentir a nós mesmos e aos que nos cercam que temos ao menos o dom da palavra, o que não vale meia pataca neste mundo miserável fadado ao extermínio, sob a benção de deus, erigido sob a luz das ciências exatas.
E, ó santo pai, os numerófilos são os que se destacam na classe e logo viram queridinhos da professora.
Tenho sido condescendente com os tolos. Como fui desde que passei a existir. Mas penso ter uma defesa: sou-o esperando que os tolos sejam condescendentes comigo. Como nunca foram.
Tenho algo a dizer que
por ora não consigo
esse tanto a dizer
vai morrer comigo
Muito, muito raramente a capacidade de dizer doçuras e delicadezas se alinha ao silêncio.
Mais frequentemente queremos é romper o mutismo com que assistimos ao desenrolar do mundo diante dos nossos olhos perplexos exatamente quando nos sentimos incapazes da delicadeza.
Quando queremos – ou precisamos – expressar um desconforto – ou dor.
Dor que, quanto mais doída, mais exige que a mostremos a alguém.
Posso, e preciso, sonhar com você
Mas quem pode garantir
Que o guardião dos meus
sonhos dorme comigo?

Ordem no dreeboonow !

Críticos são promulgadores por vocação e natureza.
Nascem para sentenciar. Se amarram no top-top-top rítmico e acalentador do bater de seus martelinhos, atrás daquele ar digno e professoral dos que sabem que o mundo não pode prescindir de autoridades.
Okay, há críticos e críticos.
Mas são raros os humildes, cientes da própria falibilidade.
Não perdoam o artista que erra. Mas dificilmente admitem que podem estar errados eles mesmos.
Os maiores defensores dos críticos são os críticos.
Em segundo lugar vêm os que os defendem por identificação, anseio por uma variedade de motivos, vocação castradora.
São os aspirantes a. Os que acham que quem cria merece uma bordoada na orelha pela desfaçatez em criar. Olha a bagunça, moleque!
De certo modo crítica é destruição. Quem sabe em paralelo com o que a criação tem de geradora de vida.
A simples análise dum autor, desmontando, desconstruindo, eviscerando sua obra é capaz de pôr a perder a arte criadora.
Quem tem dúvida, que leia o que Rilke diz sobre a crítica em Cartas a um jovem poeta.
Philip Roth dá a pá de cal:
“Escrevo ficção e dizem que é autobiografia, escrevo autobiografia e dizem que é ficção, portanto, visto que sou tapado e eles tão geniais, que decidam o que é e o que deixa de ser”.
Domaux babudo?

Você já notou como determinados escritores ao invés de escrever, redigem, como se seguissem um regulamento? Eu já.

Assoberbamento sintomático

Hoje estou nas nuvens. Recebi um elogio. O dedico aos que torcem o nariz pro meu lado. Obrigado. É prova de que estou no rumo certo como criador de bafafás, mesmo que pífios. A unanimidade etc. A menos que todos sejam unânimes em descer o porrete. Nada contra.
Vocês me conhecem. Sabem o que penso. Quem Quer Escrever (QQE) pra valer não deve recear uma sarrafada no meio das ideias. Ou, como Rilke preconizava, dar ouvidos à crítica. Não que sarrafada não doa. Dói. Dependendo de quem, pacas. Ou então resulta absolutamente indolor, também relativamente. Mas, uma, temos de engrossar a casca — quem sabe na próxima doa menos. Cinco, quem quer não ser chamado de escritor e sim se considerar um, sob seus próprios critérios e para seus próprios (maus, inconfessáveis) propósitos, tem de fazer um exercício diário: um, escrever, e escrever sem noção de pecado, pudor, decoro e o deboche do vizinho; vinte, fingir que não doeu. Se você for macho (explico: não falo de gênero nem macheza), as vergastadas frequentes ajudam a calejar o lombo. Que me perdoem os outros, e os miguéis sanches da vida, mas um QQE não escreve para eles. O público-alvo do QQE é ele mesmo. O tema do QQE é ele mesmo. A janela pela qual ele imagina vislumbrar o mundo é o olhar dele mesmo. E o conteúdo de sua escrita é a tradução que ele faz de sua dor. (Obviamente me refiro ao tipo específico de escrita que faço. Embora ache que Paulo Coelho também deva sofrer quando abre o extrato de suas contas refestelado diante de sua piscina térmica. Com o tempo aprendi comigo mesmo que não veria sentido em escrever não fosse Ela.) Os “outros” durante a sua escrita são miragens. Antiquíssimos Abantesmas Abstratos (AAA). Reconhecimento é consequência. Se você escreve poeticamente almejando a qualquer outra coisa que não seja lavar a sua roupa suja através da sua escrita, o resultado provavelmente não será nenhuma brastemp.
Ainda sob a meia-luz do retrorreferido, gostaria também de falar da minha experiência escrevendo na rede e do que acho de blogs em geral. Mas é uma interminável história e fica para outro post. Se alguém estiver disposto, acho que topo trocar umas visões impressionistas.
Quanto ao alvoroço em torno de manifestações legítimas ou não, queria lembrar que no chamado meio acadêmico também rola picaretagem, não raro da grossa. O que não falta é doutorando especializado em plágio.
Último mas não menor, com relação ao ofício de escrever, Roberto Piva em sua Autobiografia Selvagem cita John Cage: “Sou pela multiplicidade, a atenção dispersa e a descentralização, e portanto me situo do lado do anarquismo individualista”. Desconfio que isso tenha a ver com a supramencionada liberdade de um escritor escrever o que lhe der na telha. O resto é fôdasse.
Não quero ninguém atravessando meu gingado.
E, cá entre nós, pro público internáltico tá bom demais. Particularmente me dou ótimo com a moçada digital. Bem mais que (com) os vetustos voltados para as coisas da academia. Volto correndo sempre que ouso os ler. São severos além do razoável. Pra que levar os conceitos literários e as palavras tão a sério, oras? Os carinhas vivem exigindo respeito. Cuidado. Compostura. Caracas, que papo antiquado. Saiu de moda há séculos. Veja a molecada nas escolas: o professor que se atrever a querer impor disciplina leva logo umas voadoras na fuça. Mano, o resto é prosa. E prosa é papo da ditadura.
Os distintos não sacaram que internet não é museu onde eles vão entrando meio se cagando de medo de sujar o tapete ou esbarrar nos cristais do século 16. A galera tá mais a fim é de falar merda, botar os pezão na mesinha de centro, cuspir no carpete, trocar um lero. Moralista tá cum nada. Bloguismo é liberdade e democracia e cada um faz o que quiser e pronto. Esses puristas de merda deviam é procurar o que fazer. Veja o caso do Kant. O cara escreveu 5 mil páginas a vida toda só pra tentar reformar a metafísica através da epistemologia. Pode? E o tal de Proust, então? Levou a Recherche pro Gallimard e o Gallimard perguntou “Porra Marcel, 15 mil páginas só pra dizer que ama mamã? Num dava pra falar isso em duas frases sucintas? C’est TROP ALLÉGORIE POUR TROP PEU DE SAMBA!”

Via Matchstick Men

Tava meio entontalhado hoje à tarde e este é meu estado normal e já me acostumei.
Fui correndo prum petshop aqui perto onde tinha um vet conhecido mas a bodega fechou. Tive de ir na farmácia.
Pedi pra belezinha que me atendeu tirar minha pressão.
Adoro tirar pressão. Sei lá, me sinto importante.
Agora vaux no chópin que abriu aqui perto, adoro andar no chópin, tem galeto's, adoro o galeto's, o molhinho de cebola deles é duca, só que cobram 30 paus uma dose de uísque, então vou de ter levar umas doses de casa e encher a pança antes de entrar de olhos vidrados de sonho e sensação de onipotência.

Via Sergio Endrigo

Sil,
Será que se te desse um beijo, você se transformaria de novo na princesa que conheci?
Ou não é assim que as coisas funcionam no mundo “real”?
Correríamos o risco de nos transformar a nós dois em inesperados entes?
Não era assim que as coisas funcionavam entre nós?
Lembra a noite que te disse,
Por que é que, para me aproximar de você, tenho de me distanciar tanto de mim?
Eis-me novamente aqui às voltas com minha solidão.
E sempre que digo que estou às voltas com o que quer que seja, me lembro que meu mundo parou há tanto tempo, nem lembro quando.
Foi talvez numa época – que não sei bem se houve de fato – em que costumava dizer coisas como “era assim que as coisas funcionavam”.
Pareço recordar que naqueles tempos as coisas eram tangíveis e havia, sim, algo mágico nelas e no mundo e nas pessoas e tudo e todos funcionavam – ou a mim ao menos assim parecia – e eu não precisava recorrer à mágica nem a qualquer outro truque mental para que o meu girasse...
... nas voltas que meu mundo já não dá.
Você certamente dirá que exagero – o mundo de ninguém deixa de dar voltas.
E certamente acrescentará: estamos todos juntos neste planeta, afinal, e a ninguém é facultado o direito de se excluir da destinação humana.
E, pela enésima, ficarei mudo.
Pois não saberei o que responder.
Mas, aqui dentro de mim, continuarei certo de que não, meu mundo já não dá voltas.
E cada um de nós terá então provado ao outro sua visão.
Você, a de que a vida pertence aos pragmáticos.
Eu, a de que você está certa.
Mas o que eu queria provar mesmo é que não sei, nem quero saber, a diferença entre minha poesia e minha prosa.