Manda
Manda?
Sai uma pizza de poesia sem gelo com muita cebola.
Madame vai tomar o quê?
Tem Brahma Hemoglobina fresquinha?
Só tipo O.
Meio barril, s'il vous plaît.
Tô tão vampirinho hoje.
Pronto
De que flor você mais gosta?
Rosa, cravo, crisântemo, margarida, tulipa?
Não importa.
Imagine a mais bela, a mais delicada, a mais lírica, a mais suntuosa flor que você já viu.
Coloque-a num vaso.
Coloque o vaso na mesinha de centro da sala.
Encha o vaso com água sanitária.
Assista o espetáculo.
Você provavelmente entendeu a poesia.
Uma noite no planeta brilhante
Você aí!
Resfolegante!
Cerrando
os punhos!
Querendo
briga!
Querendo
vida!
Buscando
ar!
Provando
sangue!
Sim,
caralho!
Você aí!
Você
mesmo!
De
músculos retesados!
E aquele
infinito
Grito
engasgado
na
garganta!
Diga,
desgraçado!
Lendo as
postagens acima
Arrumadinhas
Comportadinhas
Bunitinhas
Enfeitadinhas
VOCÊ
ACHA QUE FOI PRA ISSO QUE NÓS POETAS FILHOS DUMA PUTA INVENTAMOS A LITERATURA?
Abre uma frestinha que seja, by God!
Um homem
De pai trabalhador
E mãe que, pouco antes do seu
parto,
Devia ter enxugado meia
Garrafa de 51.
Nasceu bêbado e realista
Mãos na massa
Cabeça nas nuvens, pés no chão
E, adulto, passou a crer no destino
É fácil dar tudo errado
Zanzar por essa vida
Sem pé nem cabeça
De mãos nos bolsos
Mais uma vez
Esta noite incontáveis sonhos se
unirão
Para formar o sonho dos sonhos
Amalgamando incontáveis
sonhadores
Num só sonhador
Que pela primeira vez na
travessia
Da espécie por este planeta
Não sonhará com o despertar
E pela primeira, e talvez única,
vez
Estarão do mesmo lado
Defendendo a mesma causa
Jogando no mesmo jogo seus
Embaralhados destinos
Crianças, velhos, negros,
amarelos
Budistas, evangélicos
Num sonho que só se dissipará
Quando todos acordarem
Não levo qualquer homem ou mulher para a cama
Sou (bem)
seletivo.
Não durmo –
nem nunca dormi – com qualquer um ou qualquer uma.
Homens,
quero-os de aparência frágil, do tipo que você sequer nota ao cruzar numa
calçada. Mas que têm esse dom quase sobrenatural de me conquistarem no mesmo
ato em que abrem a boca.
Mulheres,
prefiro-as misteriosas qual a miragem do amanhecer, nebulosas feito a essência
duma tarde que prenuncia a chuva, obscuras como a decadência da luz do sol,
pasmas, perplexas, perturbadas como a embriaguês inspirada duma anarquia
noturna.
Deitei com
mil homens e mil mulheres. Crianças e velhos, adolescentes e anciãs. Sou
absolutamente promíscuo.
Dormi com
senhores de terno e gravata com a voz íntima dum padre no confessionário e os
gestos estudados e discretos do diplomata profissional. Amei com brutos
selvagens a vociferar sedentos de vida, fiz amor com revoltados, bandidos,
atletas, paralíticos, atingi o gozo com negros tiranos, brancos vassalos,
nipônicos atordoados, árabes ocidentais.
Sonhei com
bonecas polvilhadas em talco perfumado, chorei no ombro de sacerdotisas ornadas
de andrajos, me aconcheguei no colo hospitaleiro de rústicas roceiras,
gargalhei com feministas, sorri baixinho com femininas donas-de-casa.
Por estes
dias e noites tenho deitado, entre outros, com Dostoiévski e seu O jogador,
com Camões e sua Lírica, com Juliano Garcia Pessanha e sua Certeza do
agora, com Anatol Rosenfeld e suas Letras e leituras e com Nietzsche
e Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral.
Certo,
nenhuma mulher, mas por nenhuma razão especial.
E você, que
homens e mulheres tem levado para a cama?
Eu tenho
levado milhares, milhões.
E nunca são
bastantes.
A metálica voz de Hal
Todo escritor
tem como ferramenta a linguagem
Isso
não quer dizer nada.
Não
é nem retórica, pois não empolga.
É
apenas mais uma manifestação dissimuladora.
Antes
de escrever, sinto.
Você,
antes de escrever, faz o quê?
Tudo
com você se reduz a política?
Vivo
tentado a te decifrar.
Que
cansativo.
Que
frustrante.
Nem
uma gota de sinceridade no que faz ou diz.
Todo
escritor tem como ferramenta a linguagem?
Me
fale de sentimentos.
Só
sei me guiar por sentimentos.
Se
quero te mandar 1000 fuck-offs, te mando.
Se
quero me derramar em mim aos teus olhos, me derramo.
Pudores?
Não os tenho.
Tá
a fim?
Promoção por 2 minutos.
Mensagem
inteligível
Quero
ero ro ooooooo o quê êêê????
Hal
não compreendeu deu eu uuuuu
Hal
é máquina, Hal não é máquina ina na aaaaa
Vai
ou não vai ai ai ai?
Fica
ou não fica ica ca aaaa?
Desce
do muro uro ro ooooo
Sou
poeta de pé no chão ão ooooo
Minha
imaginação é improdutiva.
Minha
produção é imaginativa.
Minha
língua é minha e de mais ninguém.
Alô?
testando. testando.
1, 2, 3
teste
teste
alô
olá
alguém aí?
testando
tá tão escuro aqui
olá
teste teste
um 2 três
que estranho
não pode ser
se não há bloqueio,
então...
sim
será?
já não sei de mais
nada
alô
teste
4,7,1
ai que frio
nossa, nunca
avancei além deste ponto
que medo, mãezinha
que tipos de
monstros guardarão estas trevas?
mau, muito mau
sinau
e se soltar um
daqueles meus gritos?
aaaaaaaaah!
nenhum eco
não
não pode ser
sem eco, sem fundo
sim
não
será...?
hmmm
já sei
será...?
só pode ser
não!
sim! já disse!
só pode
ai meu santo sako
é a senha
tem senha?
tudo tem senha
gente tem senha?
principalmente
alouuuu
oláááá
oí
abre-te
caralho
merda
bosta
essa geringonça
deve tá pifada
testando
olá
nada
tô acordado?
tô
oiiii
testando
1,2,3
4,5,mil
salva virgem santa,
salva meu brasil
there must be
something wrong
deve de ser o fim
do mundo
o fim
vai ser
assim
silêncio
frio
escuridão
Consciência incivilizada
Estou
bem aqui entre 9 e 10 desta manhã de 2a.-feira, bem aqui entre janeiro e março,
feito uma telefonista de 1950 tentando conectar os pinos machos das respostas às tomadas fêmeas das perguntas.
Meu
manual recomenda não tentar poesia assim tão cedo.
Pois
ainda durmo e quando durmo tenho gana de confessar.
E,
você sabe, confessar é uma imprudência.
Imprudente,
queria te fazer um navio a afundar no porto sobrecarregado de confissões.
Queria
te gritar um gemido deslumbrado de grasnos e ganidos, uivos e murmúrios.
Numa
língua tão pessoal, que te deixasse identificar uma manada de unicórnios,
grifos e mil bestas surreais dispostas a me acolher.
Sei
que existe em algum lugar aí dentro. Sei que está em um dos teus pensamentos.
Quando
o encontrares, farei finalmente parte. Por ora, vou tentando seguir em meu
bando de um.
Mas,
como disse, ainda durmo.
E
quando durmo, sonho.
Sonho
em fugir desta prisão dos homens desesperados. (Merda, isso não são horas para
sonhos tão triviais.)
Quando acordares, um bilhão de grilos mudos
sairão de suas tocas diurnas para salpicar a seda da minha noite.
Fora de sintonia
Tem essa professora monstruosa que no recreio nos une a todos de
mão em mão e nos arrasta a todos à irresistível ciranda que a partir de então
nunca mais será detida.
Há entidades
concretas qual concreto que se referem a todos nós como contribuintes,
associados, público, população e assim têm facilitada sua vontade de nos
humilhar e denegrir coletivamente.
Tenho dormido
absurdamente demais nos últimos tempos. Acordando de má vontade, abúlico,
assassino, apenas para checar se por um milagre recuperei aquela minha
revolucionária capacidade de pensar de que me lembro nostalgicamente da
adolescência e que resvala assim num segundo! de volta para o sarcófago onde
dormito minhas tardes fugazes.
Nos últimos meses
venho falando excessivamente de "coragem". E, mesmo anestesiado, este crepúsculo consegui me espreguiçar feito um urso marinho e me assombrar com
esse buzzword que nos últimos meses vem me assombrando sem maior utilidade.
Estou cheio de
pensar em coragem — não a tenho, não a quero, não a admiro. Assim, de enfiada,
assim, de goleada de gols contra.
O papel dos
grandes escritores é nos recolocar dentro dos limites da "nossa"
humanidade.
Por ter articulado
a oração acima, me rendo.
ME RENDO.
A memória reassume
meu comando e retorno à minha americaníssima zona de conforto.
O papel dos
grandes escritores é nos remover da nossa zona de conforto.
Ergo os braços.
George, fuzile-me. Não tenho escapatória.
escuto uma voz lúgubre, ameaçadora
Love me tender, love me sweet
never let me go
You have made my life complete
And I love you so
brrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
campainha do recreio
aproveite
dificilmente citarei elvis again
Love me tender, love me true
all my dreams fulfill
for my darling, I love you
and I always will
tenho a boca cheia de uísque assada do álcool
quero falar mas se falar vou borrifar o teclado
Love tender, love me dear
tell me you are mine
I'll be yours through all the years
till the end of time
Devia ter uns 8 anos quando
deixei de acreditar nessas canções pueris
foi um erro, hoje sei
não se pode perder toda a crença em tudo
nosso cérebro não comporta
inventei pra mim o mito de que podia ser eu mesmo a qualquer
custo
quebrei a cara
será que todos acabamos quebrando a cara cedo ou tarde por uma
razão ou outra?
parece que sim
quero me sentir tão exclusivo, um serzinho único entre os 7
bilhões de outros zumbis
mas sou assim infimozinho quanto um em 7 bilionésimos de caipiras
despreparados para a felicidade
you have made my life
complete and I love you so
Love me tender, love me true
all my dreams fulfill
que pena não saber falar senão pela poesia
a linguagem utilitarista, prática, pragmática me deixa exausto
tenho tão pouca coisa em comum com este mundo de lutas e batalhas
e desenvolvimento e progresso pessoal ou coletivo ou nacional ou patriótico
sou tão eu
não sei ser outro
a cada dia que passa vou esquecendo as palavras dessa língua
portuguesa e seus significados
Lançamento para dentro
Feito um rei mago odiando a
ideia de seguir a estrela
Preciso estudar a possibilidade
de enlouquecer
No cheiro do teu cabelo
Esfrega teu nariz, tua boca na
minha cara
Prometo, não quero ser famoso
nem ter milhares de fãs
Enquanto durar este vento que me
carrega daqui
Não me negue a chave desta porta
Tenho de ouvir o repique dos
sinos, o alarme das 10
Hoje, dia da correção, este é o
ponto das confluências
Veja quantas semelhanças podemos
notar aqui de cima
Quando morrer virarei inúmeras
estrelas
Estou farto de viver por
aproximação, computando prós e contras
Esta é a rua daquele dia, não é,
pai?
Você no hospital tirando o
apêndice, o médico escrevendo na prancheta
O quarto, uma aeronave com meio
milhão de ratazanas agrupadas para me imolar
Então você apontou e disse,
veja, naquela fábrica que trabalho
Só muitos anos depois fui
descobrir a palavra densa
E senti um aperto tão fundo no
peito
A estrada está deserta
Senti uma ventania estranha hoje
de novo.
Você já andou de trem?
Já ouviu a buzina dum navio
partindo?
Já ensurdeceu sob as turbinas
dum jato?
O desconhecido duma pergunta,
que risco poderá trazer?
Somos meros desconhecidos.
Sempre meros desconhecidos.
Vou nessa, meu recado tá dado.
Continuo me desconhecendo.
Cá pra nós.
Posso alegar que foi uma
bobagenzinha.
Não. Eu sei.
Por que não nos imaginar num
baile de máscaras, alheios à mútua
identidade, indiferentes à mútua
verdade um do outro?
Meu direito de defesa está
suspenso até segundo insight.
Acredita que dois dias haverão
de remediar a encrenca?
Não. O tempo parou no teu agora.
Vou aguardar.
Te conheço. Não, não me conheço.
Acredito.
Você tem seu mundo. Eu, em seu
mundo, não tenho o meu.
Veja, sempre sairei perdendo.
Não basta como consolo?
Gostoso como injeção de buscopan
Uma das
maiores desvantagens de não acreditar (ou “crer”, se você pende para o
sofisticado alienante) em deus é não poder dizer (ou “exclamar”, se você é dado
ao teatral) “Deus me livre!”, “Se deus quiser!”, “Deus tende piedade (de
mim, de você, dos eleitores de Lula) e por aí afora.
O descrente
(ou ímpio ou ateu) é mais infeliz que o crente (considerando que todos somos
infelizes em maior ou menor grau), pois parte do pressuposto (ó deus) de que é
antes de tudo um ser racional e, como tal, se acha imune aos efeitos das
crendices, sem levar em conta que seu ateísmo pode simplesmente ser uma crença
com os sinais invertidos.
Mas quem tá
mesmo num mato sem cachorro é o agnóstico.
O agnóstico,
dos três, é o mais pretensioso.
Se pretende,
dum lado, suficientemente ignorante e, como tal, não se pretende sabichão (com
perdão do joguinho de palavras acidental) e, do outro, esperto o bastante para
não cair na lorota de discutir o sexo dos anjos, a precedência do ovo ou da
galinha e outras causas perdidas da lógica.
O agnóstico
evita entrar no mérito. Como resultado, deixa a bola dividida para os dois
primeiros gêneros, o ateu eu eu e o créu éu éu.
Em sua
suposta isenção eivada de prudência, moderação e reconhecimento da fraqueza
humana, o agnóstico decara de clara, digo, declara de cara que não há lógica em
ser ilógico qual o irracionalista religioso nem em refutar o princípio de que,
antes de tudo, somos essencialmente ignorantes e, assim, incapazes de saber o
que somos e, sobretudo, o que pensamos exatamente.
Sei que este
meu arrazoado soa como um artefato tributário da embananação mistificante.
Mas, se você
ler direitinho, vai ver que tem a ver.
Você já viu
um pensador que escreva simples e claro ser reconhecido?
Pois é.
Eu, crentes,
ímpios, agnósticos: tudo a ver.
Eis que nasce a noite esplêndida
O mundo sem poesia seria bem melhor.
E melhor ainda sem poetas.
Sim, os poetas devem ser descartados, de preferência ANTES que comecem
a cometer as bobagens líricas de que tanto se orgulham e com que adoram dar uma
de gostosões encima dos não-poetas.
Algum cientista genial bem que podia inventar uma pílula antipoesia,
que seria ministrada pela mamãe do potencial vate quando este desse os
primeiros sinais de lirismo, tendência elegíacas, mania de remedar redondilhas
e outros males vaticinais do gênero.
Ou senão a Dilma podia instituir uma campanha "Já matou um poeta
hoje?" em que cada exterminador ganharia 4,99 real por cada infeliz metido
a trovador eliminado.
Ô raça de FDPs, esses poetas!
Ô bando de doentes, chegados num masoquismo ensebado, obcecados por
tudo que é doloroso e feio e sujo e maldito e nojento e o cacete.
Ah, se eu pego um, trucido na hora.
Chegou o dia 7 de agosto
Socorro.
Assim sem exclamação nem reticências.
É pedido que soa meio patético, eu sei. Que posso fazer? Estou
acostumada a ser patética. Acho mesmo que sou uma pateta.
Vivo indecisa sobre essa pulsão a abrir assim meu coraçãozinho
hiperaçucarado como se fora uma lata de sardinhas. Estou ciente de que pega mal
expor ao opróbrio público meus dilemas de teen balzaquiana.
Sei também que certos patrulheiros e vigilantes afetivos cujo
peito se partiu em mil pedacinhos de porcelana furta-cor nos embates amorosos lá
fora no mundo real inóspito estão de plantão à espera dum vacilo meu.
Sim, os mortos e feridos nas batalhas da vida em geral querem se
vingar de suas lancinantes dores em atendentes de balcão inocentes.
Sim, incontáveis olhões gulosos vigiam cada pingo que deixamos gotejar da garrafa de 51, Smirnoff, Old Eight e Cavalinho.
Sim, vivem eles em infatigável atividade digital, ávidos por uma
chance de fuçar um ou outro detalhezinho que conseguem arrancar de nossos conhecidos e parentes para depois trocar fofocas nos antrinhos do salão de pebolim e bilhar.
Em assim sendo, me pus a ponderar sobre os prós e contras dessa
angustiante questão e, após longos 3 segundos, concluí: fôdasse. Não posso mais
guardar para mim mesma esse padecimento que me corroi o pâncreas, o baço e um
dos tornozelos como se tivesse ingerido igualmente 3 pacotes de Racumim com a
sopa de feijão que meu dublê de escritor, amante e cliente me preparou hoje de
manhã, a qual sorvi, como é do meu feitio, cabisbaixa, conformada com a
desfortuna que me cabe na minha coleção entulhada de Paula Fernandes,
Sorriso Maroto, Thiaguinho e Empreguetes. O (inestimável) dr. G em que meu
lindinho me levou tem alertado incansavelmente a nós dois que engolir o
padecimento faz mal para as minhas mechas aloiradas e os cabelos agrisalhados
dele com suaves mechas irisadas e barba salpicada de farinha de trigo, sal,
açúcar, talco e cocaína.
Não, ele suplicou, não quero que enterrem minhas dores na curva da
avenida Goiás com a rua Alegre.
Na certa um dos referidos senhores irá apiedar-se de tão patético
farrapo humano, largando incontinenti o mouse ensebado de suor para socorrer
este juvenil casalzinho a zanzar aos choramingos eu) pelo salão fervilhando de
bebuns no boteco de papai, ele) pelos cantos hiper-voláteis da rede mundial de
solitários munidos de computadores.
Não vai arrancar pedaço, vai?
Não sei mais que fazer com um amigo que acabei descolando (não me
pergunte exatamente como; só o diabo saberia dar a resposta) em meus sombrios
caminhos e descaminhos tanto atrás do balcão quanto na amplidão do salão.
Quer dizer, não se trata propriamente dum namoro. Tudo que fazemos
é trocar um lero uma vez por semana. Só que, em sua cabecinha cheia de minhocas
siderais, o infeliz, ai de mim, delira que pertencemos um ao outro.
“Tudo bem” ele vive dizendo, “em vista do seu caso com seu pai e
esse outro sujeito aí, dificilmente seremos um do outro, mas me contento em
saber que sua alma à minha pertence e que seu músculo cardíaco bate chantili
quando pensa em mim!”
Cansei de explicar ao belo porém imprudente fofo que sou moça
comprometida, praticamente casada no altar sagrado do lar, que, depois de
aprender a escutar a Missa Segundo São Mateus de Bach sou a feliz portadora de
vistosa aliança em ouro 18 quilates no indicador da mão esquerda, que eu e meu
macho passamos 3 dias inteiros de cada semana na cama em movimento particular
pela nossa paz e de mais ninguém.
Debalde. O insensato simplesmente se recusa a aceitar os fatos. Já
lhe disse várias vezes, com toda diplomacia e cordura de que sou capaz (e,
olha, sei ser cordata quando preciso): “Benzinho,
a gostozinha aqui não nasceu pra princesa, não. Sou ruim. Muito. E mal-humorada
feito uma jaguatirica. E traiçoeira. Muito. E se ainda pouco fosse, o diabo me
agraciou com todos os defeitos imagináveis próprios da espécie, a saber: me fez
biscate, maledicente, desleal, fofoqueira, tratante, imoral e viciada em sexo.
E puxo uma erva aos sábados e domingos e nos dias de semana também, fumo quase
3 maços de Marlboro de manhã à noite e ainda acordo no meio da madruga pra
detonar mais uma meia dúzia, mastigo de boca aberta, só tomo banho quando papai
me leva em São Vicente uma vez por mês, arroto qual um mercedão de escapamento
aberto, peido fedido feito carniça, gasto metade do meu tempo livre (umas 15
horas/dia) vendo filme pornô. E,
entre outros mil defeitos mais, ando só de havaiana, abro o decote pros
velhinhos na rua, passo desodorante só no subaco esquerdo, detesto ler e execro
poesia. Acima de tudo, sou antissocial. As pessoas em geral – e algumas em
particular – me dão nos nervos ao ponto do genocídio. Se for poeta então, eu
quero é desmembrar e mandar pedacinho por pedacinho pra Academia Paulista das
Letras. Ô raça de viados desocupados. Vão tocar sua lira desafinada na
putaqueopariu!”
Não pensem que ante autodescrição com tal carga de honestidade meu
suposto novo amiguinho haveria de vociferar um belo boa-noite, igualmente com
pontos de exclamação e tudo, e nunca mais querer ouvir falar no meu nome. Ou
então me dispensar com um frio “OK,
fim de papo”, encerrando definitivamente qualquer contato comigo. Ou, no
mínimo, apagar meu número no cel dele para que eu não o importune mais com meus
recadinhos de mulherzinha ordinária. Qual o quê. Pois foi exatamente quando lhe
expus o tonel de pus que guardo no peito que o desgraçado desatou numa sangria
dos infernos, pondo-se a me torpedear com medonhas e disparatadas declarações
de amor como se lavasse sua alminha de anjo no confessionário do próprio
inferno!
O pior é quando menciono minha repulsa a qualquer coisa que
recenda, mesmo remotamente, a poesia. É então que o demônio degringola a
escarrar um diluviano, petropolitano caudal de versinhos de inefável feiúra,
mancos como se lhes faltassem vários pés de suas mil pernas de centopéia do
Hades, cacofônicos como se produzidos por uma superclaque hiper-excitada do
Xapolim Colorado.
Que suplício, meu pastor Juarez do templo na Augusto Ferreirinha
quase esquina com a Visconde! Mesmo estupefatos, sei que vocês haverão de
concordar: é ou não é pra deixar mesmo uma mina sensata feito eu torta das
ideias? Respondam sinceramente, é tudo que peço.
Bom, feito o desabafo (pelo qual lhe rogo humildes desculpas –
embora vocês haverão de convir que a lei divina está ao meu lado neste caso),
finalmente formalizo o pedido de socorro a que me referi lá em cima: sem querer
atrapalhar, suplico-lhes, tentem chamar à razão o supracitado adorador de
ídolos malsãos. Mostrem-lhe o que já está cristalinamente claro e que só um
serzinho enfeitiçado pelo mais fantasioso desvairio é incapaz de enxergar. Lhe
digam por a mais bê, soletrem com todas as letras, que não, eu não sou sua
namoradinha, eu não sou sua princesa, eu não o amo nem quero ou espero, pare,
em nome de sua própria lucidez, pare de me deixar bilhetinhos entupidos de
paixão debaixo da toalha da mesa 15, meu coraçãozinho amanteigado a outros
pertence, não sonhe mais comigo, me esqueça, faça de conta que nunca nos
falamos, procure uma mulher séria que possa lhe dar um futuro seguro e sólido e
confortável, ó homem suave e maduro e responsável pelo qual desperdiço minhas
noites de sono, não nasci pra ser feliz.
Elizabeta Lips
Okay, vou te contar
meu segredo.
Não, meu segredo não é ter um segredo.
Meu segredo não é não ter um segredo.
Trata-se dum segredo de fato, como os segredos
que existiam quando nasci, e de que nunca mais esqueci por ter mais ou menos
desconfiado, já então, que talvez nunca mais deparasse com segredos realmente
secretos em minha vida futura.
Mal desconfiava então que esquecer era o
monarca da vida e eu, seu lasso súdito, dali em diante sempre me
esqueceria que esquecer seria a mais tênue das minhas torturas.
Será que dá pra parar de me atormentar agora?
Ontem à noite pousei no
travesseiro a cabeça incandescente
preparado para a vigília
e espasmos dos meus cochilos
intranquilos
e o pesadelo que em meu pesadelo
me persegue de criança
mas surpreso já de manhã acordei
a madrugada venci? sem voz me
espantei
terei dormido toda a noite? num
sussurro perguntei
sempre soube que por detrás da
minha vida há engrenagens
que se enferrujaram quando nasci
e logo, sem esperança, fizeram o
que há em mim parar
Cada noite temos, eu e estas
minhas emperradas engrenagens, que no manto do escuro gemem em alarmantes
rangidos
estalidos
alaridos
um encontro marcado
não, não as vejo, e, sem sequer
um bocejo,
deito sem desejo
de viver, de morrer
ou de dormir
Seria então minha incógnita babá
quem me ninava à distância?
serão elas se movendo?
elas? mas a que me refiro?
ah, foi um sono tremendo
com sonhos belos e estupendos
esperançosos suspiros.
Droga
Queria
fazer um inventário dos meus sentimentos.
Imitando
Horacio Salas assim:
Como
no sé vivir y ya no encuentro cómodo llorar cada mañana, como no sé vivir
-insisto - mientras vivo y desvivo levanto el inventario de mis días.
Mas,
ao contrário de Horacio Salas, não valho um vintém como inventariante.
Nunca
inventariei nada salvo minhas frustrações.
(Mas, veja, inventariar suas
frustrações nada mais é que quedar imóvel a olhar uma parede branca enquanto se
engana que segue avante.)
Acho
que fiz uma descoberta: abúlicos não inventariam.
Pois
abúlicos sequer reagem.
Não
amam, odeiam, recusam ou querem.
Este
início de prosa poética parece promissor, eu sei.
Mas
não me interessa.
Não
quero ser poético.
Quero
ser abúlico.
É o que sei ser.
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