Como escrever bem e ainda ser feliz


Depois desse sábado e domingo, dois últimos dias, bebendo à la Ernst Hemingway, escrevendo à la Ernst Hemingway, pera lá, ninguém escreve como Ernst Hemingway, o mais injustiçado dos grandes do século prévio só porque ousou dizer que Fitzgerald tinha um Manuel da Costa Pinto pequeno, será Paris é uma festa o melhor, pergunto sem interrogação, e daí, pergunto sem interrogação, 67 por cento dos homens leva nada mais que uma amostra grátis no meio das pernas, não à toa mais ou menos 67% dos homens é mais mentiroso que cem por cento, Hemingway é um bálsamo depois de você derrapar no piso ensaboado da cozinha para cair de cara dentro do liquidificador do vanguardismo, professores, exegetas execram, lalari lalará, afinal iam ensinar e explicar what cara helena, oquêi, um ou dois truquezinhos marotos aqui, ali, quem não, pergunto sem interrogação, este meu querido blogue vai ficando cada dia menos repositório das grandes teorias filosóficas que venho acumulando dentro desta minha cachola sem miolos desde o dia que a bolsa de mamãe estourou depois da fracassada tentativa de aborto ao se dar conta de que estava grávida de 16 meses, ninguém acredita, não é piada, não à toa nasci, nasci lendo as palavras daquele francês caolho manco que forçava Beauvoir a trai-lo com suas próprias mulheres, frogs são de lascar, excesso de civilização, bato o pé, As palavras é o melhor, tem gente aqui em casa torce o naso, prefere A náusea, automistificação, autoexaltação, embromação, quem, pergunto com interrogação, aquele?, Sontag matou a charada, autobiografia dum homem famoso quando criança, dizer que intelectual é vaidoso, o maior pleonasmo que você pode cometer, banana é o intelectual falso-modesto, Retrato do artista quando jovem o melhor de Joyce, Dubliners sublime, mania de procurar chifre na cabeça do bentinho.
Só não é escritor hoje quem não quer, quem não pode e quem não é. Abundam na rede sítios e fóruns literários que dão tudo mastigadinho para a saborosa leitora começar a imitar susans, simones, bom dia, tristeza. Conheço-os em inglês, não sei se os há nesta nossa oblíqua língua que nos oprime a todos ricos, pobres, pretos, brancos, desenvolvimentistas, passadistas, honestos, peetistas, os há, não me interessa, quem haveria de me ensinar, coisa na vida há que não se ensina, coisa há na vida que não se aprende.
Não canso, não canso de me deliciar com aquele povo que vive entre o Canadá, o México, a costa do Pacífico, a costa do Atlântico, a suave, a saneadora, a caleidoscopicamente assombrosa capacidade de pragmatismo. Aqui, candidatos a candidatos ao Nobel que conheço não deixam por menos, querem obrar o romance do século, humilhar os vizinhos, entrar para a academia geriátrica de letras, dar uma banana para os parentes que nunca apostaram um centavo na anta, mostrar com quantos paus. Os sites dos gringos ensinam tintim por tintim como começar no caminho suave, estou vendo aqui um método que eles chamam snowflaking, assim.
Você começa escrevendo uma frase que resuma seu enredo, depois vai acrescendo detalhes, detalhes, detalhes, até acabar seu romance. Simples.
Outro dia uma, ã, moça com quem esbarrei de leve numa rua do centro virou pra mim e tascou na bucha: você me ensina a escrever? Oquêi,  respondi, aqui vai o método snowflaking de escrevedura instantânea, chupado diretamente dum dos retro-mencionados sítios e traduzido pelo Google.
passo 1:
Escreva um sumário de uma frase de sua história.
Exemplo:
Distante e surrealista terra habitada por povinho esquizofrênico governado por reizinho incrivelmente cego e surdo ─ e falastrão que nem ele só. O gabinete do reizinho é composto por 40 príncipes do mal.
passo 2:
Expanda a sentença até obter uma descrição com
1) a instalação da história
(bem, o Google traduziu setup por instalação ─ tá dentro da média duns tradutores humanos que conheço)
Exemplo:
A trama é ambientada num dos palácios do reizinho, situado na fria e encarapitada capital daquela terra. Se você acha que uma cidade não pode ser encarapitada, esta pode, podes crer.
2) grandes tragédias que ocorrem no romance
Exemplos:
a) a própria coroação do reizinho
b) o plano de erradicação da pobreza implantado pelo rapaz. Os príncipes do mal roubam todo o povo, que é exterminado, erradicando-se assim a pobreza
c) sempre que o reizinho abre a bocarra, é aquela tragédia
3) o final do livro
Exemplo:
Aquela distante e surrealista terra afunda planeta adentro não se sabe como, ficando no lugar um buracão escuro de onde exala uma fumaça fedida
passo 3:
Escreva uma página resumindo cada personagem, detalhando:
1) nome do personagem
Exemplo:
(Bom, o povo daquela terra é pródigo em nomes, seria supérfluo exemplificar aqui)
2) uma frase sobre a trama do personagem
Exemplo:
Ressentimento desmedido, cobiça desmedida, arrogância desmedida, milhagem desmedida
3) motivação do personagem
Exemplo:
O reizinho só pensa numa coisa na vida: destruir o reizão que governou antes dele e provar que é melhor do que todos os reis que já passaram por aquela distante e surrealista terra
4) o objetivo do personagem
Exemplo:
Levado por profundérrimo sentimento de humilhação por ter a rainha sua mãe nascido sem cetro cravejado de brilhantes, manto de seda da Índia e coroa com o maior diamante do mundo, o reizinho só quer saber de meter a mão na grana do povo até tornar-se o reizinho mais reizudo daquela distante e surrealista terra e de todas as demais terras surreais por esse mundão afora
5) conflito do personagem
Exemplo:
O reizinho não sabe em qual tamborete sentar no bar que mandou fazer no avião real, por isso nunca sai do avião, tentando decidir.
6) epifania do personagem (o que ele/ela aprende) (Hã?)
Exemplo:
O reizinho, com o tempo e a experiência no poder, encastelado no suntuoso palácio e sentado no trono em seu aviãozão supimpão onde nunca vê nem escuta porra nenhuma, aprende que, sim, é a maior moleza.
passo 4:
Expanda cada frase de seu parágrafo-sumário em um parágrafo pleno. Todos os parágrafos exceto o último devem terminar com algum tipo de tragédia. O fim do livro deve ser contado no parágrafo final.
Exemplo:
E assim todos foram felizes para sempre. Com o plano de erradicação da pobreza, o povão acabou, parando de torrar a paciência do reizinho, dos príncipes do mal e dos servidores públicos nababos. Os magnatas amigos do reizinho encheram ainda mais seus cofrões, que já eram abarrotados a mais não poder, compraram mansões ainda maiores em Miami, com iatões de 4 km de comprimento por 3 de largura e aeronavezonas de trocentos trilhões de dólares. Os filósofos mudos que eram a favor do reizinho escreveram mil livrões explicando os males da humanidade e as mazelas do mundo e deram trocentas palestras em escolas e sindicatos contra as elites que nunca deixavam o reizinho em paz, tadinho. Os príncipes do mal ficaram todos triliardários, depositando sua imensérrima, pretérrima, escalafobetiquérrima fortuna numa terra vizinha daquela distante e surrealista terra chamada Paraíso Fiscal. E o filhote do reizinho, reizinho jr., ganhou do papaizinho um canal de tevê e uma telefônikca pra brincar de tycoon-fenômeno, experto na intrincada arte dos negócios sérios e honestos.
Bom, moçada, resumindo em suma é isso. Como podem ver, simples como surrupiar as suadas economias que as classes médias brasileiras conseguiram juntar depois de 30 anos. Não sei por que não temos no Berção um escritor em cada esquina. O que não está em falta por aqui é enredo, motivação e tragédia. Oquêi, eu tinha jurado que pelo menos até amanhã não ia lançar diatribes sorumbáticas contra o reizinho. Não adianta, anda meio obsessivo, só matando passa. (Epa, acho que acabo de dar uma ideia errada aos príncipes do mal.) Tem hora vejo uns sujeitos esquisitos rondando as cercanias, dobrando a esquina, assobiando o hino da 4a. internacional, sei não, acho que já estou predestinado. Mamãe, se eu sumir, tudo bem, chama o Caetano. O Chico não, pelamordedeus. Mulher gosta mesmo é de rola grande, comprida, como dizem nossos brothers do norte. Se a tua diz que tamanho não é documento, que o que importa é o amor, ela pegou a mania mitômana do reizinho, vai por mim.

No more fuckin' confissões

Tirei as datas, this is no fucking confissão.
De hoje em diante tudo que escrevo passa a ser universal, atemporal, au-au-au-au. Quitéria, nossa empregada pernambucana de Catende com quem tive minha iniciação filosófica, costumava dizer que datas datam. Por que obsoletizar deliberadamente esta obra-prima que lapido tão cioso e lapido dia após dia? seguramente perguntaria Quitéria se ainda morasse naquele armário velho que papai reservou para ela no quartinho de despejo. Juninho e Chiquinha certamente vão deixar de ler se virem que a macarronada al sugo supostamente recém-saída do fogão é lavagem amanhecida. Tenho dentro de minh'alma informação crítica a passar a meus conterrâneos e às minhas contemporâneas.
Eia! livremo-nos do peso insuportável com que o tempo insidioso tenta imobilizar o suave mas bipolarmente transtornado vaivém que nos diverte e trai a nós internautas enredados. Por que impor a ti por quem os protocolos de comunicação pulsam incansáveis em cada disco rígido do planetinha o passo trôpego com que as datas marcam o ritmo insondável do tempo? 
Todo mundo e seu mecânico tem uma confissão, não posso me misturar à escumalha cibernética. Ainda há 2 minutos eram 52 bilhões de confidentes e lá vão gigahertz. O número deles só é menor do que o dos que confessam nos porões das delegacias de “subúrbio”.
Hoje em dia cachorro faz confissões, papagaio faz confissões, bebês de três anos fazem confissões. (Mas políticos não fazem  confissões.). Todas absolutamente idênticas. Galáxias de terabytes de soporíferos detalhes enriquecidos sob léxico de meia dúzia de palavras cada qual descrevendo experienciazinhas dignas da lata do lixo, pontificações assépticas infecciosas prenhas de opinionetas inanes que “autores” pensam ter sobre cada assunto mortiferamente enfadonho deste mundo, Mariazinha arrebatada arrancando cabelos para juntar atarantada letrinhas em mixórdia, formando ideiazinhas toscas eletroletárgicas em desastrosas rimas acidentais.
O zé-ninguém finalmente ganhou as luzes da ribalta. Os Três Estetas Reich, Ortega & Gasset torceriam seus narizes. Todos acreditam ter algo importante a dizer sobre a nossa jornada de Sísifo através deste vale das almas condenadas. Cada qual quer meter a colher no angu e deixar para a posteridade suas impressões particulares sobre sexo, amizade, amor, moda, homossexualismo, bolo de fubá, governo, drogas, Bush e Nietzsche.
Caiu na rede é informação. Só que não há público para a pletora de pequenos escritores em vias de desatar o nó que lhes represava o, hoje sabem, irrefreável potencial criador.
Não há como elevar a cabeça acima desse oceano de subliteratura edípica que se espalha nas dobras dos novos enigmas digitais. No fim você tem de desistir e retornar em passinhos miúdos aos craques da escrita tradicional de reputação firmada e competência garantida.
Quando alguém inspirado tem uma idéia de fato original e a aplica na rede, em algumas poucas horas a coisa já perdeu o frescor sob enxurrada coalhada de cópias e pastiches. Neguinho tem de garimpar pra valer pra achar um ou outro texto digno de nota.
Se escrevessem menos e lessem mais os sujeitos que têm de fato algo a dizer como Vargas Llosa, os neoconfidentes cibernéticos no mínimo aprenderiam que antes de ensinar precisam aprender. Vale a pena ler Llosa e seus alertas contra a “banalização da cultura” e o receio de que “seria uma tragédia que a cultura acabe em puro entretenimento”. Pena que pensadores como ele sejam tão raros em meio à leva desses gurus que vivem antenados em cada lançamento da Apple e em cada evolução do FaceBook, eternamente deslumbrados com a mais recente tecnologia a que idolatram qual uma deusa pagã nos cadernos de informática dos jornais. Entre outras grandes sacadas, Llosa lamenta que a rapidez da disseminação da informação nesta nova sociedade limita a profundidade de pensamento das pessoas e que a indústria do entretenimento produz uma cultura de “banalização, frivolização e superficialidade”.
E, digo eu, a profundidade de todo o resto, inclusive os relacionamentos.
Mas como jamais deixarei minha vocação de franco-atirador irracionalista, devo acrescentar que nem tudo é dor na assunção do zé-ninguém confidente metido a Stendhal.
A bastardização dos meios de publicação está dando uma baita chacoalhada na imprensona. De minha humílima parte espero que o chacoalhão mastodôntico derrube de vez as vetustas carcaças jornalísticas que se arrastam modorrentas desde o século XIX. Oui, ainda está longe a hecatombe dos jornalões oligárquicos e das revistas “informativas” de olhões gordos nas inexauríveis tetonas flácidas obscenas do governo. Hélas, não estarei aqui pra ver. Que chegará, é previsível como clicar o link dum blog qualquer no Google e ver que já era faz tempo. Pena que então não haverá mais água salubre pra botar no uísque nem ar limpo pra respirar. Isso é de somenos, porém. O homem sempre acaba por se habituar ao padecimento intolerável.





Definições indefinidas


Staccato
Dor em metade do crânio, paralisia de um só lado do corpo e vômito com sangue: Ninguém ama um irracionalista. 

Pienso en un tigre

Chegou a hora
Quantas vezes você viu a chegada da hora em sua vida?
Nem uma, suponho.
Nem uma, estimo.
Nem uma. Rogo.

Mas chegou a hora, porra.
E quando a hora chega, acabou.

Isto aqui não é uma soap opera,
uma comédia de costumes,
um fado tropical.

Pois chegou a hora em que devo encarar as gaivotas que voam pra longe na parede de acrílico do meu box.

Pois as gaivotas na parede de acrílico do meu box voam pra longe e tudo que voa pra longe em minha vida me deixa melancólico e me dá vontade de virar poeta e levitar destes meus cem kg que fui condenado a carregar pra cima e pra baixo sem saber exatamente pra quê.


Pois é lá pra onde as gaivotas na parede de acrílico do meu box voam que quero estar.


Pois é lá que um arquiteto incumbido de reformar o mundo me chamará a um canto e, indiferente ao meu resfolegar de recém-chegado da infindável viagem da parede de acrílico do meu box até lá aonde vão as gaivotas da minha vida, me pedirá...


Cara, o novo mundo que precisamos só será possível se construído por um cara sem a mínina noção de engenharia.





Existirmos a que será que se destina?


Allegretto
Tem uns tunezinhos populares aí que mereciam interpretação dum cantor competente. Caetano rei dos baianos garimpou umas pepitas que me falam à alma, levando às vezes às lágrimas o brutamontes que carrego aqui e acolá oculto sob esta caparaça de delicadeza e flor. E.g., Shy Moon. Pero quando o cara solta aquele "glow thru de puóóóllution" a cantiga perde um pouco a graça. Nem o professor britânico logrou desentortar os versos vertidos pelo nariz. Escuto, fico wondering como soaria Ted Hughes declamando Gonçalves Dias. Até meu último dia de vida neste paraíso perdido vou defender que Nassau e seus vítreos olhos de turmalina devia ter botado os portugas pra correr.
Não carecia um tenor profissional cursado na escola de música da USP. Às vezes boto na vitrola do meu computador Yesterday de McCartney, cantado pelo unbelievable Plácido Domingos. A primeira vez que ouvi fiquei enojado. Overkill. A ingenuidade infantil dos Beatles vai pras picas, só fica o drama do oh i believe in yesterday, chega a doer um tico uma dor de verdade. Enojado, contive o ímpeto de apagar o arquivo. Às vezes ponho um trechinho, vou me acostumando aos poucos. É dureza, Plácido nasceu pra Wagner. Shy Moon cum intérprete decente seria uma obrinha-prima reconhecida como tal. Um que pelo menos limpasse os mortais, tiritantes vibratos que a vozinha de Caetano não consegue suprimir. Depois do modernismo cada um na sua, ocá. Legal é artista interpretar a própria obra.
Trilhos urbanos e Qualquer coisa são colossais. Não topo muito o tipinho de poeta de calculadora na mão encenado por Caetano. As polêmicas de araque que ele arma uma semana antes de lançar um disco são, no patois da nossa empregada Quitéria com quem aprendi linguística, execráveis. Cajuína, que compôs para o kamikaze Torquato Neto, que se matou qual todo poeta que se preze, é quase digna de João Cabral. No tête-à-tête com Chico, fico com o lulomalufista, vai entender, Chico devia ler Sérgio Buarque de Hollanda, cujos originais deve ter na estante da sala, e aprender umas coisinhas sobre os mecanismos que regem este nosso mundo à beira do colapso final. Vai entender. O filho de Serjão borrifou no manto da música pepitas em maior número que reluzem mais por mais tempo. Tropicália, acometida da chatice de todo manifesto, é do arraso.

Enfermidade cubista



Scherzo vivacissimo
Olhos, 15 graus centígrados
Costas, 120 quilos
Braço direito, 23 gramas
Esquerdo, 34 libras
Pés, 14 quilômetros

Peito, dor de cabeça
Joelhos, comichão
Nádegas, cansaço
Barriga, inchaço
Cabeça, vendavais nostálgicos
ciclones magoados
deslizamentos entediados
vulcões dolorosos
furacões em carne viva
calmarias mecânicas.







Parto fúnebre


Grand pause

O contato mais íntimo
e perturbador
que podes ter com outro não é
psíquico, anal ou umbilical

E sim pousar a mão
em seu peito
pressionar um dedo entre suas costelas
sentir que ali palpita um coração
miraculoso
que depende da tua vontade 

Ao meu maníaco preferido


Legato
Meu preclaro maníaco,
Vossa Maníaca Exa. tem me inspirado a tantas manias o dia todo todos os dias, que, olha, é finalmente chegada a hora de eu lhe dar algo em troca pelo menos para lhe agradecer por tamanho zelo por este pobre-diabo indigno de atenção.
Pois aí vai:
Por incrível que lhe possa parecer, eu também sou maníaco. Mais inacreditável ainda: algumas das minhas manias são até mesmo descabidas qual as suas.
Isso significa que todas as manias que Vossa Maníaca Maestria exibe aqui, ali e em toda parte já vi antes ou verei algures. O senhor sabe, o que não falta hoje em dia é fonte de informação.
Vejo que Vsa. Ma. tem milhares de amigos. Serão todos maníacos como eu e tu?
Considerando, por baixo, que Vsa. Ma. é tomado por, digamos, trinta manias por hora todo dia, todo santo dia, calcule aí, são no mínimo 720 manias exaladas para a atmosfera ou ventiladas entre as ruas ou descambadas por entre as calças dos homens e infiltradas por sob as saias e os vestidos das mulheres a cada 24 horas, à toa, nada mais que à toa, entulhando nosso já assoberbado planetinha do mais preterível e inútil dejavu. Uau, que imenso desperdício de neurastenias, não é mesmo?
O planeta tem hoje aproximadamente 7 bilhões de maníacos. Vsa. Ma. já imaginou se cada um deles resolvesse fazer autopromoção teen às custas dos amigos, colegas e/ou conhecidos?
Pare só um minuto e pense!
Já pensou? Hein?
Pois é. Entupiria a maníaca humanidade, não acha? Talvez adviesse o holocausto das neuroses não passíveis de terapia!
Meu maníaco mestre, mania não é brincadeira não. Nós maníamos sabêmo-lo bem, estejamos trabalhando, nos comunicando, trepando ou macerando finíssima literatura.
Veja o meu caso, por exemplo,
Muitas vezes ocorre que estou tentando lidar a contento cuma das minhas mais importantes manias mas sou obrigado a assistir mudo e agoniado até que seja manifestado todo o cabedal de manias de quem não tem mais o que fazer além de brincar de órfão literário. Como se já não bastassem os pequenos e infelizes candidatos a maníacos que nos infernizam a vida com suas taras sexo-distritais e seus porres de viagra e suas intermináveis viagens à Antártida e seus elixires para brochura!
Uns tempos atrás Bill Gates sugeriu que os governos talvez pudessem cobrar 1 dólar por cada mania expressada no planeta. Na época todos os homens de boa vontade rimos da ideia, achando que o cara tava era a fim de faturar mais algum em nossas pobres costas já tão esfoladas pelos políticos canalhas que nos "governam". Mas agora todavia a sugestão não parece tão desvairada ante os novos maníacos exibicionistas que vieram ao mundo para nos estressar a todos.
Olha, mestre, ando desconfiando que seu caso já não tem cura. Talvez o remédio seja uma boa terapia lacaniana à luz das teorias de paulo-coelho.
Vsa. Ma., rapaz inteligente, culto, educado, que cuida de tantos assuntos em seu dia-a-dia de intelectual bem-informado, quem sabe não é hora de cuidar do que de fato importa?
Olha, vou até lhe fazer uma concessão: pode distribuir este texto enquanto é atacado por uma de suas incansáveis manias. Não cobro royalties, não. Se quiser me indicar pr'uma entrevista no programa do Jô Soares para falar de novas técnicas de comixões maníacas cibernéticas, não se avexe nem peje ─ sou seu humílimo criado.



Hei de ir cedo


Fico tentando me responder um montão de coisas que fico me perguntando. Aquelas coisas que só eu sou capaz de me perguntar, me pergunto, cada frase que escrevo, como deve ficar em alemão, françois, italien, pound, ezra, preconizava, leia o poema em voz alta para sacar o ritmo e a sonoridade antes de aprender o significado das palavras, estudou 15 idiomas esdrúxulos só pra ler poesia no original, que sei eu, às vezes me pergunto quanto que intelectual faz por pura obsessão é infrutífero, os field brothers macaquearam, larilá-lirali, me pergunto por que a crítica literária ocupa tamanho espaço nas cabecinhas vazias da molecada, é tudo tão demodê, wilde, o papel das classes baixas é ensinar ética às altas, frazões legais, desconfio que tudo vá acabar logo agora, inglês, já está bom pra quem é tão próximo do macaco, a garotada indigente que escuta essa "música" indigente beeeeerrrrandooo motherfuckeeeer!, matuto aquela Lista das Palavras Proibidas, pinga uma a uma lá dentro, formam estalactites, estalagmites na gruta oca, ribombadejante do meu crânio, não tenho mais medo de me perder ou perder o que tenho, preciso escrever o que for, não posso me preocupar por não "soar", ping, verdadeiro, não me sinto, quando não me sinto as palavras não acontecem, sou um logogigolô, estou deixando de viver minha vida para viver as delas, estava descendo a escada correndo, dei com ela entre o sexto e quinto andar, ri, desviei os olhos tímido, quis dizer algo, procurei o canto da parede tentando passar, ela me cercou, ergui os olhos meio espantado, ela riu zombando, espichou as sobrancelhas, esperando, com licença, pedi encabulado, por que a pressa, ela disse, pousou a mão direita no meu braço esquerdo, meu coraçãozinho enfermo de volúpia, despadaçado em mil amores solitários fez menção de juntar os caquinhos, vem comigo, ela agarrou meu braço, puxou, subindo a escada de volta para o sexto andar, entrou no apê ainda me rebocando inerme, fechou a porta, trancou, me largou se afastando uns passinhos para trás, deixou os braços alinhados ao longo do corpinho, quero dar pra você desde o primeiro dia que te vi, saiu assim num jato, me ocorreu, lariri-lirará, saramago de novo, aquela busca da correção definitiva, desde a primeira vez hoje, fiquei tentando escorraçar da cabeça a proposta, o único jeito era desdenhar da terra prometida, olhei em volta a sala, tevê, sofá, poltronas, estante cheia de porta-retratos, frasquinhos, caixinhas, potinhos, latinhas, no centro uma mesa de centro de tampo de vidro, na mesa uma bandeja indígena cuma penca de bananas, posso comer uma, pedi apontando, vou avançando aos poquinhos, tateando pela sala dela sem destino certo, na cabeça um plano secreto para mudar de vida, incluindo uma variedade de medidas, entre as quais reformular os conceitos que tão carinhosamente venho acalentando qual filhotinhos sugano pacientemente o leite amargo que lhes posso oferecer, de súbito, sem que haja uma razão palpável, os bichinhos virariam medonhas feras e sob meu comando desempatariam a luta a meu favor, bem como, bem como outras medidas, uma, que às vezes considero a mais importante, outras, a mais insignificante, começar a ganhar dinheiro, real money, como dizem os irmãos do norte em sua lucrativa sapiência, não a esmola que a maioria de nós consegue penosamente arrancar do mundo para não morrer à mingua, quando penso nessa medida, ganhar grana, em geral não desenvolvo a idéia, ao contrário da maioria dos seres humanos, não me ponho a delirar com as oportunidades que o dinheiro me abriria, viagens, mercedão pra estacionar em frente de casa, tacar a mão na buzina chamando a atenção dos vizinhos para que enfim vejam quem é o papai aqui, não sei por que, nunca chego nisso, me limito ao sonho de enriquecer, sem saber exatamente para que, não que condene os que vivem para faturar, que se afoguem na grana, não vou ser ingênuo pra começar pela milésima vez essa discussão, já que cheguei aqui, vou esticar o assunto mais um pouco, se ganhasse uma grana preta, não só viajaria o mundo todo, sairia correndo para comprar um porschão, também cobriria as paredes da sala da minha mansão com volpis, bandeiras, iberês, pancettis, goeldis, faria isso mesmo tendo certeza, cem por cento de certeza, de que mais dia menos dia ficaria de saco cheio, cheiérrimo de olhar aqueles troféus pecuniários, simplesmente botaria fogo na tralha, se minhas posses mo permitissem contrataria uma orquestra sinfônica para que a queima fosse executada ao som de royal fireworks music, que jorge I encomendou a händel para celebrar o tratado de aachen em 1748, e como jorge I deve ter feito várias vezes, sem mais nem menos bateria palmas no meio da execução, mandaria os músicos embora alegando dor de cabeça, se reis podem mandar händel ficar quieto, eu posso muito bem mandar volpi pegar suas bandeirinhas, pegar e fazer quermesse no inferno, dono de obra de arte tem o direito de destruí-la? Tem? Tem, tem sim, às vezes a música, mesmo meu dulcíssimo ludwig van, ludwig van, me dá dor de cabeça, tem muitas outras coisas que eu faria se rico, rico daqueles de escorrer ouro com o muco do nariz, a segunda ou terceira seria virar protestante, sempre quis, na infância tínhamos uns parentes distantes que nos visitavam muito esporadicamente, protestantes, nada a ver com esses evangélicos que hoje em dia vivem pra baixo/cima, bíblia debaixo do braço torrando o meu sacro saco, não, protestantes de verdade, não que, sendo tão criança, eu soubesse o que fosse um protestante, lembro de ter sacado imediatamente a serenidade, o bom-senso que pareciam exalar pelos poros, me faziam acreditar que o mundo não era o purgatório em que minha família visceralmente católica me fizera acreditar, tão logo me convertesse ao protestantismo fundaria uma entidade de combate à aids, enchendo ainda mais o rabo de grana, era nisso que eu pensava, perdidaço pela sala dela, quando não pude deixar de reparar naquela cigarreira na mesinha de canto num canto, olho para ela, mulher sóbria, lúcida, responsável, outros adjetivos esquizogenéticos mais, doidinha pra chifrar o maridinho-tadinho, mulher tem um prazer doentio em sacanear o marido, deve dar mais tesão na cama, a! a liberdade da promiscuidade animal prenha de promessas insondáveis, foder na mais pura acepção enquanto todos vão rumando no bom sentido, nenhum em sentido contrário, depois que eu der tchau ela vai se voltar, me olhar pelas costas, olha, só sei que precisa muita solidão pra chegar nesta idade neste estado, somos um cemitério de cadáveres ambulantes parlantes pensantes, pinoshit, me lanzaron de cabeza neste asilo de catatônicos, quac, há alguém vivo aqui? manja em volta, três ou quatro livrinhos de, quac, filosofia oriental, holística, falácia, medicina alternativa, feminismo, técnicas de ofurô, os males que o mequedonos, como é teu nome mesmo? cáspite, cibele, vamos dar umas risadas antes do ato em, ui, si, sendo que, ó mãe, a hors-concours, dieu, ela tem seios postiços, não posso crer nos meus dedos, ninguém diz seios, ninguém escreve seios, ninguém pensa seios, o colesterol mental vai me matando, esse mequetrefe silicônico aí, ninguém que se ache alguém diz seios, acorda capitão, sai dessa placenta fóssil, sacoleja o cérebro espantando esse estado letárgico de diletante em estado fetal de conforto, sakudindo o rabo, espanando o pó, tascando o pé, passa esse miolo pra segunda, acho que você não compreendeu, ela disse, tarde de domingo, sacumé, minha folga etílica, minha folga sexual, se você não me comer vou começar a gritar, ela ameaçou, coisa que não tolero é virago, mamãe fez um good job, tenho medo de mulher, pronto, é, sou foda, não meço meus atos, vou até onde for preciso, olha, sou anti-social, de repente me sinto desonerado, avanço até a janela, jogo a casca de banana, fico assistindo aterrisar na capota dum carro na rua, lembrei que tinha de ir ao cartório autenticar uma fotocópia, sou foda, quando quero ser mau, realmente mau, sai debaixo. 

J'e t'aime

Não, não me diga.
Que nosso computador é uma caixa que abriga serpentes peçonhentas.
Que nos atacarão se nos distraírmos um segundo enquanto sonhamos.

Este poema inaugura a nova era dos amantes cibern/éticos.
A partir deste instante estamos surdos aos batuques na vizinhança e cegos à iridiscência nas arestas da nuvens lá no alto.

Cabe a ti esperar o que decidires esperar.
(Mesmo um verso na morta língua que aprendemos ao nascer.)

Se fosses um ser cujas mãos eu pudesse empalmar,
Te daria ajuda e te pediria tua clemência,
Sabedor de que existimos no mesmo planeta.

Guardarei a rebeldia para o século 19.

Pela presente venho notificar que eu quero é praia, cerveja e buceta


Presto
Há três tipos de escritor.
O que escreve para os outros. O que escreve para alguém em particular. E o que escreve para si.
O primeirão da turma é o mais encontradiço. Soa burocrático já nas tenras letrinhas, em geral vertidas sob baldes de suor aí pelos 17, 18 anos. Subsequentemente as letrinhas ficam mais e mais desenvoltas no burocratismo à medida que o paisano ganha traquejo na arte de gingar para a galera. Quanto mais envelhece, mais o para-os-outros se enreda na própria teia que desde adolescente vem tecendo, sempre zeloso, responsável, comedido e outros adjetivos da pirâmide alimentar. O para-os-outros é antes de tudo um edificante. Craque em segurar a peteca, não dá ponto sem nó e muito raramente se arrisca a preterir frases ready-made para servir à mesa por alguma construção mais ousadinha que force sua legião de leitores de cabresto a tirar os neurônios do freezer.
Já para o leitor do para-os-outros fazer parte dum curral leitoral é o maior barato. É o vai-com-os-outros por excelência. Para ele não poderia ser de outra forma. Se não fosse com os outros iria com quem? Afinal todos precisamos ir com alguém, não é mesmo? ele se pergunta no íntimo, temeroso de ficar sozinho com sua própria sombra. Se não pudesse ir seria um infeliz. O barato está exatamente em fazer parte. Seu papo é ordem unida. Pensar, só na linha de montagem.
O leitor do para-os-outros tem queí médio, estatura média, aspirações medíocres, sonhos desbotados e conhecimentos, mais que gerais, genéricos. Associa literatura não com cultura e sim com entertainment. É leitor do para-os-outros porque nesta vida, ao contrário da física, os opostos se afastam. Quer antes de tudo distração. Inquietações do espírito são para doidos que, ele não sabe por que cargas d'água, resolveram não optar pela preguiça. O leitor do para-os-outros sabe que não se mexe em time que está ganhando.
O para-os-outros e seu leitor nasceram trocadilhescamente um para o outro e tudo que pedem ao diabo e ao bom deus é que possam morrer juntos. Para esse tipo de leitor, seu escritorzinho para-os-outros modelo universal bate um bolão e não precisa provar mais nada. É o robinho das letras.
Seu repertório de jogadas consiste de apenas um drible, a pedalada. Seu leitor sabe que, quando pega a bola, ele fatalmente recorre ao único recurso técnico de que dispõe. Mesmo assim, o leitor vibra. Torcedor não muito fanático, sempre escolhe um lugar discreto nas arquibancadas e não topa surpresas. Para ele, um garrincha das letras é fricoteiro demais. Só quer saber de fazer onda e se exibir, ao invés de ajudar o time. Um pelé só se preocupa com a formosura da jogada. Tudo bem, não vamos negar o talento do negão. Mas quem carrega o piano nas costas é a zaga, às vezes, quando muito, o meio-de-campo. Esses é que seguram o rojão. Por isso, o leitor espera do robinho das letras, sim-senhor, a manjadérrima e nem sempre eficiente pedalada. Nada melhor que antever o futuro. A, como é confortável o conhecido. Mas o adversário ─ no caso, a palavra ─, que, no jargão das mesas-redondas de domingo à noite, "não é bobo nem nada", entrou em campo pra disputar a bola, não pra servir de massa de manobra. Quando vê robinho avançar passando o pé sobre a bola num lance mecânico, previsível e bobo, dá um tocozinho na gorducha, tira de prima, rouba a redonda e lhe enfia a pelota por entre as canetas, arrematando cum garboso chapéu e pondo o para-os-outros na roda. Num instante o robinho literário perde o rumo. E resolve ficar quietinho na sua.
Os jornais fervilham de escritores para-os-outros. Na FSP tem o Cony, mestre do paraosoutrismo, que há trocentos anos vem conduzindo diligente seu rebanho de leitores amestrados pelas seguras veredas do equilíbrio e da compostura, protegendo-os de chuvas e trovoadas e afastando-os do bem e do mal. Cony é milagroso. Consegue escrever durante 50 anos sem que alguem sequer desconfie (d)o que ele pensa ou deixa de pensar sobre o que quer que seja. Cony não tem efeitos colaterais nem contraindicações. Você passa pelos textos dele e não acontece nada. Perfeitamente insípio e inodoro. Insosso qual uma boa bolota balofa de miolo de pão. Com um perfil desse tamanho, Cony acabou entrando para a academia geriátrica de letras. Como, larari, lalará, não poderia deixar de ser. Cony talvez merecesse até um título à parte ─ escritor banho-maria. Até aí todos os demais também são, não são?
A FSP abriga ainda a viúva daquele famoso jornalistão que foi capaz de orbitar em torno do poder por longas décadas ─ posição almejada por nove entre dez gajos que dedicam a carreira a buscar a "verdade jornalística" duela a quien duela. A madame provavelmente teria causos quentérrimos a relatar a seus pachorrentos leitores, afinal, através do finado maridão deve ter frequentado amiúde o círculo de pessoas que sabem o que horsy set significa. Mas porém se limita a deitar perorações sobre etiqueta e a lastimar o cabacinho perdido daquele Rio de Janeiro pré-transbordamento dos bárbaros que desceram dos morros só para encher a paciência de socialites enfastiadas sempre às voltas com suas crises de identidade. A retro-referida talvez fosse também digna dum título próprio ─ dondoca das letras.
Já o Estadão tem escritores para-os-outros em maior número e grau. Sendo um jornalão assumidamente liberal, ali a concorrência come solta e o pregão da bolsa é que interessa. Para gáudio de seus sisudos leitores, oferece desde escribas pródigos em expressõezinhas rameiras como "confesso que" e "na verdade", bonachões que são virtualmente incapazes de obrar uma única sentença original, passando por aquele rapaz que se instala em sua cadeira de rodas para perpetrar crônicas desinteressantíssimas, até Loyla Brandão, provavelmente o autor mais chato de que se tem notícia na moderna literatura ocidental e de quem, adolescente, me caiu nas mãos um livro chamado as cadeiras ou as poltronas que em meus delírios infantis li até a última gota só para provar a mim mesmo que era macho o bastante para tolerar o intolerável. Brandão teve ainda o tirocínio de dar a uma de suas "obras" o título de O verde violentou o muro, quiçá o título mais feio que alguém que se pensa escritor já cometeu em vida.


O hors-concours dos chatos do vestuto Estadão, porém, continua sendo Veríssimo. Sabendo escrever como poucos, mestre no quebra-cabeças desta nossa língua porreta, poderia ser um dos grandes se tivesse peito para largar o osso, deixando o cargo de criador-mor de piadinhas de papagaio e de ignorável sacro das estripulias do neoditador Lula.
Há três tipos de escritor. O que escreve para si, digo, para os outros é o que interessa. O resto é literatura. 





Tultedin


Rapsodia stretto

O Maurício, aquele professor do 157 que nunca conversava com ninguém, se matou. Quando volto à tarde vejo uma viatura do IML na porta do prédio. Quando descemos no térreo, digo ao Jovair, o porteiro, que tem alguma coisa podre no nosso andar. O elevador chega, entramos. Nesse momento, sinto.
Tem algo podre por aqui, a Neuza diz, também tapando o nariz.
Levanto o olhar pra ela e fungo experimentando e digo que não.
Não está sentindo esse fedor horrível, a Bete pergunta, tapando o nariz e o buço.
Digo oi, baixo os olhos, uma luz cor de gelo vem vindo dos vitrôs tentando me cegar. A Neuza e a Bete estão esperando o elevador. Desligo a tevê, jogo o controle no sofá, saio. Agora que ela disse que vai embora, quero.
Ela só fala em ipod, mp3, blogue, coisas que não sei direito o que sejam nem quero saber. Quando dei por mim era tarde. Até que veio a história do noticiário. No início a Roberta ficou procurando meu calcanhar, vi que estava meio encafifada. Nunca esqueço de baixar o assento da privada, mijo meticulosamente pra não respingar urina na borda do vaso, lavo a louça, me abstenho de emitir convicções, não teimo. Com mulheres, redobro a guarda. Não dou muito espaço para que impliquem comigo. Foi uma das deixas que ela aproveitou. Não sei usar essa terminologia nova ligada aos avanços tecnológicos destes tempos do demônio. Noticiário, a Roberta corrigiu outro dia quando eu mencionei jornal.
Entro, vou direto para a sala, fecho as cortinas, não gosto de luz, procuro o controle, não acho, acendo a luz, acho, apago a luz, me jogo na poltrona, aperto o ON, está passando um jornal.
Se já temos na cara essa parafernália, boca, nariz, olhos, sobrancelhas, queixo, um dispositivo a mais não ia fazer falta, digo, diferença. As funções deviam ter órgãos separados apropriados. Essa dicotomia me deixa confuso. Por onde entra a comida e saem as palavras. Boca é um órgão sujo. Me dá nojo. Nunca olho boca de mulher. Ela ri, pensando que estou mirando a boca. Quando nos encontramos no elevador demoro o olhar no rosto dela procurando enxergar um buço. A Bete do 156 é portuga.
Ou travão, como querem os portugueses. É o freio. Eu não sou covarde, grito por dentro desesperado.
As mulheres, as mulheres bonitas de tetas suculentas e pernas lambíveis mordiscáveis não toleram covardes. Aconteceu "inúmeras", digo, inúmeras. Quando vejo, sei que tudo está perdido. É sim, vi nos olhos da Roberta.
Não é não. Quem vê deve achar que é covardia. O freio me trava, engulo em seco, baixo o olhar. Desisti, aceitei, não reluto mais. Na adolescência quebrava a cabeça tentando entender. Simplesmente tenho dentro de mim um freio que me pára. Nada a ver com medo de humilhação ou necessidade de parecer macho. Não sei pedir. Podia ter batido a palma da mão esticada na ponta dos dedos da outra mão, pedindo tempo.
Nem dos truques que tive de aprender ao longo dos meus anos pra sobreviver nesta terra de bananas e galinhas. Nem das aspas. Não, não vou mais abusar das reticências. de... Estátua, depois de quase três meses, estava me acostumando, nem me passava mais pela cabeça a idéia de voltar à noite, a noite paulistana, pra caçar uma nova fêmea que fosse com a minha cara de pato e a minha solidão de pato e a minha consciência de pato e as minhas contradições de pato e as minhas patologias de pato e o meu ar de... Fiquei pasmo, totalmente pasmo, não reagi, não respondi, não pisquei.
Ia dizer enigmático, veja só, a tevê está fazendo de mim um autoindulgente preguiçoso, estraguei, deixa pra lá. Porra, um mistério só pode ser... mais... Não tem mistério mais... O fim do túnel entre as pernas, não. Decote foi feito. Se olhar decote adentro dá barato, upskirt dá mais. Tetas há que a fuça da dona estraga e desbanca. E muito próximas da cara. Sempre dependem do decote. Não, tetas não são páreo. Nada é mais poético, afrodisíaco e animalizador. Perna de mulher merece um século de pesquisa e dissertações à parte. A Neuza tem as pernas mais femininas que estes meus olhos arrebentados de se ofuscar no escuro já viram. Já tentei me pôr na situação, não teve jeito. A Neuza, vizinha gostosa do 152 que não sabe mais como se autoconvidar para uma transa e que não como porque ela é a cara da minha mãe. O zelador. O porteiro da noite. O entregador de pizza me deixa deprê. A faxineira me deixa deprê quando diz até amanhã no fim do dia depois de passar a tarde pendurada do lado de fora da vidraça pendurada no 15º andar pendurada no pára-peito pendurada pra chamar a atenção dos trans lá embaixo. Tenho todas as características. Se eu fosse um bicho, seria pato. Full duck. Yessir, pato. Pato cheio pros shrinks. Não sei ver ninguém partir. Desde que nasci vivo sonhando que alguém vai me deixar. Foi sonho, bilolô. Roberta disse que vai me deixar
Roberta disse que vai me deixar. Foi sonho, bilolô. Desde que nasci vivo sonhando que alguém vai me deixar. Não sei ver ninguém partir. Pato cheio pros shrinks. Yessir, pato. Full duck. Se eu fosse um bicho, seria pato. Tenho todas as características. A faxineira me deixa deprê quando diz até amanhã no fim do dia depois de passar a tarde pendurada do lado de fora da vidraça pendurada no 15º andar pendurada no pára-peito pendurada pra chamar a atenção dos trans lá embaixo. O entregador de pizza me deixa deprê. O porteiro da noite. O zelador. A Neuza, vizinha gostosa do 152 que não sabe mais como se autoconvidar para uma transa e que não como porque ela é a cara da minha mãe. Já tentei me pôr na situação, não teve jeito. A Neuza tem as pernas mais femininas que estes meus olhos arrebentados de se ofuscar no escuro já viram. Perna de mulher merece um século de pesquisa e dissertações à parte. Nada é mais poético, afrodisíaco e animalizador. Não, tetas não são páreo. Sempre dependem do decote. E muito próximas da cara. Tetas há que a fuça da dona estraga e desbanca. Se olhar decote adentro dá barato, upskirt dá mais. Decote foi feito. O fim do túnel entre as pernas, não. Não tem mistério mais... mais... porra, um mistério só pode ser... Ia dizer enigmático, veja só, a tevê está fazendo de mim um autoindulgente preguiçoso, estraguei, deixa pra lá.
Fiquei pasmo, totalmente pasmo, não reagi, não respondi, não pisquei. Estátua, depois de quase três meses, estava me acostumando, nem me passava mais pela cabeça a idéia de voltar à noite, a noite paulistana, pra caçar uma nova fêmea que fosse com a minha cara de pato e a minha solidão de pato e a minha consciência de pato e as minhas contradições de pato e as minhas patologias de pato e o meu ar de... de... Não, não vou mais abusar das reticências. Nem das aspas. Nem dos truques que tive de aprender ao longo dos meus anos pra sobreviver nesta terra de bananas e galinhas.
Podia ter batido a palma da mão esticada na ponta dos dedos da outra mão, pedindo tempo. Não sei pedir. Nada a ver com medo de humilhação ou necessidade de parecer macho. Simplesmente tenho dentro de mim um freio que me pára. Na adolescência quebrava a cabeça tentando entender. Desisti, aceitei, não reluto mais. O freio me trava, engulo em seco, baixo o olhar. Quem vê deve achar que é covardia. Não é não.
É sim, vi nos olhos da Roberta. Quando vejo, sei que tudo está perdido. Aconteceu "inúmeras", digo, inúmeras. As mulheres, as mulheres bonitas de tetas suculentas e pernas lambíveis mordiscáveis não toleram covardes.
Eu não sou covarde, grito por dentro desesperado. É o freio. Ou travão, como querem os portugueses.
A Bete do 156 é portuga. Quando nos encontramos no elevador demoro o olhar no rosto dela procurando enxergar um buço. Ela ri, pensando que estou mirando a boca. Nunca olho boca de mulher. Me dá nojo. Boca é um órgão sujo. Por onde entra a comida e saem as palavras. Essa dicotomia me deixa confuso. As funções deviam ter órgãos separados apropriados. Se já temos na cara essa parafernália, boca, nariz, olhos, sobrancelhas, queixo, um dispositivo a mais não ia fazer falta, digo, diferença.
Entro, vou direto para a sala, fecho as cortinas, não gosto de luz, procuro o controle, não acho, acendo a luz, acho, apago a luz, me jogo na poltrona, aperto o ON, está passando um jornal.
Noticiário, a Roberta corrigiu outro dia quando eu mencionei jornal. Não sei usar essa terminologia nova ligada aos avanços tecnológicos destes tempos do demônio. Foi uma das deixas que ela aproveitou. Não dou muito espaço para que impliquem comigo. Com mulheres, redobro a guarda. Nunca esqueço de baixar o assento da privada, mijo meticulosamente pra não respingar urina na borda do vaso, lavo a louça, me abstenho de emitir convicções, não teimo. No início a Roberta ficou procurando meu calcanhar, vi que estava meio encafifada. Até que veio a história do noticiário. Quando dei por mim era tarde. Ela só fala em ipod, mp3, blogue, coisas que não sei direito o que sejam nem quero saber.
Agora que ela disse que vai embora, quero. Desligo a tevê, jogo o controle no sofá, saio. A Neuza e a Bete estão esperando o elevador. Digo oi, baixo os olhos, uma luz cor de gelo vem vindo dos vitrôs tentando me cegar.
Não está sentindo esse fedor horrível, a Bete pergunta, tapando o nariz e o buço.
Levanto o olhar pra ela e fungo experimentando e digo que não.
Tem algo podre por aqui, a Neuza diz, também tapando o nariz.
Nesse momento, sinto. O elevador chega, entramos. Quando descemos no térreo, digo ao Jovair, o porteiro, que tem alguma coisa podre no nosso andar. Quando volto à tarde vejo uma viatura do IML na porta do prédio. O Maurício, aquele professor do 157 que nunca conversava com ninguém, se matou. 

Estilhaçando

Fortissimo

Detesto a mansidão dos pensamentos lógicos, a retidão das linhas mortas, a ordem das palavras dormidas no formol do previsto. Eu quero é trotar na mula manca, afoguear-lhe o rabo cum rojão de deus, açoitar-lhe o lombo com meu látego de elétricas letras e, no uso das minhas atribuições legais, entortar este meu espinhaço-pelourinho. 

Não confio em quem se veste mal

ritenuto

Assim:
Hoje estou naqueles dias e peço que meus quase três leitores não reparem na bagunça e enquanto vou segurando o copo de Balla entre os dentes e digitando com igualmente três dedos tentarei controlar meu ímpeto de fazer um tratado. Ao contrário da maioria esmagada dos blogueiros, tendo a encaudalar meus textículos em enxurradas de verão prenhas de lama e excreções e suores e saliva e se não mantiver tenência dos dedos acabo obrando um espelho em ponta-cabeça de Bartleby. (By the way, por que espelhos nunca ficam de ponta-cabeça?)
Como o tema desta pastagem é quem se veste mal, podemos também mencionar en passant os que escrevem demais e escrever demais quase sempre significa escrever mal no mais das vezes, embora a copiosidade na escrita possa ser uma técnica estilística dependendo do teclado. E não vou desmanchar de cara o barato das possíveis impressões que meus quase três leitores terão sobre o tema. Não gosto de mudar opiniões alheias, só as minhas.
Cutucando direto o assunto, vocês sabem que nossa habilidade na vestimenta não chega a ser propriamente uma arte. Mas porém requer algum talento todavia.
Tenho pra mim que vestir-se com elegância guarda alguma relação com grana, berço e background. Mas não na proporção que o senso-comum poderia esperar. Em nome da simplicidade (que também se aplica, no caso), digamos que requer um tino para o, ugh, aplomb e umas pitadas de ousadia ou mesmo frieza.
Ilustremos logo o assunto para que esses conceitos não fiquem rodopiando a esmo e alguém possa pensar que o pobre blogueiro já está ébrio quando o sino da matriz aqui perto ainda nem soou seis da matina.
(E essa menção à matriz veio bem a calhar, pois a pessoa que escolhi para estrelar minha ilustração é exatamente uma das minhas vizinhas que não perde a missa nem que o padre faça strip-tease no altar.)
(Epa, me ocorreu a possibilidade de que talvez seja exatamente por isso.)
Essa senhora — que, mais uma vez para fins de simplicidade, batizaremos Maria — todo mês torra grana afrodescendentíssima em roupas chiquérrimas e penduricalhos os mais escalafobétikos, levando todo o jeito de ter fugido duma peça do Tchekov. Quando por azar a avisto de longe a caminho da padaria ou pechinchando um pastel de pizza na banca do japonês atravesso a rua ou me escondo atrás duns caixotes de laranja pra não ter de entabular aquele smalltalk sociológico a que todos nós vizinhos de nossos vizinhos estamos condenados na vida.
Quando não é possível apelar para um desvio providencial, simplesmente viro a cara pro outro lado, fingindo um enorme interesse na tinta descascada dum muro na rua.
Tudo bem, um marmanjo com seus quase um e noventa de altura e sete arrobas de peso e barba grisalha e gorro preto sebento e juba igualmente grisalha roçando os ombros corre risco de parecer ridículo com esse truquezinho infantil, mas, sei lá, tem dia que meu papel de homem civilizado simplesmente não desce pelo meu esôfago.
(Por falar em crianças, Maria é casada mas nunca pariu. Terá a ver? Sorry, vizinha — tinha de sair um dia.)
Conheço uns sujeitos aí que são mais duros que pau de tarado mas nem por isso fazem vexame no quesito indumentária. Calça e camisa batidos, às vezes mesmo puídos, mas limpinhos — denotando consciências e caráteres igualmente limpinhos.
Ressabiam-me pessoas que se vestem mal. Em minhas andanças e lambanças cibernéticas, andei conhecendo in persona um ou outro internauta pelas quebradas da rede. Alguns até achava legais de papo a distância, gente esperançosa, até inebriada com a existência. (Alguns tinham até mesmo um propósito na vida.) Porém, quando nos encontramos ao vivo, decepção. Roupas malajambradas de cima abaixo. Nem consegui levar adiante o relacionamento virtual.
Não sei bem o que acontece, gente malvestida faz soar um alarme dentro desta minha cabecinha de vento. Fico achando que a dona não bate bem dos pinos. Uns francamente, considero autênticos cafajestes só por causa dum sapatinho mais esdrúxulo, uma meiazinha num tom escandalosamente claro, uma saia um centímetro acima ou abaixo da medida certa.
E também tem muito pouco a ver com beleza física. Pode ser até pior. Pessoas há que, quando paradas e mudas, são verdadeiros apolos e afrodites. Mas contudo causam consternação mal começam a se mexer. Semideuses não deveriam abrir a boca. Ou rir. Você já reparou como certas pessoas bonitas viram quase espantalhos quando riem? Eu já.
Não vou exagerar a ponto de exigir que todas as marias, vizinhas ou não, sejam uma Audrey Hepburn ou todos os joões um Cary Grant ou James Stewart. Ainda me sobra um tico de senso de realidade. Mas faz mister um mínimo de apuro com a vestimenta, mesmo que seja um conjuntinho de tergal comprado nas Pernambucanas.
Ou será que elegância é de fato um talento nato que nem um shopping tour pela Champs Elysées é capaz de compensar?



Nada de pseudopoesia neste instante

Que interminável decepção ser adulto num jardim d'infância onde meninos e meninas se recusam a crescer.

A solidão da ratazana



scherzando

And far and high I see a patch of sky. PQP, esse versinho me faz chorar, sou um romântico clínico, não tenho cura.
É doença de que não se foge. Fugir pra onde? Sei de quem fujo. Sei quando fujo. Caracas, não sei pra onde fugir.
Não posso fugir de mim mesmo. And far and high I see a patch of sky me carimba no olho da mente o cenho sisudo de Philip Roth me recriminando por ser tão escrachada, tão despuradorada, tão lulamente infantil.
Você sabe...
— Vê se cala essa fuckin' mouth. Estou cansado desse choramingo interminável.
Desprendo o olhar da tela, giro o pescoço. Ninguém atrás de mim. Faço força, giro mais. Ali está ele. Philip Roth...
— Não diga "em pessoa", you bastard. Em qualquer idioma que seja.
— Não digo não senhor. Ainda sou dono, embora acabrunhado, dos parcos neurônios sãos que me sobraram.
Philip exala aquela austeridade de quem guarda dentro do crânio o cérebro mais poderoso de todos nós. De soslaio, tento estudar a expressão dele.
— Nunca, jamais me olhe de soslaio, hear me?
Meu olhar volta incontinenti para a tela. Uma onda de desconforto me varre a barriga, o peito, a cabeça, tenho certeza de que minha testa está porejando, que papel ridículo mein gott.
Aqueles olhos que se estreitam rutilantes de inteligência...
— Posso usar um "e no entanto"? — pergunto sem olhar para ele.
— Desta vez. Só desta. — Pela visão periférica percebo que ele cruza os braços enquanto fala.
...e no entanto enevoados da angústia de saber que ele também não tem pra onde fugir...
— Philip, como é que você prosseguiria daqui? — A possibilidade de despertar um deus do olimpo não me intimida. Sou poltrão, poltrão refinado, poltrão profissional, poltrão sem tirar nem pôr, sou um poltrão abjeto safado mas não vou perder a oportunidade. Mesmo sabendo que pode ser a última.
Ele se limita a continuar perscrutando, ainda de braços cruzados. Prossigo.
...acabou se encurralando em si mesmo num dos cantos deste mundo sem cantos, os olhos tarados de dor e fome de apreender...
Ouço um farfalhar de roupa ao meu lado.
— Sai pra lá. Eu continuo. — Com o punho fechado, que, noto, é pintalgado de nódoas sépia, essas pintas que denunciam implacáveis a idade da vítima mais do que qualquer cabelo branco ou pés-de-galinha no canto externo dos olhos e que sempre me causam alguma repulsa de que estou vendo o que não devia estar vendo, com o punho fechado, como que para evitar fazer um contato mais íntimo comigo através da palma da mão, com o punho fechado ele empurra imperativo meu ombro me obrigando a sair da cadeira. Por um segundo me passa pela cabeça uma vaga idéia de resistir, sou homem ou ratazana, engulo em seco, é só por um segundo.
— Pode sentar — ofereço, disfarçando a humilhação de abandonar meu cockpit sagrado de piloto-faxineiro das minhas mazelas. Percebo que ele fica desapontado. Esperava alguma reação. Sou uma ratazana.
— Não escrevo sentado, you know — ele faz um ar de profundo desagrado. O mundo o estorva, a vida o estorva, eu o estorvo.
Eu sei. Há anos Philip escreve em pé. Mandou adaptar seu computador e mesas na edícula de sua casa a que chega todos os dias às oito, sem hora para sair.
— Posso segurar o teclado e o monitor, se você quiser.
— Okay. Só não balance muito.
...escrutinando o que poucos ou nenhum de nós é capaz de enxergar. Se quisesse, ele poderia simplesmente debochar de todos nós, um deboche silencioso e amargo, um deboche olímpico a contragosto. You know, deboche é arma de tolos.
Inda há pouco eu via uma saída, a deixava quietinha guardada num dos meus porões imaginários, pensava que bastaria recorrer a ela quando chegasse a hora de fugir.
A hora é agora, porra.
Isso foi ainda há pouco, algumas horas, alguns anos, não lembro, percebo com lucidez dolorosamente aguda que era só um truque, um dos muitos que engendrei para me conduzir a mim mesmo a este beco sem saída.
THE END.
— Assim sem mais nem menos? — me espanto, i.e., admiro.
— Just like that.
Tendo recusado o papel de guardião das dores do holocausto, de patrono da incessante diáspora de sua gente, ele tem nos olhos um brilho particular. Não me furto às minhas responsabilidades.
— Não precisa dizer mais nada. — Ergo a palma da mão para ele, pedindo calma e contemplação. — Vou acabar Operation Shylock amanhã. Embora seja seu livro mais enrolado, você sabe. Não sabe?
Ele não está mais aqui. Saiu tão despercebido quanto como entrou.

Só tem tarada por estas bandas?


Allegramente

Meu distinto público vai, parece, de mal a pior, oquêi, longe de mim pretender que apenas acadêmicos improdutivos da região leste do reino encantado, digo, Cidade Universitária, zona que abrange todas aquelas escolas inúteis como História, Letras, Sociologia, Antropologia, Etnologia, Ciências Políticas, Psicologia, parafernália científica e o Berção cada dia mais atolado no pântano sob o despautério da professorzona M. Chauí e patronos que tais dos pensadores universitários deitados impávidos mamando vinte pilas mensais a cabeça, crânios da filosofia que emprestam sustentação intelectual a primitivos como Lula sonhando que este implantaria um estado antiburguês e que, empalmando a Presidência, dedicou-se de corpo e alma a ennababar-se a si, à família e aos chegados, provando pela enésima vez que ex-matutos oriundos do sertão querem é se dar bem emulando a burguesada que desde o nascimento lambem com olhos grávidos de inveja e, uma vez no poder, se deixam acometer de amnésia, condenando circularmente filhos e netos de sua gente ao "destino" miserável, Lula e seus nefandos arroubos leninistas de implantar desvairado um reinado papal com a providencial ajuda de tucanos e outros urubus, pombas, longe de mim querer que meu público se constitua apenas de bacharéis virgens endinheirados, pero, psiu, manerem na libido, abaixem o volume das fantasias, tudo bem que todos nos amarramos numa alucinação, houve época em que eu engolia um vidrão de xarope pra ter barato, deem só uma olhada nas expressões de busca que o google trouxe até este malfadado blogue em dias de aparente calmaria:

—  1984 paisagens de um admirável mundo novo de guerras e regimes totalitários
—  a guerra dos pintos molhados 
—  a incivilidade que grassa no Brasil
—  a letra da música o back está queimano
—  abril despedaçado
—  acessos de raiva
—  advogada apaixonada bate siririca no banheiro da record (esta é campeã de audiência, 5 meses na parada, vai ver essa advogada taradita é a responsável pela programação do dito "canal" de esgoto a tevê aberta?)
—  adriano espínola 
—  alcinha de sutiã
—  amostras de crochê para toalhas com linho
—  análise do poema pensamento de raposa de Ted Hughes
—  andar de madrugada é perigoso
—  antegozando
—  anúncio de gordinhas querendo sexo
—  aparador de sala
—  a pior cegueira é a de quem finge não ver 
—   - arca com oratório fica bonito na sala
—  arvore genealógica família Vaccari
—  as longas tranças dum careca 
—  balas surdas
—  bater punheta aumenta o crescimento dos pêlos (o circunflexo no ê é meu, como todos os demais acentos, aliás, afinal, a famigerada reforma hortográfica ainda não vingou)
—  benzedura para afastar suor do cabelo (gosh, me tomam por pajé)
—  bolacha dedo de nego 
—  brincadeiras para lobinhos
—  buceta cheia de porra
—  bucetas ardidas doidas por sexo
—  cachorro comendo cu - imagem
—  calcinha cagada 
—  câmera escondida flagra siririca
—  câmeras ocultas de vovôs com ninfetas
—  carcaça chevrolet bel air 1955 belo horizonte
—  causas de mãos secas e esfoladas fígado
—  começo do casamento
—  chupação
—  cidade pinto duro
—  closal (é "clozal", mas eu também errei)
—  comendo a secretária
—  como ensinar uma menina de 10 anos bater siririca
—  como envenenar humanos com formol instantaneamente
—  criancas prematuras
—  crise hiperglicêmica
—  crônica de millor fernandes (a vaguidão especifica) e interpretação do texto
—  crônica sobre filando cachaça
—  curso de filosofia por correspondência
—  dez anos cabacinho siririca
—   - drummond não sou escritor
—  eguinho 
—  ela me dava mole depois passou a ficar com a cara feia
—  em dias primaveris colherei flores pro meu jardim da saudade
—  empregada é flagrada por cam escondida batendo siririca
—  enrabada na escola
—  enrabada no ônibus
—  enrabada pelo carcereiro
—  enrabada pelo negão
—  enrabada pelo tio (parece que enrabação é mais uma preferência nacional, ao lado da anestesia lixo-televisiva e voto em trombadões de terno e gravata)
—  eu posso ver o prontuário do meu pai
—  fernandinha.com 
—   - formatação de uma carta comercial
—  fotografia de monjolo
—  fotonovelas sexuais
—  fotos de melissa angel
—  fotos de negros com picas monstruosas enrabando ninfetas
—  fotos de pênis emasculado
—  fotos de pessoas vítimas por pitibuls
—  fotos de picas enormes no cu (este pelo menos não pôs acento no cujo)
—  frases prontas românticas em francês 
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—  gordini brasileiro envenenado
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—  inveja como uma coisa boa
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—  lingua dos pássaros
—  literatura técnica automotiva
—  macunaímica é hiato
—  magia simpática com pombagira
—  mandou cortar penis
—  maniqueísmo dogmático (eu pensava que todo maniqueísmo fosse dogmático)
—  maniqueista
—  menina tocando siririca no banheiro
—  meninos bem dotado 
—  mesa de canto para sala de visita
—  mesa de doze lugares (pois é, a ideologia classe-média não morre nem no país das favelas)
—  morena bunduda
—  muitas bucetas
—  mulher azeda
—  náusea pela manhã com boca amarga e esôfago queimando
—  ninfeta fazendo xixi na roupa (Nabokov escatológico)
—   - ninfeta flagrada tocando siririca
—  olha só mulher do vizinho
—  oração da pomba gira para amarrar meu amor (minha predileta; Berção sem tirar nem pôr)
—  oratórios ou relicários artesanais
—  petichope
—  pintos descomunais ("de negão", omitiu-se; o fascínio com a suposta animalidade total dos negros a enlevar as fantasias dos brancos, carimbo vindo diretamente de roliúde)
—  pintos eretos 
—  planta de uma cidade ideal
—  pleiboi 
—  poesia com esquema rímico para mãe
—  punheta esquisita
—  qual o segredo para transar com meu patrão (tem gente pensando que o google é oráculo de delfos. Isso não é mais busca, é consulta sentimental. I wonder, que fim dará a humanidade dentro duns 20, 30 anos?)
—  requisitos para um texto eficiente
—  resumo colocador de pronomes monteiro lobato
—  samambaias saia baiana 
—   - se eu arranquei uma flor de girassol ela duraria mais na água ou na terra
—  se não mudamos não crescemos. se não crescemos não vivemos
—  senhoras mais taradas e pornografia
—  significado de sirigaita
—  siririca-no-banheiro
—  sonhei com estupro na família e aconteceu com minha prima
—  taradas enfiando obgetos na buceta (epa, pegamos um carcamano fetichista na rede)
—  testes de felicidade 
—  tesudinhos
—  tetas caídas
—  tirando o cabacinho da menina virgem (Jorge Amado fez escola ou se limitou a espelhar a alma do brasileiro médio?)
—  trailer de camponesas al sugo (cáspite!)
— trailer do patrão estuprando a empregada (descontar nossa infinda infelicidade de colonizados na senzala é a nossa sina)
—  transei com meu próprio irmão e foi bom
—  trinta tiros e não morreu atestado de óbito
—  trombeiteiro da manhã
—  umbanda jacarepagua 
—  vitaminas para sabia laranjeira 
—  versos ordinários
—  vovós taradas
—   
Ulalá, e tem gente que cospe quando ouve falar em Freud.
Eu queria ver a cara desses internautas quando descobrem que este não é o sítio mais apropriado pra buscarem sacanagem, respostas pra trabalhos de escola e idéias pra decorar a sala-de-estar. Tudo aqui é tão literário.
E parafraseando as milhares de mestrandas que vão sendo fabricadas pelas nossas faculdades para prestar concurso público de copeira, não sei por que o google vive trazendo priápicos ao meu querido blogue, sendo que não produzo senão textículos transbordantes de joá-de-vivre e patriotismo eivados do mais refinado espírito-de-porquismo.
 E não se esqueça: se a sua tara não constar da lista, reclame com a gerência.