Assim:
Hoje estou naqueles dias e peço que
meus quase três leitores não reparem na bagunça e enquanto vou segurando o copo
de Balla entre os dentes e digitando com igualmente três dedos tentarei
controlar meu ímpeto de fazer um tratado. Ao contrário da maioria esmagada dos
blogueiros, tendo a encaudalar meus textículos em enxurradas de verão prenhas
de lama e excreções e suores e saliva e se não mantiver tenência dos dedos
acabo obrando um espelho em ponta-cabeça de Bartleby. (By the way, por que
espelhos nunca ficam de ponta-cabeça?)
Como o tema desta pastagem é quem se
veste mal, podemos também mencionar en passant os que escrevem demais e
escrever demais quase sempre significa escrever mal no mais das vezes, embora a
copiosidade na escrita possa ser uma técnica estilística dependendo do teclado.
E não vou desmanchar de cara o barato das possíveis impressões que meus quase
três leitores terão sobre o tema. Não gosto de mudar opiniões alheias, só as
minhas.
Cutucando direto o assunto, vocês
sabem que nossa habilidade na vestimenta não chega a ser propriamente uma arte.
Mas porém requer algum talento todavia.
Tenho pra mim que vestir-se com
elegância guarda alguma relação com grana, berço e background. Mas não na
proporção que o senso-comum poderia esperar. Em nome da simplicidade (que
também se aplica, no caso), digamos que requer um tino para o, ugh, aplomb e
umas pitadas de ousadia ou mesmo frieza.
Ilustremos logo o assunto para que
esses conceitos não fiquem rodopiando a esmo e alguém possa pensar que o pobre
blogueiro já está ébrio quando o sino da matriz aqui perto ainda nem soou seis
da matina.
(E essa menção à matriz veio bem a
calhar, pois a pessoa que escolhi para estrelar minha ilustração é exatamente
uma das minhas vizinhas que não perde a missa nem que o padre faça strip-tease
no altar.)
(Epa, me ocorreu a possibilidade de
que talvez seja exatamente por isso.)
Essa senhora — que, mais uma vez
para fins de simplicidade, batizaremos Maria — todo mês torra grana
afrodescendentíssima em roupas chiquérrimas e penduricalhos os mais
escalafobétikos, levando todo o jeito de ter fugido duma peça do Tchekov.
Quando por azar a avisto de longe a caminho da padaria ou pechinchando um
pastel de pizza na banca do japonês atravesso a rua ou me escondo atrás duns
caixotes de laranja pra não ter de entabular aquele smalltalk sociológico a que
todos nós vizinhos de nossos vizinhos estamos condenados na vida.
Quando não é possível apelar para um
desvio providencial, simplesmente viro a cara pro outro lado, fingindo um
enorme interesse na tinta descascada dum muro na rua.
Tudo bem, um marmanjo com seus quase
um e noventa de altura e sete arrobas de peso e barba grisalha e gorro preto
sebento e juba igualmente grisalha roçando os ombros corre risco de parecer
ridículo com esse truquezinho infantil, mas, sei lá, tem dia que meu papel de
homem civilizado simplesmente não desce pelo meu esôfago.
(Por falar em crianças, Maria é
casada mas nunca pariu. Terá a ver? Sorry, vizinha — tinha de sair um
dia.)
Conheço uns sujeitos aí que são mais
duros que pau de tarado mas nem por isso fazem vexame no quesito indumentária.
Calça e camisa batidos, às vezes mesmo puídos, mas
limpinhos — denotando consciências e caráteres
igualmente limpinhos.
Ressabiam-me pessoas que se vestem
mal. Em minhas andanças e lambanças cibernéticas, andei conhecendo in persona
um ou outro internauta pelas quebradas da rede. Alguns até achava legais de
papo a distância, gente esperançosa, até inebriada com a existência. (Alguns
tinham até mesmo um propósito na vida.) Porém, quando nos encontramos ao vivo,
decepção. Roupas malajambradas de cima abaixo. Nem consegui levar adiante o
relacionamento virtual.
Não sei bem o que acontece, gente
malvestida faz soar um alarme dentro desta minha cabecinha de vento. Fico
achando que a dona não bate bem dos pinos. Uns francamente, considero
autênticos cafajestes só por causa dum sapatinho mais esdrúxulo, uma meiazinha
num tom escandalosamente claro, uma saia um centímetro acima ou abaixo da
medida certa.
E também tem muito pouco a ver com
beleza física. Pode ser até pior. Pessoas há que, quando paradas e mudas, são
verdadeiros apolos e afrodites. Mas contudo causam consternação mal começam a
se mexer. Semideuses não deveriam abrir a boca. Ou rir. Você já reparou como
certas pessoas bonitas viram quase espantalhos quando riem? Eu já.
Não vou exagerar a ponto de exigir
que todas as marias, vizinhas ou não, sejam uma Audrey Hepburn ou todos os
joões um Cary Grant ou James Stewart. Ainda me sobra um tico de senso de
realidade. Mas faz mister um mínimo de apuro com a vestimenta, mesmo que seja
um conjuntinho de tergal comprado nas Pernambucanas.
Ou será que elegância é de fato um
talento nato que nem um shopping tour pela Champs Elysées é capaz de compensar?
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