The feeling inside

FACEBOOK MACHT FREI

Roger, copy

Há alguém aí fora na internet que não esteja tentando chamar atenção?

Ei! Estou aqui! Exclamativo e tudo mais.

You've got my attention, Mr.

Tens currículo?

És espirituoso?

Estás tomado dessa desesperadora ânsia de pertencer?

Acordas no breu da noite insciente do teu lugar, da tua identidade, a cabeça a fervilhar de milhões de ideias loucas "Amanhã hei de dar um jeito na minha vida!"?

Oh poor bastard.

É só o começo. Tanto padecimento te aguarda ali atrás da esquina.

Onde há eras viste teu primeiro, teu primordial fantasma.

Ignorante que um dia pretenderias trocar com ele de lugar.

Aqui estou, espantalho digital!

Confunda-me.

Amalgamemo-nos de volta no útero long long gone.

x

tua 
sanidade, tua
simplicidade,
tua determinação
em ser feliz
me
assustou

agora
estou

morto de
medo de
escrever

Enquanto cuspo

Tudo que posso
dizer hoje

É que havia
naquele berço

Um nascituro que ao mundo chegava e
em breve desesquematizaria a língua domesticada da raça humana

Sua mãe, seu pai, suas tias, os vizinhos
logo viriam recomendar:

Olhe!

Aprenda!

Preze! 

Mereça a recompensa!

E nosso bebê varou décadas crescendo e as recomendações da sua torcida não ultrapassaram seus tímpanos.

Ali estava um ser disposto a evitar que as palavras

(PELO MENOS AS SUAS!)

não secassem nem desvanecessem diante de seus olhos.

Assim soprando...

FU... FU... FU...

com lábios abrochados

Garantiu nosso herói o direito a ser esquecido.



Enquanto fico lívido

Quando botei o Adagio for Strings, de Samuel Barber, no aparelho, ele franziu o cenho.

E, olhando para mim, tentou explicar. Começou a dizer qualquer coisa...

Não sei que cara fiz. Que cara devo fazer nessas horas?

Vendo minha reação, ele se calou na mais imensa solidão que jamais testemunhei.

Eu, também.

Enquanto respondo

Posso não fazer nenhuma pergunta hoje?

Literatura

Quem quer escrever deve fazer sua escolha.

Quem quer escrever não tem opção.

Escrever é se trancar numa masmorra e atirar a chave pela janela.

Se não está disposto a se trancar numa masmorra e atirar a chave pela janela, seu negócio não é escrever.

É fazer relações públicas.

Marketing.

Média.

Se tornar uma espécie de celebridade.

Se imaginar com a estátua do Oscar nas mãos, discursando para 8 bilhões de robôs encantados.

Escrever é ter coragem.

Me salvem de todos os lirismos

Abobrinha quando nasce
Esparrama pela rede
Coraçõeszinhos quando ficam tristes
Alguém os leve a uma clínica cardiológica

Estou farto do lirismo, não apenas o comedido, mas de todos os lirismos desmedidos.
Estou farto dos vates narcísicos que, sob efeito da auto-hipnose, insistem em desvendar a esfinge do espelho.
Estou farto dos trovadores que fazem a opção preferencial pelas trevas porque são incapazes de vicejar sob a luz e ali, escondidos no escuro, se prestam a tolos jogos de sombras em meio a bobos jogos de palavras.
Estou farto dos poetas autistas que deixam a vida passar e não conseguem superar o fascínio pelo próprio umbigo.

Cansei de idólatras ocos que pinçam em seus poetas preferidos lemas edificantes e os desfraldam qual bandeiras na popa de suas vidinhas fantasmagóricas.

Estou exausto dos que pensam que escritores e poetas são infatigáveis fabricantes de ditos e máximas.

Me enojam os que admiram Clarice Lispector por fanfarronadas como "Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar." Ninguém pode ser leve feito brisa, porra! Muito menos forte qual ventania. É apenas retórica, será tão difícil assim de ver?

E Clarice era humana. Podia obrar bobagens como "Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam."

Estou cercado. Deste lado, Quintana com suas formulazinhas mágicas que nos querem eternamente pueris. Deste outro, Florbela Espanca e sua mania mórbida do amor que não encontra correspondência no mundo real.

Estou farto e não quero listar os tantos que me deixam farto, a lista seria comprida.

Para Kafka, o primeiro sinal do começo da compreensão é o desejo de morrer.

Eis o que nunca compreenderão os que nunca se fartam de porra nenhuma.




Mensagem interceptada


Bom dia.
Bem, bom em termos. Sim, finalmente aconteceu.
Estava escrito, não estava?
Não, não acredito em destino. Não sou besta. Aliás, não acredito em porra nenhuma. Em que haveria de acreditar? Se souber, pode falar. Não vou botar reparo. Somos todos aptos a fazer uso do direito de expressão. O Big Brother (não o da tevê, o de 1984) não se estabeleceu em todas as mentes. Ainda.
Mas era fatal.
Não, tampouco sou fatalista. Bem, pode-se dizer que fatalismo e crença em destino são mais ou menos sinônimos, não se pode?
Mas acho que deu pra fazer meu caso. Meu ponto. Ou, no dizer daqueles filminhos hollywoodianos de terceira, make my case. My point.
Era natural que acontecesse. Questão de tempo.
Você crê que certas coisas nestas nossas vidinhas de formigas desvairadas são questão de tempo?
Hoje, eu, sim.
Até uns anos atrás "acalentava" algumas ilusões.
Verbinho tonto esse "acalentar", não acha? Os que não sabem escrever têm uma certa atração por palavrinhas vazias qual essa. Nunca vi ninguém acalentando porra nenhuma. No meu caso, menos ainda. Bem, afora essas ilusões que mencionei.
Mas hoje não estou preocupado em saber escrever ou não. Nós que enroscamos na fase pré-oral damos demasiada importância a pormenores desse tipo.
Quer saber pelo menos uma das ilusões a que me referi?
Então conto.
Era que saber escrever faria alguma diferença.
Veja que piada.
Não, não estou dizendo que seja generalizadamente inútil. Só que a mim não me basta. Bastaria fosse eu um desses pragmáticos por aí para quem escrever é o meio, não o fim. Um método, não o crime. Nada a ver com quando a escrita se converte no propósito em si. Ou melhor, quando deixamos que se converta. Ou melhor ainda, quando deixei que se convertesse e, pensando que as opções que a vida nos oferece fosse um celeiro infinito abarrotado de cachos e pencas de alternativas, desdenhei uma a uma das que surgiram diante do meu nariz e eis que me vejo neste vasto, neste sombrio galpão vazio, enegrecido das intempéries e do tempo.
Tempo também incluso naquelas ilusões e que imaginava inesgotável.
Hoje só posso garantir que ficava lindo na minha túnica de pensador grego a desempenhar meu papel de desdenhador olímpico.
E como dói me olhar nesta fotografia amarelada que um dia pensei se tornaria sépia, a ornar as paredes apodrecidas e esburacadas da minha alma.
Sim, era fatal que sonhasse com você.
E no meu sonho com você era fatal que te amasse e depois de te amar te sacrificasse te sangrando para que não me restasse nenhuma escolha.
Sonhei e sei que você sabe. Pois, bem sei também, tua cabeça dispõe dum registrador de sonhadores que sonham com a possibilidade da alegria constante.
E que vai registrando todos os sonhos de todos os que sonham com você à medida que se levanta da cama, se prepara, sai de casa, passa pela rua, zanza pela cidade e volta... como se nada tivesse acontecido.
Tal como disponho na minha dum identificador desses trilhões de pensamentos inúteis e supérfluos que se geram a cada instante neste mundo para soterrar esta civilização fadada à calamidade.
Sim, sonhei com você.
Espero que não se repita.


Vamos jogar boliche no céu

Lembra quando você achava que teus pensamentos eram capazes de mudar o mundo?
Não? Então tudo bem – pode se declarar um sujeito normal, relativamente isento das sujeiras que se acumulam nas mentes de certos seres por aí que, qual este vosso vão, vil vassalo, sofrem desta e de outras mazelas emocionais mais ou menos mórbidas.
Quanto a mim, lembro, claro. Orgulhosamente.
Lembro não apenas que achava que meus pensamentos eram capazes de mudar o mundo mas duma porrada de outras coisas inúteis que com o tempo aprendi a chamar de “meus escombros”.
Vê se pode.
Se meu nada douto dr. G me lesse neste instante haveria de menear a cabeçorra lotada de teorias psicanaliticamente furadas e estalaria seguidas vezes a língua viciada em matraqueios frívolos e me tascaria no lombo uma interpretação enviesada que me deixaria atordoado por uns, digamos, seis anos?
(Como são chatos esses explicadores d’alma alheia pretensos herdeiros de Freud e Klein. Estes ao menos tinham gênio, o que é alguma coisa quando você, desamparado, em tua eterna busca dum sentido, procura em volta um olhar que não te retorne uma luz vazia. Li, durante minha “análise”, termo descabidamente pretensioso, um livro chamado Psicanálise, profissão impossível, da jornalista Janet Malcolm. É importante o registro de que Malcolm não é psicanalista, a quem seria igualmente impossível escrever um livro desses tanto quanto o seria a um escritor escrever algo como Literatura, a arte inalcançável. A barreira intransponível da psicanálise é o psicanalista. Não tive como superar a turrice, a incultura geral, a “especialidade” tapa-olho do meu caro dr. G e outros em cujas mãos finas e pecadoras tive de pagar meus pecados a trocentos paus a hora.)
Lembra quando você achava que teus pensamentos eram capazes de mudar o mundo?
Foi uma época em que teus pensamentos pareciam mágicos, não pareciam?
E são mesmo, pensando bem. São o reflexo aqui dentro do mundo que ocorre lá fora, à tua revelia e apesar dos teus esforços para tomar parte dele, mundo.
Oh! tudo isso, isso tudo é tão medonho. É tão frustrante.
Quando comecei este texto me sentia com energia suficiente para obrar um tratado, um poema, uma postagem para este pobre blog perdido em meio a trilhões de outros escritos diligentemente por bilhões de outros blogueiros a caça dum sentido, e se um sentido se revela impossível, um alívio, por efêmero, uma esperança, por solerte.
Meus pensamentos são tão mágicos quanto aqueles que, segundo Kafka, surgiram suicidas na cabeça niilista de deus em minúscula ao nos criar. Não há como escapar da definição de que o mundo é um pecado de deus. Para Kafka, há, sim, esperança, mas para deus, não para nós. Abdicar a essas dúvidas jogando-as no balaio trêfego de que estamos salvos nas mãos dum ente divino é o suprassumo da covardia.









Enquanto sou o que sou

Um minuto atrás do outro, que sina mais anti-eu de suportar.

Nasci para inventar o outro atrás do minuto.

NEM QUE SEJA A ÚLTIMA COISA QUE FAÇA.

Segunda, festa na lavanderia.

Terça, êxtase na sacristia.

Quarta, mamãe assina visto para o flagelo de Jesus, seguido da imolação do Facebook.

Quita, sexta, sábado, domingo, não é esta a semana que me cabe.

Conduzo a rebelião dos meus ruídos.

QUE A ÚLTIMA PROMESSA SE CUMPRA.

Enquanto o bispo fica surdo

O presidente da República acaba
de decretar:
Chega de nostalgia!

Que se inundem de luz 
As sombras
Crianças, kiddos, nenes,
Emancipai-vos.

Nada de natureza.
Arrancai vossos olhos, rasgai vossos horizontes, afiai, e embainhai, vossos canivetes suíços.

A areia na praia cálida basta para te absorver.

Enquanto sou enquanto

Tens a garganta entupida de passado
A boca cheia da saliva 
Não cuspida
Os olhos vidrados no que se passou 
na esquina há trinta anos e dois.

A esquina há três minutos
Mais uma vez te
Roubou de mim.

Juro

Amanhã saio pelos cantos do mundo
Executo minha colheita
De conta.

Cuspo fora meus dentes que não morderam
Na hora certa.

Enquanto olho

Neste momento escuto uma toadinha chamada Toast and Marmelade For Tea, duma banda também chamada The Marmelades.

Eis um momento FACE. Que rogo a deus nas alturas, poupe a humanidade neste instante de sua Divina Ira.

Toast and marmelade for tea, sailing ships upon the sea, entende?

Como é complicado este quarto em cujas paredes reverberam a guitarra bisonha, errática, trôpega de the Marmelades e as teclas inapelavelmente certeiras de Ludwig.

Findo, terei de escutar mais uma vez o segundo movimento da Sonata ao luar, que pecado cometi afinal?

Bits, bytes, espiões da CIA, da NSA, Putin, me libertem deste meu museu eletrônico, ó mãe.


Enquanto derreto

Meu pai não sabia ler

Minha mãe não sabia escrever

Ai que vontade de ser

Enquanto everybody's talkin'

Houve época na minha vida em que achava que TODO MUNDO era emotivo, veja só você quanta infantilidade. E, para mim, as pessoas (todas elas, o padeiro, o vizinho da frente, o do lado, a vendedora de yakult, os motoristas de ônibus, até os cobradores), só podiam ser tristes, pois a vida -- estava tão na cara, então -- era duma tristeza imensa. E tinha mais >>> pensava que todos sofriam daquele interminável fiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiozinho de nostalgia que me afligia dia e noite, noite e dia, dia a dia, noite após noite. Sabe quando foi isso? Foi, me lembro bem, na minha primeira infância, foi na segunda, foi na terceira, foi ontem, foi mais ou menos entre o fim da tarde e o início destas minhas noites sem fim.

Enquanto tudo e nada

Você às vezes sente que está chamando a atenção de todo mundo quando anda pelas ruas como se estivesse montado num camelo?
Se não galopasse nas nuvens neste instante ia extravasar meu ódio, acabaria chamando um olhudo pro pau, muito provavelmente terminaria minha noite numa delegacia. Minhas fantasias devem ser suficientes para chegar até o buteco. Quer dizer, meus sonhos. Não fantasio mais. Em momentos como este chego a me sentir equilibrado e consigo entender um pouco o mundo e seus habitantes. O segredo é domar os pensamentos.
Se nunca precisou domar seus pensamentos, você certamente não faz a mais ínfima ideia do que estou falando. Eles têm vida própria. Os seus também, imagino. Mas, no seu caso, deve ser uma vida própria que está em harmonia com você e sua cabeça e por isso você não se dá conta. Cruzar a existência alheio a esse tipo de conhecimento inútil deve ser uma delícia. Gente cismada feito eu tem essa mania de, com perdão da tautologia, cismar.
puf puf uf uf, uma pausa.
Subi a ladeira depressa demais. Fumando. Por que deus foi encarapitar meu buteco no alto dum morro? Me amparo na parede dum sobrado, enfio a mão no bolso direito das calças, sinto o bilhete dobrado. Fuço o outro bolso com a outra mão, tateio a foto, um ônibus buzina na esquina, uma buceta passa raspando rumo à mercearia do Miguel, me vejo criança tentando abarcar com os olhos a ladeira à minha frente.
Não há quase mais fumantes nas ruas, tirante a molecada e os retirantes que ainda não acharam seu canto na cidade. Não fumar faz parte do novo padrão de conduta. Vamos todos ficando mais assépticos, provocando mudanças em dominó que, no conjunto, nos torna bem diferentes daqueles sujeitos que há meros 20 anos flanavam pelas esquinas a expelir fumaça pelas ventas qual marias e joões-fumaças.
Não se preocupe, não vou deitar falação sobre os novos tempos, a velocidade com que tudo muda, nossa impossibilidade de fazer frente a elas. Para isso existem os jornais, a internet, os ociosos e os poetas.
Por falar etc., hoje pouco antes da hora do almoço atendo o celular, uma voz feminina de máquina do outro lado pergunta se poderia fazer a gentileza de responder a uma enquete.
Só se for rapidinho, imponho. Afasto o aparelho do ouvido e franzo a testa para ele como se fora um caco saído dos anéis de Saturno.
Profissão? a voz feminina maquinal indaga.
Essa, respondo com orgulho: nenhuma.
Aposentado? a voz insiste.
Tinha certeza. Pouca gente aceita as coisas como elas são.
Nenhuma! repito, agora com ponto de exclamação.
Quer dizer que o senhor não faz nada na vida? a voz de máquina não se inibe nem titubeia.
Que é que o senhor faz?
Advogo.
Ah! Então é advogado.
Olha, moça, se é pra facilitar essa sua enquete, tudo bem, pode botar aí que sou advogado.
Não é que tenha algo contra advogados. Simplesmente não gosto de dizer que tenho uma profissão. Os que gostam, os que dizem, os que anunciam de boca cheia, pode reparar, são todos fanáticos. Médicos, engraxates, balconistas, blogueiros, não passam de maníacos.
Sou médico! propagandeiam os doutores com sua fantasias brancas de virgens morais e seus estetoscópios intrometidos. Bela merda! respondo mentalmente quando dou com eles em clínicas ou mesmo numa rua, do alto do meu camelo.
Não sou nada! pode registrar aí.
O senhor costuma ir ao fórum? a voz maquinal não desiste.
Não bato o telefone, ou melhor, não desligo o celular porque me comprometi a responder a porra da enquete e sou homem de palavra.
Sim-senhora, costumo.
Tem defendido alguma causa jurídica para algum cliente?
Sim-senhora, tenho.
E cobra pelo serviço?
Já contei aos meus quase três leitores o que faço quando sou obrigado a me consultar c’um médico por um desses enguiços que vira e mexe a natureza nos apronta só para não esquecermos de que ela, natureza, é nossa guardiã, patroa e proprietária?
Seguinte:
O senhor já tem ficha aqui? a atendente tasca na lata assim que entro na sala atulhada de homens, mulheres e crianças enguiçados à espera da vez.
Não-senhora.
É a primeira vez?
Sim-senhora. (Sempre é, ó deus amado.)
Sem se abalar, ela se mune daquele ar de sarcedotisa do oráculo de Delfos, estica os dez dedões de unhas roxo-defunto sobre o teclado do computador e inquire:
Nome?
Digo.
Sexo?
Digo.
Endereço?
Informo.
Profissão?
Escafandrista.
O olhar da sacerdotisa se esvazia ainda mais do que poderia parecer possível a princípio. Por uns instantes a alma da moça abandona seu corpo para dar um mergulho na Fossa das Marianas, ponto mais profundo dos oceanos. E sem escafandro.
Pode soletrar? é ela tentando subir à superfície.
Soletro.
A sacerdotisa sentada ao lado da minha desvia discretamente um olharzinho perdido para o meu lado e entreabre os lábios, confusa. Hosana nas alturas!
Sim-senhora. Cobro pelo serviço.
Então há de concordar que, se costuma ir ao fórum, se tem defendido uma causa jurídica para um cliente e se cobra pelo serviço, então não há dúvida. O senhor é um advogado! Sem tirar nem pôr.
há uns anos redarguiria (!) que não sou “um” advogado, mas simplesmente advogado. E na certa não deixaria passar aquela medonha conclusão. Cáspite, há quantas décadas não escuto um sem-tirar-nem-pôr assim com tão deslavada candura? Desde que mamãe se foi? Tanto tempo assim?
Minha filha, é tudo brincadeira.
Silêncio do outro lado...
Alô?
Brincadeira como, senhor? Saiba que estou aqui a trabalho. Se não queria participar da minha enquete, bastava dizer.
Senti o rosto afogueado, como gostava de pensar Bentinho ao imaginar Capitu lhe traindo com seu melhor amigo.
Me desculpe, moça. Não tive a intenção.
Afinal, o senhor é advogado ou não?
Como já expliquei. Sou, exerço o ofício de causídico – criminalista, mais precisamente – mas não gosto de ser. Entende?
Bem, vou relevar, considerando a gentileza com que se prontificou. A voz maquinal se faz magnânima. Há alguma outra profissão que gostaria de declarar?
Há, sim. Blogueiro.
Silêncio do outro lado...
Pode escrever aí. Blogueiro-poeta. Sim, com hífen.
O celular ficou mudo.


Enquanto repasso

Há muito, muito tempo, procurava sem saber exatamente o quê. Quando amadureci, pensei que não procurava nada. Hoje descubro que o que procuro é a perda.