Literalidades
Vivi todas
estas décadas e, porra, não sei nada. Ninguém aprende ao longo da vida, eu
também não aprendi. Há uma diferença — eles nascem sabendo, eu sou de outra
espécie.
Moleque,
naqueles tempos mágicos em que você me conheceu, eu gostava de cultivar a
autoignorância e desprezo por aqueles com quem vivia, pelas coisinhas simples e
práticas do dia-a-dia que me dão nos nervos porque não herdei a capacidade de
dominá-las e das quais desisti há décadas. Dentre tudo que não sei, não sei se
minhas desistências foram um erro. Por não ter o conhecimento nato, cedo
aprendi que o resto teria de ser suficiente para mim.
Nesta
data, sempre mudo de assombro — que faz parte de mim tanto quanto estas minhas
mãos desajeitadas, este meu narigão italiano, esta minha voz mole e sonolenta
--, vejo que mudei apenas por fora, que ao longo do tempo não faço senão
coletar adjetivos desfavoráveis como o são meus dias vindouros que aprendi a
esperar aflito, como se os ventos que me levam até eles soprassem ao contrário
de mim.
Eis-me.
Molecão de meia-idade, gordo, lerdo, rabugento e feio e macambúzio — mil graus
mais macambúzio do que naquele quatorze do doze em que nasci. Há muito deixei
de sonhar com a infância que não tive. A nostalgia do que não existiu é um
automartírio de que pretendo um dia me livrar — embora saiba, com mais certeza
do que seria benéfico, que não haverá tempo.
Idade
quase provecta, eterno rebelde furibundo finalmente domado pelos cabelos
grisalhos e a barriga que, desobedecendo às minhas rígidas leis particulares,
denuncia traidora minha degenerescência, minado dia após a dia pelo estômago
demasiadamente sensível aos truques que me recusei a aprender, pelo menos sei,
apesar de tudo que não sei, que devia ao menos saber mentir.
Exaurido
de assombro, lembro duma época surreal em que, pequeno, via todo mundo de
baixo. Um dia, pensava então, um dia este mal haverá de passar e deixarei de
lado essas afliçõezinhas que me atormentam e poderei dizer que sou feliz,
talvez quando me tornar um homem grande e forte, e sendo grande e forte, virar
então um homem corajoso e sensato.
Embora não
tenha aprendido porra nenhuma em minha vida e embora seja desfalcado daquela
sabedoria congênita que me distingue da norma da raça, embora isso e outras
faltas mais, sei cada vez menos à medida que meu tempo passa e envelheço,
ganhando acidez e azedume qual vinho fadado à passagem fatídica ao vinagre.
Naquele quatorze do doze eu certamente sabia que tinha meu futuro à frente — pois
este é conhecimento básico imprescindível até mesmo para o mais reles dos seres
humanos. Aquele mesmo futuro hoje está às minhas costas. Não guardo por ele
interesse algum. O fascínio virou desencanto.
Em cada
uma das minhas fases biológicas, lembro claramente do que lamentei não saber.
Primeiro lastimei não saber jogar bola mesmo que fosse no nível sofrível dos
pernas-de-pau. Depois lastimei não ser crânio ou socialmente talentoso o
bastante para me tornar um dos xodós dos professores. E lastimei não ser belo
para atrair as princezinhas por quem me apaixonava todos os dias e lastimei não
saber fazer sucesso e, mesmo sem saber, lastimei preferir me camuflar na treva
da solidão.
Das minhas
frustrações, não saber fazer poesia sempre foi e ainda é uma das mais
dolorosas. Das fantasias que vesti, a de poeta foi, é, a que vesti, visto, com
mais esperanças. Apesar de nada que não sei, sei que nunca convenci senão a mim
mesmo.
Se fosse
poeta, chegaria ao fim deste poema e, sem ter dito tudo que disse, saberia
fugir do desfecho previsível.
Apesar de
tudo que não sei — e sei que o que sei não me vale de nada --, nesta data e em
cada dia que me resta devo dizer que não aprendi senão a ser grato. Sob meu
assombro constante, procuro, vejo você ao meu lado. Hoje, sei bem, aprendi a
ser grato.