Exincursão

Espera aí.
A cidade está imóvel, deixa assim.
A luz vai só até o próximo poste.
Ele sabe o que não sabe.
É senhor do senhor do nada.

Ela o acompanha em sua sombra.
Aonde for está certo.
Uma balada toca infinitamente em sua cabeça, então tudo bem.

Foi hoje cedo?
Foi ontem à noite?
Que ela disse "eu te amo"
A voz a nascer dentro dele
Enquanto ele nasce em sua voz

(linhas apagadas)

Blogando 0069

Acabei de chegar do meu último passeio com Zezeí.

Ela de língua de fora, eu exausto. Tô com preguiça de usar as devidas vírgulas.

Fizemos o caminho de sempre. À esquerda até a próxima esquina, à esquerda de novo, até o fim da rua, esquerda mais uma vez, até a próxima esquina, esquerda, até a próxima, esquerda. Mais umas dezenas de passos até retornar ao ponto de partida.

Viu como escrever pode ser útil às vezes? Se não escrevesse não poderia ter visualizado graficamente o trajeto que faço quatro, cinco vezes ao dia nem me dado conta da crueza dos meus rumos. Pobre Zezeí, nem lhe passa pelo cerebrozinho de pintassilgo assustadiço que a obrigo a tomar tantas esquerdas neste malsinado meteoro que chamamos de planeta em sua vidinha d'um segundo.

Quando viramos a primeira esquina Zezeí correu para a sarjeta como é seu costume e se retesou desde o focinho até a ponta do rabicó naquela pose agônica típica em que os cães parecem que vão saltar até as nuvens e fez os três charutinhos de cocô de sempre. Recolhi num saquinho do Extra (não dos melhores para a finalidade), dei um nó não muito apertado e atravessei a rua para jogar na lixeira que o prédio em frente oferece aos passeadores de cachorros como cortesia.

Quando voltávamos para a nossa calçada avistei um envelope caído na guia, perto dum monte de galhos e folhas secas que o gari tinha juntado para recolher depois.

Era um envelope pardo (mãe, agora sei o que é um envelope pardo).

Zezeí seguiu em frente rumo ao seu destino enquanto eu olhava para cima e para baixo sei lá bem para quê.

E um enorme helicóptero branco passou sobre nós num voo rasante desses que sempre me lembram Apocalipse Now, um dos poucos filmes assistíveis do século 20.

Ninguém estava olhando, então me agachei e fiz o que parecia direito então fazer.

Não havia destinatário nem remetente. Só a palavra "verdade" em letra bem-feita escrita em pincel atômico azulão.

Se não fosse tão cedo nesta manhã de calor infernal, teria rido (nada muito definido — apenas um risinho talvez, provavelmente íntimo).

O envelope estava colado. E dentro dele pude ver uma folha de papel branca.

A essa altura Zezeí tinha parado no meio da calçada, esperando minha decisão. Está acostumada às minhas mudanças repentinas de rumos. Posso ir e voltar várias vezes pelo mesmo quarteirão sem que ela esboce o menor sinal de questionamento. O que me deixa surpreso invariavemente. É meu exato oposto — nada nem ninguém há neste mundo que eu não questione a cada segundo. Sou um questionador.

Por fim dobrei o envelope e enfiei no bolso traseiro direito das minhas calças cáqui. Vou levar para casa, deixar descansar uns dias. Até decidir se guardo ou jogo fora. Uma coisa é certa: não vou abrir. Não sou mais criança.

Chegamos em casa, pego um uísque, encho de gelo até a boca e subo para o computador, onde estou neste exato instante.

Zezeí dorme debaixo da minha cadeira.

Abro meu arquivo de Emily Dickinson. Não aguento ler dois versos seguidos. Tem hora a poesia me encalha no estômago qual um paralelepípedo.

Clico em Leaving on a Jet Plane, de John Denver. 

All my bags are packed, I'm ready to go, I'm standing here outside the door, I hate to wake you up to say goodbye.

Already I'm so lonesome I could die.


Blogando 0068 ou quem somos nós



Este é um relato sobre acontecimentos verídicos e, para desgosto dos críticos literários, está escrito na primeira pessoa, ora do singular, ora do plural. A razão de tal variância – ou melhor, inconstância – você perceberá em breve.
Em suma, eu somos nós.
Sendo um ser subdivido, me habitam múltiplos homens — ou várias personae, agora me mostrando chique ao nível da crítica especializada.
Como todo homem repartido numa penca de subseres, sou, que me perdoem os unívocos, multiforme.
Neste momento – neste exato momento – uma parte de mim está na sala enquanto outra está no banheiro. Uma, no quarto. Outra, no quintal. E outra — que, espero, não seja a última —, subindo a escada. E, em subindo a escada, eis que cruza com ainda outra, que a desce.
O mais interessante de tudo isso é que cada uma delas anda às voltas consigo mesma, dona de seus próprios problemas. Cada uma é alegre proprietária de sua própria personalidade. No mais das vezes empenhada numa autocaça circular.
O que me tem permitido segurar relativamente as pontas é que moro numa casa de poucos cômodos: são apenas dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro. Você que está aí fora, porém, não tem a mais ínfima ideia de quão imenso e labiríntico esse espaço exíguo pode se tornar às vezes.
Dependendo de nós.
Como disse, neste momento estamos divididos pelos diversos cômodos, mas nem sempre minha distribuição de mim pela casa é assim tão homogênea. Quando queda ser, até que sigo em frente (tudo bem, “em frente” é apenas força de expressão) numa boa (idem). Mas se nos dá na telha de nos enfiarmos todos juntos no quarto ou nos trancarmos todos duma só vez no banheiro, aí a coisa é bem capaz de pegar, no delicioso jargão da molecada destes fervorosos tempos de domínio total da informação, afirmativa esta ominosa sob qualquer um dos seus sentidos dúbios.
Então, tudo muda de figura.
Aliás, já que falamos em queda e em escada, um dos maiores perigos que corro no dia-a-dia é quando me encontro no meio da mesma, um de mim descendo, outro de mim subindo. Só não capotei até hoje por milagre. Ainda haverá de acontecer, tenho certeza. Você aí que me lê na certa está estranhando esta minha torcida contra mim mesmo. Ainda não viu nada, creia. Querer me empurrar escada abaixo como se derrubasse um ladrão que invade a casa no meio da noite é, das minhas fraquezas, das mais benignas.
Em geral os subseres que me habitam se espalham pela casa de modo bastante aleatório. 
Veja bem: aleatório, não descontrolado.
Minhas subdivisões até logram um certo grau de harmonia entre si – pelo menos em benefício da vizinhança, que, no meu caso infelizmente se constitui de gente conservadora e, portanto, implicante. Não gosto nem de lembrar daquela vez em que eu e meus pedaços bebemos além da conta. Como somos todos, ou quase todos, sôfregos, num instante caímos na algazarra. Meu sub-eu número 3 (ou será o 7? esses dois vivem embaralhados em minha cabeça), que é o mais chegadinho numa bagunça, para variar misturou vodka com absinto e num segundo instante lá estamos na delegacia, sob queixa do Jorge, morador aqui da frente.
“Sabe, doutor”, choramingou o tonto ao delegado, “sou esteticista e preciso dormir pelo menos dez horas por noite. E tem de ser um sono bem tranquilo, senão sou capaz de detonar a fuça duma cliente na manhã seguinte.”
E, apontando o narigão para o meu lado, completou:
“Depois que esse sujeito se mudou lá na rua, o que não temos mais é tranquilidade!”
Com os maus-bofes próprios dos polícias, o delegado se virou na minha direção, franziu mais ainda o cenho que já estava corrugado feito uma telha de amianto e ladrou:
“Da próxima vez o senhor vai passar a noite na carceragem. Esteja avisado!”
Bem, vocês podem deduzir o que eu e minhas frações pensamos naquele momento. “Imaginem todos nós juntos a noite inteira numa cela!”. Nos arrepiamos do dedão do pé ao último fio de cabelo.
Horrorizados com a perspectiva de virarmos carne moída nas garras duma gangue petista no xilindró, voltamos para casa e fomos direto para o quarto. Apagamos a luz, nos deitamos e ficamos lá no escuro, de olhos estatelados para o vazio. (Foi assim mesmo, sem fazer xixi nem tirar os sapatos. E caímos num estado catatônico tão profundo, que se passaram quase três dias até que o número 5, em geral o menos impressionável de nós, começou aos poucos a superar aquele transe mórbido e nos chacoalhar aos outros.)
Quando por fim despertamos, fizemos um “uuuuuufaaaaa...!” bem do fundo do peito e juramos uns aos outros que faríamos todo o possível para evitar que tão terrível experiência se repetisse.
Estávamos nesse estado de lenta mas estável recuperação do torpor doentio em caíramos quando ouvimos um berro lá (ou aqui, não estou bem certo) de dentro.
“Isso não pode ficar assim!”
Alarmados com o súbito grito, os que acordávamos despertamos de vez; os que estávamos prontos para dormir perdemos o sono; e os que nos ocupávamos de diversas outras atividades cessamos incontinenti nossos afazeres.
Identificamos de imediato o autor do rugido e para a direção dele nos voltamos. Por deter uma das classificações mais altas da turma, o número 46 tinha o pavio curto. A exaltação era sua constante. Não raro, se aproximava perigosamente do radicalismo.
“Que é que não pode ficar assim?”, quis saber o número 23.
A maioria, que até aquele momento ainda era simples auditório, de pronto antecipou um bate-boca.
“Qui-qué-qui-num-podi-ficá-assim?”, o 46 remedou, provocando no grupo um misto de risinhos de deboche e sibilos efervescentes pedindo moderação.
“O que não pode ficar assim, seu energúmeno, é esse vizinho reclamação safado dar queixa de nós. Isso-qui-num-podi-ficá-assim! Anta!”
Outra reação titubeante da plateia.
“E o que o senhor sugere que façamos?”, interveio o número 2, que, como está patente, primava pela formalidade.
“Você ainda pergunta, seu engomadinho de merda! O que sugiro é irmos até a casa do vagabundo agora mesmo e acabarmos com a raça dele. Eis o que sugiro!”
Duas ou três vozes fizeram menção de apoiar a impulsiva sugestão do Quarenta e Seis. A maioria permaneceu como estava, ou seja, indecisa.
“Tô com o Quarenta e Seis!”, compareceu o número 54, igualmente radical, mas um tanto mais lerdo. “Vamos tacar fogo na casa dele! Melhor ainda! Vamos tacar fogo nele! Fazer churrasquinho do filho da puta!”
“Quarenta e Seis! Cinquenta e Quatro! Por acaso não escutaram a advertência do delegado?”. Era o número 32 decidindo se manifestar.
“O melhor é esquecermos essa coisa toda”, ponderou o 23, que do 46 tinha a metade da ousadia mas o dobro do juízo.
“Seus cagões!”, escarneceu o 46. “Quando é que vamos virar homens e tomar nossas vidas em nossas próprias mãos, ao invés de permitir que terceiros nos conduzam para onde bem entendem? Já estou de saco cheio! Uns aqui têm tanto pavor do escuro, que até se deitam sem descarregar a bexiga, vejam se tem cabimento!”
“Tô com o Quarenta e Seis e não abro!”, coadjuvou o 54. Em seguida, sacudindo os dois punhos crispados acima da cabeça, jogou gasolina na fogueira: “Vamos deixar que um vizinho baitola nos diga o que fazer?”
Lançando olhares de desafio aos que estavam à sua volta, o 54 interpelava: “Hein? Digam! Ou pelo menos uma vez vamos tomar uma atitude?”
Aqui e ali se escutou uma fungada mais densa, um arquejar de ar contido por lábios tesos de quem reluta em desabafar.
Então se ergueu novamente a voz cristalina do 23:
“Já se esqueceram de que o próprio ministro da Justiça chamou nossas prisões de medievais?”
“Bah!”, cuspiu o 46, arreganhando o narigão numa careta. “Quem dá bola para o que um petista sem-vergonha diz? Ele próprio devia estar lá dentro!”
O comentário cortante inflamou a galera, puxando alguma unanimidade para o lado do insuflador.
“Buh! Fora petista safado!”, apuparam.
“E ‘medieval’ não passa dum eufemismo!”, ajuntou o 54. “Nossos presídios são uma... são um...” Aparentemente o adjetivo lhe escapava.
“Uma merda!”, sugeriu um.
“Uma porcaria!”, soprou outro.
“As condições dos presídios precisam melhorar pacas para chegarem a medievais!”, ditou um terceiro.
Em tom sempre acautelado, o 23 não se deixou intimidar:
“Lembrem-se: nossos presídios são imensas máquinas de triturar sanidades. Os que entram só saem mortos ou loucos.”
“Cala essa caçarola imunda, seu maricas duma figa!”
Vendo o espeloteado 54 prestes a saltar na garganta do ajuizado 23, percebi que era hora de intervir. O problema de toda democracia é que vira baderna rapidinho se não há um pulso forte que garanta o livre exercício da palavra.
“Chega!” Espalmei as duas mãos à frente do peito, pedindo silêncio. O tom da minha voz era calculado nem para soar autoritário, nem para deixar dúvidas quanto à minha ascendência sobre a maioria. Era em ocasiões como essa que estimava até que ponto podia exercer autoridade sem arriscar demasiadamente minha liderança. Sim, eu sabia, como sei ainda hoje, que o dia fatídico haveria de chegar em que o comando fatalmente passaria para as mãos dos mais dominadores como o 54 e o 46. Ou então morreria gradualmente, em silêncio, por simples omissão ou por renúncia deliberada à luta pela sobrevivência, nos corações de vários de nós que desde muito cedo nos deixáramos adormecer nos braços da depressão. Um dia eu bradaria “Chega!” e poucos me dariam ouvidos. Ou talvez nenhum. Então seria o fim. Embora fosse este meu primeiro pensamento ao acordar de manhã cedo e minha última angústia antes de pegar no sono no breu da noite, sabia que era inútil tentar me antecipar aos acontecimentos antes de ver chegada a hora.
Para meu alívio, pararam. Um a um foram se recompondo e se voltando para me fitar.
“Vocês já sabem o que fazer!”
“Sim! Sabemos!”, aquiesceu um à direita.
“Votação por aclamação!”, lembrou outro à esquerda.
“Quem é a favor de acabar com a raça do Jorge, levante o braço!”
Como imaginava, apenas os de número superior a quarenta foram favoráveis a essa medida extremista.
“Dois, registre na ata. Vinte e oito votos a favor da primeira moção.”
Me dirigi novamente ao grupo para a segunda moção:
“Quem é favor dum belo esculacho e não se fala mais nisso, erga o braço!”
Trinta e cinco braços apoiaram o esculacho.
“Agora, quem é a favor de não olhar mais na cara do miserável, manifeste-se!”
Contados os braços levantados para a última moção, instruí:
“Dois, registre aí. Sete votos favoráveis à última proposta. Portanto, senhores, está decidido. Não olhamos mais na cara do vizinho fedido. Assunto encerrado”.
“E o Três, como é que fica?”, quis saber o número 4.
“Não era o Nove?”
Bem, fosse qual fosse, me esquecera completamente do baderneiro que começara a confusão toda.
“Reunião extraordinária!”, convoquei instantaneamente.
“Que tal se fizéssemos a reunião na sala?”, sugeriu o número 11, um dos mais sensatos da assembleia.
“Boa ideia!”, ri. “A banheira é meio apertada pra essas coisas. Vamos lá, pessoal. Todos para a sala. Se arrumem aí no sofá do jeito que der. E se enxuguem antes de sentar!”
A reunião extraordinária correu em atmosfera de tranquilidade. Todos se comportaram cordialmente, algo que não acontecia fazia tempos. Até os acima dos 40 pareciam calmos. Provavelmente fora efeito da desavença ocorrida poucos minutos antes. Esses meus sub-eus viviam me surpreendendo.
Durante a reunião extraordinária tomamos uma decisão solene, qual seja: se perdesse a compostura novamente, o número 3 iria sozinho para o xadrez e sozinho haveria de tolerar as consequências morais e físicas da estadia no cárcere. Só para acrescentar um pingo de crueldade ao comunicado, o número 6 sugeriu que o pobre levasse consigo o exemplar de De Profundis que há décadas anda esquecido nas profundezas da nossa grande biblioteca encaixotada em mil caixas de sabão em pó no fundo do porão.
Desnecessário acrescentar que, depois dessa ameaça, o número 8 nunca mais saiu da linha.
Igualmente desnecessário seria salientar que nossas reuniões extraordinárias se realizavam exatamente como indica o adjetivo: extraordinariamente. Mas, ante a potencialidade sempre explosiva das nossas interrelações, será sempre importante, e útil, manter tal perspectiva em primeiro plano.
Eu e minhas subdivisões chegamos a um acordo tácito há muito tempo: só nos reuniríamos para deliberar sobre uma determinada matéria quando a subdivisão envolvida se mostrasse incapaz de matar a bola no peito e mandar o passe redondinho para o ataque. (Peço desculpas pela símile futebolística – quem fala é o número 11, o cara se amarra numa pelada nas manhãs de sábado.)
“Não é símile, tonto! É analogia”, me corrigiu o número 10, que desde o pré-primário sempre foi o primeirão da classe. Embora CDF, nunca deixou de amealhar resultados profícuos na seara feminina.
“É mais ou menos como ocorre na área empresarial”, ergueu a voz e espichou o pescoço o número 17, que em determinada oportunidade de sua vidinha errante fizera um curso de administração por correspondência no Instituto Universal Brasileiro.  Para quem não se lembra, o IUB era aquele que anunciava religiosamente em cada edição dos gibis do Tio Patinhas, Pato Donalds, Mickey e outros da Editora Abril. Quando se “formou” pelo IUB, o número 17 mandou emoldurar, em acrílico espelhado com adereços em formato de mimosas estrelinhas azuis, o “certificado de conclusão” do seu curso de administração e durante anos o manteve pendurado na parede da sala bem diante da porta, de modo a ser prontamente avistado pelas visitas. Mas como nenhum de nós jamais recebeu — nem pretende receber, diga-se — uma única visita, pode-se concluir que o mundo nunca saberá que o número 17 é administrador de empresas com direito a diploma e tudo mais.
Outra vez que veio a demandar a atenção coletiva do grupo foi há cerca de três anos.
Aquela manhã acordei com os lençóis e a fronha do travesseiro mais encharcados de suor que o habitual. Como sempre faço ao despertar, não abri os olhos de imediato, pois morro de medo de que ainda esteja escuro lá fora. Se estiver, será depressão imediata. Desde meus mais remotos dias infantis a escuridão provoca, não sei precisamente onde aqui no fundo, nem exatamente em qual dos meus subindivíduos, uma sensação desatinada de angústia. Às vezes, quando estou distraído, tenho uns vislumbres interiores, que me iluminam por dentro qual uma sequência impiedosa de raios que vão largando nervuras incandescentes ao longo de seus rastros. Durante esses vislumbres fico com a clara impressão de que a malignidade do escuro tem algo a ver com o pavor da morte. Mas quando os vislumbres se dissipam, rio de mim mesmo, tanto no singular quanto no plural – se há algo de que não tenho medo é a morte. Pelo contrário, a venero. A cultuo, a cultivo feito um botão de flor negra que, estou certo, exalará o mais inebriante dos perfumes quando finalmente se abrir. Só para mim. Para a encenação final do meu espetáculo.
Cauteloso, fui entreabrindo nanometricamente uma das pálpebras, mantendo todos os sentidos prontos para detectar a escuridão absoluta. Embora tivesse acabado de acordar, eles, os sentidos, ainda jaziam entorpecidos. Aqui, porém, cabe um comentário extra: se trata dum costume que com o tempo e a repetição se tornou uma habilidade.
Relativamente aliviado, percebi que a manhã já nascia lá fora e permiti que ambos os olhos se abrissem por inteiro.
Agora, de volta aos lençóis e a fronha: por que estariam mais úmidos do que habitualmente?
Convoquei meus sub-eus fazendo uma chamada breve. E quando digo “breve” é isso mesmo – levou apenas dois segundos. É que ando cada dia mais impaciente e irritado com esse monte de gente dentro de mim. Tem hora sinto gana de construir um minicampo de Auschwitz em algum lugar do coração ou do cérebro. Decididamente não tenho vocação para Pessoa.
“Vejam a situação em que acordei hoje”, comecei, me dirigindo a todos.
Um fio de murmúrios pareceu correr de boca em boca. Senti os dedos das mãos se comprimirem no travesseiro.
“Mau sinal!”, alguém bradou. Ainda apático de sono, não consegui identificar o infame.
“Quem disse isso?”
Aguardei uns segundos.
“Quem disse isso?”, repeti, agora mais enérgico.
“Se me permite, só pode ser cisma”.
Girei o pescoço tentando captar de onde viera a comentário.
“Aqui! Número Quatorze.”
“Cisma? Que cisma, Quatorze? Não temos nenhuma cisma desde que perdemos a conta do nosso aniversário. Adiante-se”.
“Bem, chefe...”, o número quatorze deu um passo avante, obediente. Esse sempre foi um dos meus sub-eus mais cordatos. “Ontem à noite, estávamos lá no buteco do Lacerda eu, o Vinte e Três e o Meia-Dúzia tomando aquele steinhagerzinho com amendoim básico...”
“Meia-Dúzia é a mãe!”, uma voz indignada se elevou na outra ponta do bando. “É Seis pra você, seu filho da puta!”.
“Calados!”, cortei de pronto o motim antes que se alastrasse. “Olha o delegado!”
O murmúrio cessou instantaneamente.
“Quatorze, prossiga”.
“Então, chefe, como ia dizendo, estávamos lá no Lacerda mamando o nosso...”
“Isso você já disse, porra! Vá direto ao assunto, pelo amor do demo!”
Ressabiado, Quatorze limpou aquele catarrinho típico da garganta e prosseguiu:
“Aí o Vinte e Três comentou, assim como quem não quer nada, que tem andado cismado”.
“Vinte e Três!”, chamei, passando os olhos pelo grupo, inquirindo.
“Aqui, chefe”. Ele deu um passo avante.
“Tem andado cismado com o quê?”
Vinte e Três fez um arzinho contrariado. É um dos meus subs mais tímidos. Odeia se ver no centro de alguma discussão.
“Não é nada demais, não, chefe. O Quatorze é que tá exagerando”.
“Desembucha, antes que eu perca o pouco de paciência que já não tenho!” Quase pude escutar o sobressalto nas dezenas de corações à minha volta. Tem hora até eu me assusto comigo mesmo (ou alguém dentro de mim).
“Tem um gay entre nós!”
Novo fio de murmúrio, agora mais intenso, percorre o grupo. É patente o esforço geral para conter a emoção.
“Essa baita celeuma só por causa disso?” Faço ar de pouco-caso.
Os olhares se concentram em mim.
“Quer dizer que o senhor já sabia?” Dezenove pareceu incrédulo.
“Oito!”
“Pois não, meu querido...!”
“A plateia é toda sua”.
Os olhares se voltam para o número 8. Expectantes.
“Saí do armário há mais ou menos dois meses”, o recém-assumido explica, dando uma ligeira desmunhecada e requebrando o espinhaço. Para completar, jogou o quadril para um lado como se estivesse desfilando na Marquesa de Sapucaí.
Como se ainda fosse pouco, a emancipação homoerótica do número 8 coincidiu com outro acontecimento que também chocou a maioria: no dia seguinte demos pela falta do Dezessete.
Procuramos por vários dias, desesperados. Até que ficamos sabendo pelo Google que o número 17 – se bem se lembram, o 17 era aquele formado em administração pelo IUB – se tornara diretor da Petrobrás, com boas chances de terminar presidente.
Vocês certamente já perceberam que minha vida com meus agregados não é batatinha.
Estando em casa, até que me viro bem, apesar dos pesares.
A parada pesa é quando saio.
Em geral não tenho motivos nem razões para bater perna, afora “passear”, para imitar os de fala inglesa, minha mimosa Zezeí.
Como já contei aqui inúmeras vezes, Zezeí é produto genético dum cruzamento da raça fox com a dos chiuauas. E já que vocês gostam tanto de imaginar coisas, imaginem essa também.
Tampouco acho necessário acrescentar que uma simples caminhada pode se revelar um genuíno calvário para um sujeito que, como eu, é recheado de outros sujeitos de convivência no mais das vezes difícil, ocasionalmente conflituosa e quase sempre hostil. E esses sujeitos se eriçam ainda mais quando acompanhados duma praga canina que se recusa a andar na guia e atravessa a rua sem aviso prévio quando e onde lhe dá na veneta, nos levando a todos os eus e sub-eus aos píncaros da ira.
Mas como todas as coisas nesta vida, passear seu cãozinho de estimação pode ter suas vantagens. Sobretudo se você for um galinha inveterado feito, por exemplo, o número 4. Ou tiver vários galinhas empoleirados dentro do seu galinheiro metafísico só esperando a deixa para sair cacarejando por aí.
Todo mundo e seu advogado criminalista sabe que gente passeando seu cachorrinho é o que não falta nesta cidade execrada por Deus e adotada pelo Tinhoso. A maioria, infelizmente, é de aposentados, de ambas as raças, a masculina e a feminina. São velhotes e velhotas que, entre os dois tempos duma partida de futebol ou durante o intervalo duma telenovela, descem dos seus prédios arrastando os totós pelo pescoço. Uma vez na rua, trocam de papéis e se deixam puxar desdenhosos até a próxima esquina, de onde retornam após o Rex descarregar um montinho fedorento no portão de algum vizinho felizardo.
Tais senhores e senhoras são os campeões dos passeadores de cachorros.
A segunda posição é ocupada pelas donas de casa. A idade delas compreende uma faixa etária relativamente ampla, variando de, digamos, trinta e poucos a cinquenta e muitos. Em casos extremos, podem atingir, ou mesmo exceder os, ugh, sessenta. De qualquer modo, a idade efetiva dessas comadres tem pouca ou nenhuma relevância para os propósitos meus e de meus pares interiores, visto estarem todas já com o pé na porta da casa de repouso. Algumas, decididamente, já se recolheram ao dormitório e só não se deitam em suas camas e aceitam os respiradores por serem teimosas qual mulas. Mesmo as mais, digamos, “novas” já ergueram os braços e se renderam à autoridade do tempo, com perdão pela imagem imbecil.
Em terceiro lugar no campeonato dos que se entregam voluptuosamente ao empolgante mister de servir de guia a quadrúpedes que latem e mijam em qualquer volume que se lhes surja pela frente se incluem categorias várias. Vão desde desempregados que cruzam as ruas aflitos, sem olhar, sujeitos a um atropelamento e a passar o resto de suas vidas enfadonhas numa cadeira de rodas; sujeitos que só recentemente se deram conta de que os cães são criaturas adoráveis que podem até dar lições de vida a nós seres humanos mesquinhos; até casais que cedo perceberam que curtirem um ao outro enquanto exibem aos vizinhos seu espécime de bulldog inglês que custou a bagatela de sete mil reais é sempre mais prazeroso e catártico que desperdiçarem tempo e energia comprando bugigangas em shoppings, tal como fazia a geração passada.
E a quarta posição, finalmente, pertence àquelas por quem os sinos dobram – as gatinhas.
Ou melhor, a gatinha.
A gatinha é a graciosa, a maviosa, a nívea, a macia dona dum vira-lata que atende pelo singelo nome de Bóris e com quem nós e Zezeí cruzamos ocasionalmente durante uma excursão matinal.
“Que engraçado”, puxei conversa com ela a primeira vez que paramos juntos numa esquina para os nossos respectivos se cheirarem. “Meu melhor amigo também se chama Bóris”.
Ela riu com todos seus lindos dentes lácteos e perguntou como se chamava a bichinha espevitada que naquele momento arreganhava os caninos para o Bóris.
Eu disse e ela fez uma careta, que instantaneamente disfarçou.
“É horrível, eu sei. Pode rir”, ri.
“É mesmo!”, ela riu novamente, os dentões de marfim me ofuscando as pupilas. “Como pôde arrumar um nome tão sem-graça?”
“Foi doação”, o número 6 mentiu, ruminando por dentro minha própria falta de talento para nomes caninos. Zezeí! dio mio, sou uma anta! Mas nem por isso deixei a peteca cair: “E o Bóris, foi você que deu?”
“Vi na internet”, ela riu mais uma vez. “Tem um montão de sites com listas de nomes de cachorros. Quem batizou esta coitadinha devia ter feito o mesmo”.
Dizendo assim, ela se acocorou e abriu os braços para Zezeí, que não hesitou em se aconchegar, permitindo mesmo alguns afagos.
Me limitei a olhar, pasmo. Zezeí é o bicho mais arisco que já vi e nunca antes deixara que um estranho a tocasse. Pareceu até corrupção amorosa à primeira vista.
“Zezeí já deu cria?”, ela quis saber, sempre sorrindo.
“Ainda é virgem. E o Bóris. Já é pai?”
“Virgem também”. O sorriso dela se abriu, açambarcando o mundo, a vida e a rua. “Que acha de marcarmos um encontro romântico entre os dois?”
“Tá louca é queridinha? A minha fox chiuaua cachorrão não come não, nega! Te amarra num voyeur é fófi? Vai fazê a chuca, vai boquetera!”
Virei as costas e saí rebolando pela rua, indignadíssimo.
Cheguei em casa, bati a porta e me joguei no sofá. Mas que fubanga! exclamei, abraçando minha doce Zezeí. Perrenga filha duma égua!
Custei a me acalmar naquele que foi um dos mais tenebrosos dias da minha existência. O Oito me paga, prometi a mim mesmo. Ou sei lá a quem.

Blogando 0066

Sorry, Piazzola

Um tango argentino
Mesmo que tuyo

É o último
Bandeira que
Intento a escuchar
Neste instante

Desinflatório mento indo

Fui obrigado a subir
até a padaria lá em cima
sem verso
cabível na rua
Bertioga

Só eu e minha pundonorosa Zezeí

Em lá assentando base
Solicitei uma Schmirrnoff
Cus lábios abrochados
De Paulistano cum
Pê maiúsculo

Em lá ficando
Ante o inebriado azáfama
dos ônibus do Rio Pequeno
e o surdo desfile dos pintos e
das bucetas que sóem enfileirar-se
nas ruas desta cidade que
não me pertence

Descobri uma descoberta
Que agora tenho de aventar
Ao mundo:

Que vivo voltado
para o
Butantã
tantã
Aclimação, Perdizes
Fim da linha do
Meu mundo onde
Vives

Assim atazano os críticos
que me exigem
puro
e sobretudo
sem sobretudo
não me repita
em autopastiches

Comprovantes carimbados
Na repartição da minha
Falta de hemisfério de
Que sou o que não
Finjo ser e
Isto basta

Blogando qualquer coisa

Ok, você pediu.
Vou escrever qualquer coisa.
Vou escrever qualquer coisa só de raiva.
Só de raiva.

Está tomando a forma dum poema.
Mas não é poema.
Nem prosa.
É apenas algo escrito só de raiva.

Veja, não é nem texto.
Não é nem nada.
É, como disse, algo.
Infelizmente algo que deve ser escrito numa língua conhecida.
Porque senão...

Ai meu santo jesus amado
Senão você ia ver
Senão, (veja que agora botei vírgula)
Ia te mostrar
Direitinho
Direitinho como mereces
(veja que agora mudei pra 2ª pessoa)
Como é que alguém escreve
Só de raiva

E é tanta mas tanta tanta raiva
Que só alguém chamado alguém
Podia escrever algo só de
Raiva

Para alguém que lhe dá raiva
Mas tanta raiva
Jesus abençoado duma figa
Que não dá nem pra escrever
De tanta raiva

Blogando 00000000

Tédio mortal

Que falta daquele botãozinho OFF que nos falta

Desliga, tchibung

Desconectado

Mergulho para o nada

Você não se afoga, não sente medo da fundura, não tem saudade instantânea do que não viveu

Você é um injustiçado

Confesse

Não vai mudar nada, mas confesse

Pode ser gostoso como quando se confessava com o padre depois da missa e mamãe declarava confiante, "viu como agora você está mais leve?"

Opa

Confessionalismo à vista

Bloom está de olho

Pécora, Steiner, professora Ivone

Formaram uma roda, sacodem a cabeça

Negativamente, como diria o tradutor aquele 

O confessionalismo pode ser constrangedor, asseveram os críticos

Não é que pode mesmo?

Que bigue constrangimento confessando meus pecadinhos ao padre depois da missa

Padre, fiz coisa feia pensando na minha vizinha Ildete

Que coisa feia, menino. Ela é bonitinha ao menos?

Fosse hoje levava uma fotinha da Ildete pro padre

Que tal, padre?

Muito gostosinha tua amiguinha, menino. Dez aves-marias. Pode ir. Não, a foto fica comigo. Vou rezar pela Ildete.

Botão ão ão instantâneo neo eo onde estás que não te acho?

No confessionário não te achei

No blog, no poema, na memória, em Beethoven muito menos

Clic (apud. Paulo Leminski)

Você tem razão, professor

É fácil ser ridículo

É fácil ser patético

Se o botão está fora de alcance











Blogando 0064


ou
Facebook, o exterminador de individualidades
Como todo jornalão, o Estadão também tem seu especialista em "tecnologia". As aspas aqui se devem ao fato de que tudo é tecnologia hoje em dia ia ia. Estamos submersos, só com a pontinha do nariz ainda fora do lúgubre lago da conectividade. (Pois é, tô meio que carregando nas tintas hoje.) Em breve, muito em breve, nenhum de nós mais terá escapatória e cada uma das novas atividades, até a mais comezinha, não se realizará senão por meio dum computador que nos interligará a todos dez bilhões de mamíferos bípedes.
Como ocorre uma vez por mês em minha vidinha sem graça, ontem foi dia de comprar a edição dominical do Estadão,  O tal tecnólogo especialista a que me referi no primeiro parágrafo tem uma coluna, não sei se semanal, no caderno Economia. E atende pelo nome de Renato Cruz.
Na edição deste domingo, a coluna do sr. Cruz traz uma notinha dizendo que o Brasil é um mercado muito importante para o Facebook. Somos o segundo maior público desse portal de "relacionamentos" e contribuímos com uma grana preta para aumentar ainda mais a espetacular fortuna daquele rapazinho loiro... Como se chama mesmo? Deix'eu ver aqui no Google... Ah sim, Mark Zuckerberg. 
Vocês na certa já repararam que em todas as fotos que tiram do citado rapaz — e devem tirar milhares toda vez que ele sai até a banca da esquina para comprar um exemplar do N.Y. Times, tal como faço aqui com meu fiel Estadão, ou até mesmo uma revistinha de palavras cruzadas só para passar o tempo enquanto sua conta bancária engorda à taxa de um milhão de dólares por segundo  —, pois bem, em todas as fotos que tiram dele, Mark está sempre com aquela carinha de quem superou as mazelas da raça e vive lampeiro a saltitar por entre as nuvens (que, no momento em que escrevo, estão recobrindo por completo todo o bairro, inclusive minha humildade casinha cujo telhado está mais furado que papo de petista, com o céu  sobrecarregado por uma carapaça de cumulusnibums com jeitão nada amistoso — parece que vem chumbo líquido por aí).
A carinha folgazã do Mark, conheço muito bem essa sensação de euforia. Certa vez, ainda adolescente, ganhei — sozinho, ressalte-se  — uma bateria de panelas numa rifa que tinha comprado um mês antes da minha vizinha Esmeralda. De repente tocam a campainha, vou atender e lá está a Esmeralda c'uma baita caixa de panelas nos braços. Ela me parabenizou, sorrindo. Pelo que me lembro, sorri de volta, provavelmente com a mesma cara do Zuckerberg quando seu contador liga para avisar que sua caixa-forte cresceu mais um bilhãozinho de ontem para hoje.
Antes de prosseguir, porém, gostaria de abrir um breve parêntese. Quando digo lá trás que somos o segundo maior público do Facebook e contribuímos com uma grana preta para o etc. e tal, apenas fiz uso do plural majestático com o intuito de mostrar que sou modesto. Na verdade, não me incluo no público do Facebook, pois não sou membro do dito, e, portanto, não dou sequer um tostão furado para a já escalafobética fortuna do nosso querido M.Z.
Mas o assunto desta postagem não é quanto o Mark fatura ou deixa de faturar. Mais uma vez, acabei me desvirtuando pelo caminho, sorry. O tema aqui é a coluna do especialista em tecnologia do Estadão.
Quando fui interrompido por mim mesmo, falava duma nota anexa à coluna do sr. Renato Cruz a respeito do enorme sucesso do Facebook por estas bandas. 
Cruz diz que um tal de Alexandre Hohagen, que é vice-presidente da empresa para a América Latina, criou um novo produto que, pelo que entendi, funciona assim: quando o usuário do Facebook faz o logout, ou seja, se desconecta da desgraceira, aparece um anúncio comercial na tela.
Se compreendi direito, é isso.
O sr. Hohagen explica que tal produto deu certo neste paraíso tropical porque por aqui é comum os usuários acessarem o Facebook a partir dum computador compartilhado. Com isso, tem sempre muita gente fazendo logout e caindo vítima do miserável do anúncio. Nos EUA, pelo contrário, a maioria nunca se desconecta e por isso nunca é obrigada a aturar mais uma propaganda entre as milhões a que todos estamos sujeitos a cada dia na internet.
"O produto teve um sucesso absurdo", solta fogos de artifício o vice-presidente do Facebook. Segundo ele, o Wall Street Journal publicou recente artigo chamando a Mãe Gentil de "capital da mídia social do Universo".
Reparem que "Universo" está com a letra inicial em maiúscula. Optei por manter a grafia original da palavra escrita pelo sr. Renato Cruz. Por que o sr. Cruz acha que universo deva ser escrito em letra grande, não faço ideia. Será por ser igualmente grandão? Vai ver, o preclaro jornalista imagina que tudo que é grande deva ser grafado à altura. Ou talvez o sr. Cruz seja apenas mais um dos que hoje em dia macaqueiam tudo que os americanos fazem, até mesmo os barbarismos linguísticos.
Quem liga? Todo mundo e seu mecânico hoje em dia escreve como lhe dá na telha e estamos conversados.
Por fim, o sr. Renato Cruz encerra sua notinha informando que o Brasil "é a segunda maior audiência do YouTube e está entre os cinco principais mercados do Twitter". 
Ponto final.
Mais nada.
O tom geral da nota me parece sugerir algo de comemorativo. Como sói acontecer hoje em dia quando leio alguma matéria na imprensa dita especializada, fiquei confuso: será um texto jornalístico ou uma peça publicitária?
Não. A impressão foi essa mesma. A nota do jornalista não é neutra. Não é imparcial. Pelo contrário, decididamente exalta a "grande descoberta" do funcionário do Mark.
Não é pra menos! redarguiria o sr. Cruz caso fosse interpelado a respeito. O tal "produto" é revolucionário! Você desliga a praga do Facebook e lá está, bem no meio da sua tela, mais um anúncio a lhe recomendar que você estique seu pênis em dez centímetros, compre um Citroën por apenas trocentos zilhões de pesos, assine um canal da Sky para estar por dentro de tudo que acontece no Big Brother ou sei lá que raio de serviço ou badulaque Mark Zuckerberg quer que eu compre.
Mas nem é exatamente esse "meu" problema.
O problema que vejo nesse tipo de jornalismo que se deixa misturar desavergonhadamente com a publicidade é que nunca há sequer um resquício de visão crítica em tais matérias. Para o sr. Cruz, parece ser uma maravilha que a empresa do Mark tenha descoberto mais uma forma, dentre tantas milhões que já "descobriram", de atazanar a paciência do pobre usuário.
Onde estão as reportagens sobre o calvário que se tornou navegar por sites de jornais e revistas — ou qualquer grande site "conteúdo-intensivo" — atualmente? Ler o portal do próprio Estadão hoje é sinônimo de tortura, mesmo para assinantes. Assistir a um vídeo no YouTube é um acinte. Esses caras estão conseguindo tornar um inferno uma experiência que até há pouco tempo prometia abrir um novo mundo de entretenimento e informação sem as pestilentas propagandas.
Christ, não há um limite nunca?
Mark Zuckerberg já não garfou mais que todos seus descendentes poderão torrar até o ano 3000, se este planeta ainda existir até lá?
E a nefasta padronização dos comportamentos online, com bilhões de indivíduos submetidos a um único ambiente, induzidos a reagir da mesma forma aos mesmos estímulos, instados a xeretar na vida alheia, encorajados a invejar a vida alheia, instigados dia após dia a "curtir" as ações alheias como autômatos condenados a clicar naquele maldito botãozinho.
O deslumbramento com cada novidade surgida no mundo online não pode nos levar a todos a uma aceitação acrítica de tudo que nos queiram empurrar goela adentro. É extremamente paradoxal que a interatividade cibernética e seu imenso potencial de fomentar a expressão individual esteja sendo aos poucos soterrada sob esse ambiente cada vez mais dominado pelo comercialismo. O mercantilismo acima de tudo, o (fabuloso) faturamento dessas gigantescas empresas a níveis ilimitados, a priorização da publicidade de todas as maneiras possíveis, em cada canto da tela possível, tudo isso está tornando a atividade online terrivelmente pobre, frustrante e exasperante. Pior: estão nos tratando hoje como a tevê sempre nos tratou: meros consumidores sempre sujeitos a toda e qualquer oferta publicitária, usuários cada vez mais passivos com direitos de manifestação e intervenção cada dia mais vilipendiados.
A mim pessoalmente me entristece que o Brasil seja a "segunda maior audiência" do Facebook. Não vejo "graça" nenhuma em saber que milhões de pessoas estão, neste momento em que escrevo, vivendo exatamente a mesma experiência. A maioria, talvez, escravizada sob aquelas horríveis fofocas sobre as celebridades e suas vidinhas de insetos inúteis. Para quem esperava, como eu, que a internet fosse acelerar a  solução dos graves, dos profundos problemas que enfrentamos há milhares de anos através do aumento da conscientização, da educação e, consequentemente, duma ativa participação social e política, é absolutamente decepcionante ver que os malditos publicitários aos poucos vão transformando o sonho em pesadelo com sua insaciável gana por dinheiro e poder.
Por fim, uma recomendação:
Quando você ler uma matéria ligeira dum jornalista deslumbrado com a última novidade cibernética, tente descobrir quem está levando alguma vantagem, Mark Zuckerberg ou você.




Blogando 0063

Estava com
você sonhando
que estava
com você

February 11


Uau au au au
segunda de
carnavau
50 anos da
morte de
Sylvia

Não, não fiquei todo esse tempo de tocaia à espera da data. A lembrança do dia foi apenas uma coincidência. Estava relendo a introdução de Ted Hughes a The Collected Poems, editado e organizado por ele. Hughes inicia a primeira linha exatamente com “By the time of her death, on 11 February 1963”...
Fiquei feliz qual um menino quando saquei. Em parte porque não dou nem nunca dei maior importância a elas, coincidências. Desde muito cedo vi que são apenas o que são, não sinais disso ou daquilo ou de clarividências como querem os supersticiosos. Se a realidade já me rouba quase todas as certezas, que dirá os delírios, as esperanças de que a vida devia ser o que não é. E, pensando bem, sequer posso afirmar que tenha sido um daqueles casos de “estar no lugar certo na hora certa” (generalização igualmente cara aos cultivadores de crendices, também característica dos que se deixam iludir por delírios esperançosos, os que exaltam em escritores como Gabriel Garcia Marques a imaginação, que para mim é escandalosamente previsível e sacal). Pois, em se tratando de Sylvia, estou (quase) sempre na hora certa no lugar certo. A leio praticamente a cada dia. Coincidência de fato teria sido se o 11 de fevereiro tivesse arrebatado o olhar dum vivente entre os bilhões que jamais ouviram falar da criadora de Ariel.
Em The Collected Poems, Ted Hughes (para quem não sabe, ex-marido da poeta) reuniu a maior parte da produção de Sylvia, sob a preocupação primeira, conforme explica na introdução, manter a cronologia correta dos poemas. Tendo vivido com Plath até dois anos antes de sua morte, Hughes descreve como e onde (re)encontrou a maioria dos poemas em revistas e jornais para essa coletânea. E relata — infelizmente, apenas en passant — que foi testemunha da confecção de vários deles, sobretudo alguns pertencentes ao que chama de “terceira e última fase”. Em aparte devo dizer que nessa introdução Hughes em nenhum momento dá uma de gaiato se exibindo ou botando banca por ter estado lá como marido. A trata sempre como “Sylvia Plath” ou “a poeta”, não se permitindo tons de intimidade em que outros em sua situação facilmente resvalariam. Do começo ao fim se preserva sóbrio e algo frio. Como aparte do aparte acrescento que fiquei imaginando — e esperando — que, sendo poeta, ele baixaria a guarda, se entregando à emoção, partindo para as confissões tão aguardadas por leitores interessados nas futricas que rodam o mundo em torno da vida e do suicídio de Plath.
Não vou fazer um panegírico de sua morte. Poetas de verdade não o merecem. Homenagens, sejam em vida ou fúnebres, devem ser guardadas para colossos morais como José Sarney ou Lula da Silva, essa gente destituída de honradez e que por isso mesmo precisa que se lhes enalteçam a mediocridade. Deixo para os desinteressados da poesia a tarefa de lamentar que Plath tivesse apenas trinta anos quando encheu os pulmões de gás de cozinha na mais pútrida de todas as flores: a da idade. Que chorem eles pelas sabe-se lá quantas centenas de poemas desaparecidos ainda na se-mente na atormentada-mente. E que lastimem que as circunstâncias que envolveram o episódio de sua morte, as repetidas traições cometidas durante o casamento por Hughes, por sua vez poeta maior, os evidentes sinais de padecimento psíquico e o trágico, tétrico do palco e da cena que escolheu para seu suicídio tenham sido os grandes impulsores de seu nome ao estrelato literário. Desde fevereiro de 1963 até hoje tem-se falado muito mais de sua biografia que de sua poesia, até que esta se eclipsou sob aquela. Escreveram-se inúmeras biografias de Plath e, de Hughes, uma “não autorizada”. Após o episódio, uma legião de feministas apontaram seus dedões em riste para Hughes, o acusando levianamente de responsável pela morte da ex-esposa, cobrindo-o de insultos em eventos de que participava, alegando que empurrara Plath até aquele episódio sinistro. E se redigiram incontáveis “análises psicológicas” — umas, razoavelmente honestas, outras, decididamente psicanalhas — contra Plath no afã de enaltecer, explicar ou meramente vilipendiar sua obra.
Entre os próceres do métier literário que não enxergam qualidade na poesia de Sylvia Plath está Harold Bloom, o mais popular dos críticos literários da atualidade — e no entanto um dos mais prestigiados na academia, por paradoxal que soe. Ficaram célebres os maus bofes com que foi obrigado a se debruçar na obra de Sylvia. Não poupou nem seus poemas nem seu romance The Bell Jar.
Entendo, até.
Cito um trecho do livro Bloom’s Major Poets:
“A poesia norte-americana do século 20 é imensamente rica em mulheres de gênio: Gertrude Stein, Hilda Doolittle, Marianne Moore, Louise Bogan, Léonie Adams, Laura Riding, Elizabeth Bishop, May Swenson, Amy Clampitt e várias poetas vivas. Se acrescentarmos a grande poeta canadense Anne Carson, que está à altura de qualquer poeta vivo atualmente, pode-se dizer que se estabeleceu um padrão extraordinário. Por esse padrão, dificilmente pode-se elogiar em Plath muita coisa além de sua sinceridade. No entanto, Plath claramente atende a uma necessidade, nem estética, nem cognitiva, mas profundamente afetiva. Nesse sentido, continua sendo uma escritora representativa e o fenômeno de sua popularidade é digno de meditação crítica. Talvez deva ser colocada na categoria da poesia popular, na companhia da assaz diferente (e maravilhosamente bem-humorada) Maya Angelou.”
Quis traduzir o trecho acima para deixar claro o significado de que “dificilmente pode-se elogiar em Plath muita coisa além de sua sinceridade”, em minha opinião bom indício de que Bloom parece não dar maior importância à honestidade com que um poeta trabalha sua matéria prima, ou seja, si mesmo. Comecei a escrever aos 13 anos e posso declarar com a mão sobre a Bíblia (ao menos para mim mesmo, pois que sou meu mais interessado leitor), que a maior peleja de qualquer escritor ou artista é precisamente reunir, a cada minuto em que se ponha a esmiuçar a própria alma buscando transcrever sua verdade, coragem para evitar cair na autoempulhação. Aos que não escrevem a sério, cabe um alerta: o autotrambique pseudoliterário é muito mais corriqueiro do que possa parecer, creiam. Posso, portanto, declarar solenemente que, se o segundo maior crítico literário está alheio a tão trivial — mas não menos importante — componente do fazer artístico, então não é nem de longe o segundo maior crítico literário nem de hoje nem de nunca.
Lá se vão cinquenta anos, e virão outros tantos, de mistificação, mitificação, fofocaiada digna das páginas de tevê da Folha de São Paulo, frivolidade à altura das “reportagens” da Vejinha, literatice traficada em cadernos especializados dos jornais, psicanalhismo que não requer qualificativos, crítica literária sempre apresentada em enciclopédicos ensaios em que os autores esbanjam a tão familiar autossuficiência cafona do professor a regurgitar sapientismo. E o suicídio, as circunstâncias em que foi cometido, as duas crianças a dormir “angelicalmente” no quarto ao lado, a possibilidade de que a mais velha, Frieda, então com dois anos, deparasse com o cadáver da mãe no chão da cozinha diante do fogão (há “controvérsias” sobre tal possibilidade, o que serve apenas para demonstrar que todos já viraram do avesso tudo que se refere à vida da poeta e todos acham que têm algo a dizer a respeito). A imensa maioria obviamente idolatra o totem constituído de poesia visceral que deu cabo da própria existência num drama à altura de seus versos. Harold Bloom talvez a abomine exatamente por isso.
Terá Plath, aos olhos do professoral Bloom, cometido a heresia de permitir que a sujeira de sua vidinha de sofredora ordinária maculasse a sacralidade da Poética que se tornou divina, fora do alcance do intelecto humano, a partir do instante em que o bravo caçador Shi Bao Tiao declarou seu amor em versos à arrebatadoramente bela Fang Mu Rui num povoado perdido no meio de Cantão no ano 6837 a.C.?
Como seria de esperar, um justiceiro literário com o poder de fogo de Harold Bloom já abateu muitos outros escritores e poetas malfeitores em suas temidas razzias pelo Velho Oeste.
Um dos enganadores das letras que foi desmascarado pela metralha verbal de Bloom é o nosso velho conhecido Edgar Allan Poe.
O professor de Yale e orientador da Camille Paglia, sua fiel escudeira mundo erudito afora, vê em Poe “o maior enigma da poesia americana”. Poemas como “O corvo”, “Os sinos” e “Annabel Lee” não passam de jingles (afirmação nem um pouco original, aliás). Se existem alguns que não são ruins é porque imitam Byron, Coleridge e Shelley. E os contos de Poe não ficam atrás em termos de ruindade. Para Bloom, são “pesadelos da dicção e da visão”.
Mas o que aparentemente mais perturba o delicadíssimo senso estético de Bloom (que, ao que eu saiba, jamais verteu um só verso em sua longa existência de caçador de falsos poetas) é a enorme popularidade do autor de A máscara da morte escarlate, com maior número de leitores que os consagradérrimos Walt Whitman e Robert Frost.
Não sei para vocês aí fora — com perdão do americanismo —, mas a mim me evoca um tipo de conspiração que, em sua ojeriza a Poe, Bloom esteja ecoando outros críticos ilustres do genial bostoniano (ou autor de O corvo, como preferirem) como T.S. Eliot (em From Poe to Valéry, 1949).
O ensaio de Eliot sobre Poe se inicia assim:
O que pretendo aqui não é uma estimativa judicial de Edgar Allan Poe; não estou tentando decidir o posto que ele ocupa como poeta nem isolar sua originalidade essencial. Poe é realmente um obstáculo para o crítico judicial. Se examinarmos detalhadamente sua obra, não encontraremos senão uma escrita desleixada, um pensamento pueril sem a sustentação duma leitura ampla ou erudição profunda, experiências aleatórias em vários tipos de escrita, em geral feita sob a pressão da necessidade financeira, isenta, em todos os detalhes, da perfeição. Isso não seria justo. Mas se, em vez de considerar sua obra analiticamente, a olharmos de longe, como um todo, veremos uma massa de forma ímpar e de tamanho impressionante para a qual o olho retorna constantemente. A influência de Poe é igualmente desconcertante. Na França tem sido imensa a influência de sua poesia e de suas teorias poéticas. Na Inglaterra e na América, parece quase insignificante. Será possível indicar qualquer poeta cujo estilo pareça ter sido formado por um estudo de Poe? (...) mas quanto a Poe nunca terei certeza.
É curiosa essa introdução de Eliot à obra de Poe. Logo de cara o genial autor de Terra arrasada adverte que seu texto não é uma “estimativa judicial”, para em seguida decretar dogmaticamente que a escrita de Poe é desleixada, seu pensamento, pueril e sua cultura, sofrível. (Depois dizem que o bipolar sou eu.) Pior ainda: Poe escrevia por “necessidade”, credo!
Antes de prosseguir, me permitam um ligeiro parêntese. Como todos que lidamos com as palavras sabemos, Eliot foi um poeta refinado e elegante, egresso de família da classe média abastada americana que futuramente se mudaria para a Inglaterra, adotando modos, hábitos e cacoetes de aristocrata britânico. Homem de Harvard, o suprassumo acadêmico de seu país, e depois filósofo pela Sorbonne, foi também um marido exemplar. Em 1932, quando retornou aos EUA, abandonou na Inglaterra sua esposa Vivienne, que em 1938 seria internada num sanatório onde permaneceu até morrer em 1947. Durante o longo período de internação, Vivienne jamais recebeu uma visita do marido.

(Certo, segundo os estruturalistas, a vida dum autor nada tem a ver com sua obra. Que o digam o pró-fascista Pound e o pró-nazista Céline. De minha parte, concordo até certo ponto. Mas a questão aqui é exatamente especular se o suicídio de Plath e a projeção que sua poesia ganhou posteriormente à sua morte têm alguma influência ou mesmo fortaleceram a antipatia de Bloom pela obra da poeta.)
Retomando o ensaio de Eliot, me admira que ele não o tenha usado para acusar Poe de vagabundo, bêbado e viciado em ópio e haxixe, no que estaria, por assim dizer, coberto de razão.
Mas o criador do sublime poema Homens ocos, ao bater o martelo sobre o “desleixo” de Poe, não está sozinho entre os grandes da literatura em seu cuidado em evitar uma “estimativa judicial”. William Butler Yeats, o excelso poeta e dramaturgo irlandês, classificou o estilo de Poe de “tawdry”, vocábulo arretado que eu verteria entre “espalhafatoso” e “bocomoco” (mais este que aquele, talvez). Cumpre notar que, ao contrário de Edgar, que desperdiçava sua vida inútil em dissipação nos botecos de Boston em incessante comunhão etílica com marinheiros e carnal com prostitutas, o prendado W.B. exerceu, entre outros, o prestigioso cargo de senador. (Vejo na Wikipedia que ele foi, ainda, galardoado (sic; pobrezinho) com o Nobel de Literatura de 1923.
(Mais um aparte: W.B. Yeats havia morado no mesmo apartamento em que Plath tirou a própria vida. Essa, sim, é coincidência digna de consignação, como diria um aluno do Roberto Schwarz.)
E vejam só que ironia: até mesmo o bandalho D. H. Lawrence veio meter sua... colherzinha no angu tachando o estilo de Poe de... “extremamente vulgar”.
Para finalizar em grande estilo esta seção dos antipatizantes de Edgar Allan Poe e dos literatos que, para ojeriza dos críticos, não fazem ou fizeram de sua arte um trabalho de ourivesaria, tenho de citar o superintelectual inglês Aldous Huxley, que, como todo superintelectual, tem sempre algo a dizer sobre o que quer que seja.
Huxley abre um ensaio que denominou Vulgaridade na literatura se perguntando se Poe era um grande poeta, a seguir se valendo do pretexto da dúvida para explicar por que em sua opinião Poe escrevia mal. E para justificar o título do ensaio, compara a escrita de Poe a alguém que use um anel de diamante em cada dedo, o que é indesculpável para homens sensíveis e requintados. (E, convenham, que comparação mais ruinzinha, essa.)
Voltando ao segundo maior crítico do mundo, sabe-se sobejamente que Bloom emprestou sua celebridade para editar e escrever a introdução duma grande coleção de 21 volumes chamada “Bloom’s Major Poets”, na qual uma penca de ensaístas, sob o amplo e acolhedor guarda-chuva do mestre, discorrem sobre os mais populares e/ou citáveis poetas (todos de língua inglesa, salvo engano), Plath e Poe inclusos.
No volume dessa coleção dedicado a Poe, a introdução de Bloom começa assim:
Meu prefácio lamenta a inadequação estética da poesia de Poe, embora conceda que isso, de forma alguma, iniba sua permanente popularidade.
Ao passo que a introdução sobre Plath começa assado:
Meu prefácio sugere algumas reservas que ainda sustento quanto à eminência poética de Plath, embora reconheça que ela se tornou um exemplo de Poesia Popular.
Bem, como não tenho vocação analítica nem queda para uma visão lógico-despenteada das coisas da academia, do mundo dos gênios, da vida dos poetas, vocês vejam aí que é que, se é que, isso significa.
Harold Bloom é o segundo maior crítico literário vivo e não serei ridículo a ponto de concordar ou discordar dele. (Mas Marjorie Perloff dá uma boa peitada no cara em http://www.bostonreview.net/BR23.3/perloff.html.) Para Bloom a poesia de Plath é “derivativa”, julgamento impiedoso e, IMHO, extremamente injusto. E tenho do meu lado ninguém menos que Camille Paglia, que foi orientanda dele no Harpur College e considera Daddy um poema “central” do século 20. Data venia, me permitirei um palpite sobre a posição de Bloom quanto à poesia de Plath:
Bloom não aceita que a biografia de Plath tenha superado sua obra em termos de fama, colocando sua vida, em inúmeros círculos e circuitos de debate, acima de sua poesia. Ante o resfolegante personalismo que bafeja tudo e todos hoje em dia, parece razoável. Nas palavras textuais dele, “A reputação contemporânea é o guia mais inapropriado para a sobrevivência canônica.”
Não há como refutar Bloom quando, da poeta Adrienne Rich, ele diz ser “de inacreditável ruindade, pois segue os critérios em vigor hoje em dia: tudo que conta são raça, gênero, orientação sexual, origem étnica e propósito político do pretenso poeta.” Não por acaso, Bloom inclui Plath e Rich no que denomina “Cultura do ressentimento”.
Mas há algo de cruel na imparcialidade científica com que ele atira na vala comum todos os poetas confessionais. (Não vou chamar atenção para o termo com aspas.) Anne Sexton é tão desprezível quanto qualquer metido que desande a poetizar suas experiências emotivas particulares. (Será que o último período mereceria um tratado à parte? Mereceria. O que não, na grande poesia?) Uma porção, a mais poderosa, há décadas pugna para que a vida do autor não se intrometa em sua obra, princípio que se exacerbou depois do estruturalismo. Continuo, ainda, me perguntando que mal podem fazer as confissões? Os críticos anticonfessionalistas defendem que a poesia deve ser considerada por sua lógica interna, o que constituiria uma posição formalista. Como se sabe, o cânone para Bloom é, obviamente, Shakespeare. Nos tempos do bardo de Avon dificilmente seria possível que um poeta se exprimisse na primeira pessoa (será por isso que abundavam as vozes impessoais?), primeiramente porque havia toda aquela montanha de roupa a vencer até chegar ao pobre coitado que jazia lá no fundo. A academia, e grande parte dos escritores tidos como relevantes, ainda hoje abomina olhar o mundo através do “eu”. No texto em que desanca a poesia de Plath, Bloom apela para um apótema (aforismo, para os não eruditos) de Wilde: “Toda poesia ruim brota de sentimentos genuínos”. IMHO, escolha não muito confiável de fonte (o que, para alguém da estirpe de Bloom, fala horrores). As blagues de Wilde, por mais perturbadoras e certeiras, são apenas isso: blagues.
E Wilde já foi muitas vezes acusado de se apropriar indevidamente de ditos espirituosos alheios. Um dos mais famosos, “a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”, que todo mundo e seu pizzaoilo credita a Wilde, na verdade pertence ao duque La Rochefoucauld.
Trocando em miúdos, Wilde não paira lá muito acima dos grandes escritores que ao longo dos tempos preferiram fazer graça a fuçar a verdade. Foi um, digamos, Gore Vidal do século 19. Em De Profundis, carta que escreveu ao ex-amante lorde Douglas durante sua (dele) estadia na prisão de Redding e, como tal, destinada a fins eminentemente epistolares, Wilde lava uma das mais patéticas roupas sujas da história da literatura mundial e já não ostenta a empáfia do brilhante frasista que gostava de rir de tudo e de todos até pouco antes. Se lamuriando numa cela imunda do medieval sistema carcerário inglês (que depois de solto denunciaria em duas longas cartas a um jornal), Oscar certamente já não podia reclamar que “toda poesia ruim brota de sentimentos genuínos”. Parece que determinadas certezas que desenvolvemos ao longo da vida no fim se mostram meros frutos das, digamos, circunstâncias. E podem mudar, talvez radicalmente, assim que estas mudam.
E encerro a participação de Oscar neste imbróglio lembrando que ele, Oscar, admirava Poe. Terá tão revelador detalhe escapado ao poderoso cérebro analítico de Bloom?
Consumidor exigente de poesia vertida pelas mãos nobres e certeiras de vates sãos e lúcidos, Bloom acusa tanto Plath quanto Poe de histéricos, no sentido clínico da palavra.
Sobre Poe, menciona textualmente sua “ruindade histérica”. Alhures, diz que, como crítico literário, não vê utilidade no que se convencionou chamar de “crítica cultural” e em sua opinião a má eminência (sic) de Poe resulta “do gosto popular pela repetição, por melodias fáceis, pela intensidade exacerbada e pela histeria por si só”.
Quanto a Plath, tem a declarar que a “Insanidade histérica (...) não é um sentimento que perdura em verso. A poesia depende do tropo, não da sinceridade. Acabei de reler Ariel (...) e me vi murmurando de novo o aforismo definitivo de Oscar Wilde: ‘Toda poesia ruim brota de sentimentos genuínos’.” (Com perdão da repetição.)
Histeria é um vocábulo frequente em seus ensaios. Nesse sentido só tenho a me regozijar que o mestre jamais botará suas pupilas de águia em qualquer garrancho da minha lavra. Na certa arreganharia o nariz e, enojado com tamanha carga de sinceridade histérica, cobriria seus ariscos olhos com a mão desossada(*).
(*) apud. Naomi Wolf. A encantadora feminista americana alega ter sido vítima de assédio sexual por parte do seu então educador em Yale. Ela o convidara para um jantar em sua casa, que aproveitaria para lhe mostrar um livro de poemas que escrevera. Sempre segundo a própria Naomi, Bloom passou a noite a sorver alentados goles do inebriante Amontillado que ele mesmo havia levado ao jantar. Assim que outros dois convivas se escafederam, a bela Naomi sentiu a citada mão desossada pousar solerte sobre sua (belíssima, diga-se) coxa. Vejam vocês mais uma vez aqui a manifestação do acaso. O Amontillado figura exatamente no conto The Cask of Amontillado, escrito por quem? Sim, ele mesmo: nosso sempre chapado Edgar A.P. Depois não digam que estou forçando a barra com esse papo de coincidência. Quanto a Naomi, na época estava precisando duma carta de recomendação do mão-boba para obter uma bolsa de estudos numa universidade e fez boca de siri sobre a alegada tentativa romântica do professor. Sabem quando foi que ela finalmente abriu o bico? Vintes anos depois...
No frigir dos ovos, Poe tem contra si os votos dos supramencionados Eliot, Yeats, Lawrence e Huxley.
A seu favor contam Baudelaire, Mallarmé e Valéry (os quais, segundo Bloom, só apreciavam a poesia de Poe por não terem bom ouvido para a língua inglesa.) Outros simpáticos ao grande precursor do movimento gótico foram o escritor André Gide e o crítico Paul Claudel. Mallarmé até o homenageou com o soberbo soneto Le Tombeau d’Edgar Poe, de 1816. E como se ainda fora pouco, outro grande fã de Poe era James Joyce, que, estivéssemos num programa de calouros, facilmente poderia decidir a contenda no tie-break.
Digamos que Poe e Plath tenham tido em comum algo que se manifestou com profunda contundência na obra de ambos: o fascínio e a obsessão pela morte.
Cujo culto, para Bloom, parece ser um pecado mortal.
Vou me abster de mapear a obra crítica de Harold Bloom em busca de sinais de simpatia e antipatia literárias envolvendo a relação de seus analisandos com a extinção. Tampouco farei uma lista dos poetas suicidas que ele criticou. Quero apenas anunciar — mais para efeitos que tal anúncio possa produzir em mim mesmo que em qualquer pessoa que me leia — que a poesia de Sylvia Plath não se esgota no divã dum psicanalista.
Uma das origens da má-vontade de Bloom para com Plath é que a vida dela com Hughes serviu de palco para um espetáculo cafona que no fim ofuscou a poesia de ambos. Sendo um dos paradigmas da crítica literária dos últimos 60 anos, ao lado de George Steiner, tendo criado o conceito do cânone shakespeariano e estudado tantos escritores cuja existência real pouco ou nada significaram em suas obras, deve ser inadmissível misturar biografia e literatura.
Críticos, estudiosos, ensaístas do “porte” de Bloom buscam enxergar uma ciência atrás dos versos dum poeta. Mais que alguém que expresse o que sente, procuram o artífice que lavre sílabas, fonemas, versos e ritmos que deem a “forma” mais apropriada ao “conteúdo” numa garimpagem cuidadosa, disciplinada que produza pepitas cujo fulgor nos ilumine o cérebro e nos inebriem os sentidos em jorros de luz que nos deixe entrever o que ocorre em nossa treva interior.
Um supererudito como Bloom não lê poesia mas se haure de dados em forma de versos que são computados pela hiperinteligência que o habita qual um animal inumano equipado com zilhões de processadores que instantaneamente cruzam uma infinidade de informações para exibir ante nosso olhar deslumbrado a mais intricada rede de referências literárias. Para justificar sua repugnância aos poemas de Plath, Bloom cita dezenas de outros poetas que considera superiores a ela, a maioria dos quais nunca li nem lerei, muitos dos quais não conheço sequer de ouvir falar. Quem leu O espírito e a letra, de Sérgio Buarque de Hollanda, sabe a que me refiro. Outro ilustrativo exemplo pátrio de hipererudição com que você não consegue dialogar enquanto lê é a superobra do super Otto Maria Carpeaux (aliás, o único intelectual, até onde sei, que não hesitou em dar um belo esculacho em Aldous Huxley por este ter bancado o supremo asno literário ao proclamar que “um criminoso nunca poderia escrever um bom poema”.
Outro que sabe do que estou falando é quem leu a inacreditável análise linguística Os oximoros dialéticos de Fernando Pessoa, de Roman Jakobson (com ênfase no “á”, como gostava de pronunciar seu despachante no Brasil, Haroldo (nenhuma coincidência) de Campos).
Não sei o que o primeiro maior crítico do mundo teve a dizer, se é que disse algo, sobre a poesia de Plath. Estou me sentindo até um tico melancólico pensando na peleja que sintetizei dos simpatizantes versus antipatizantes de Poe. De que lado fico, Joyce ou Eliot? Lawrence ou Mallarmé?
Por que tudo está tão quieto, que é que escondem?
Tenho duas pernas e vou andando sorridente
Eis com quem fico.
Bloom e seu clube de intelectuais profissionais não aceitam que o vendaval emocional de Plath seja uma das fontes de sua poesia. Preferem que apenas a disciplina, o senso de tarefa do poeta se envolva no fazer poético e que o produto final possa ser medido pelos termômetros anímicos que têm dentro do cérebro.
Agora o feminismo.
Leio em um site perdido na bruma internética uma postagem de 19 de setembro de 2010 de alguém que se identifica como Katrina. O comentário de Katrina se refere a uma foto em que estão Plath e Hughes e é o seguinte:
“Não consigo imaginar um homem que pareça mais perigoso do que este”.
São, Christ, cinquenta anos de feministas a revolver o defunto e a babar espuma pelos bicos de abutres, querendo picar o fígado do mulherengo Hughes que trocava de mulher como quem faz a barba todas as manhãs. Alguém com o nome Robin Morgan chegou a escrever um poema com o nome The Arraignment em que acusa Hughes pelo assassinato de Plath e o condena por receber direitos autorais relativos à obra da esposa e o ameaça de cortá-lo em retalhos e depois enfiar seu pênis em sua boca (dele, não dela).
Uma busca no google levanta milhares de links de exasperante bobajada feminista em torno da “vítima” e sua infinda lamentação sobre as agruras duma mulher da década de 1950 e início da de 1960. The Bell Jar foi publicado na Inglaterra em janeiro de 1963, menos de um mês antes do suicídio de Plath e só seria lançado nos Estados Unidos dez anos depois. Uma tal Jeanette Winterson, das mais radicais, não se esquece de mencionar que à época Trópico de Câncer, de Henry Miller, era relançado nos EUA após ficar interditado por muitos anos. Nas palavras de Winterson, Miller é um misógino e seu livro é um “masterpiss” (nota dez pelo inspirado trocadilho) em que metade da população vive na zona, todas as mulheres existem para dar (as ricas, para que se lhes tirem a grana, as pobres, para enfrentarem a pia e o fogão). No fim Winterson lasca: “como é que uma mulher não ficaria louca num mundo desses? Como é que uma mulher talentosa qual Plath não ficaria terminalmente deprimida ao ponto do suicídio? Valium não muda o mundo. O feminismo, sim.”
Eis como a literatura pode servir a propósitos específicos ao gosto do freguês. A poesia de Plath, eivada de desespero, vibrante de nervos, convulsionada de violência emocional e gana de viver dolorosamente frustrada a cada novo ângulo de seu olhar, a cada nova promessa no toque dum recém-conhecido, densa qual a antimatéria dos desejos e dos sentimentos impossíveis de realizar, a poesia de Plath, cada um de seus consumidores, “grupos de estudo”, facções políticas e acadêmicos indolentes fez e faz dela pretexto para corroborar suas posições à conveniência da hora. A pequenez não tem limites, tem comprovado a física a cada dia que passa. No caso de Plath, a grandeza idem. Eis como fazer gato e sapato duma hipersensibilidade poética. Cinquenta anos depois se discute até mesmo se os prozacs nas prateleiras das farmácias poderiam tê-la salvado. Há advogados do sim e do não. Os últimos alegam que hoje em dia os índices de suicídio estão bem mais elevados que naquela época. As feministas parecem se dar por satisfeitas pelos apupos a que submeteram Hughes por anos a fio, praticamente soterrando a reputação dele como um dos maiores poetas da Inglaterra. Os explicadores que pensam deter o segredo da mecânica da vida enxergam na poesia de Plath apenas os sintomas dum intenso desequilíbrio psíquico.
O crítico Steven Gould Axelrod tem algo muito interessante a dizer sobre tudo isso: “O paradoxo de que os textos de Plath não podem ser lidos através de biografias nem fora delas”. Para puristas feito Bloom, um acinte.
Ontem caiu um meteoro na Rússia e não na minha cabeça, como tanto esperava.
Não, você não dormiu e acordou lendo outro texto. Ainda sou eu falando de Sylvia Plath.
Às vezes também chego a picos de gênio, como em blogando 0057. Acontece, em casos como o meu, sem querer. Quem poderá me crucificar? Não temos, não tenho culpa de nada. Quando nasci pensei estar vindo a um mundo em que poderia usufruir dum mínimo de liberdade, livre arbítrio, laissez-faire, não este inferno em que estou hoje, povoado de robôs facebookianos e alimentado de ar irrespirável.
Vou ficando por aqui antes que estes vagos devaneios a fluir pela noite já escura deste fevereiro desenxabido ameacem virar dissertação de mestrado. Logo eu, que mal conseguia produzir duas linhas quando a professora Ivone passava a dissertação “minhas férias”.
Depois de tanta filosofice, ainda não sei por que raios fui me meter a comemorar o aniversário da morte de Sylvia Plath. Tenho repulsa por comemorações, sejam a que título for. A pobre Plath não devia nem ter nascido, pra começo de conversa. Sofreu pra burro.
Como todos nós sofredores, à toa.
Apesar dos sentinelas da vida alheia, os críticos, chegou perto de nos explicar, a nós zumbis cheios de afoiteza e sofreguidão, por quê.
Plath não devia ter nascido nem ninguém. Este inexplicável planeta ficaria assim destituído destes esdrúxulos seres vindos do nada a carregar uma melancia em cima do pescoço, balangando com a elegância dum boneco-chamariz duma loja de automóveis esses dois apêndices superiores que nos saem do ombro à medida que mexemos a custo esses outros dois apêndices inferiores, divididos por desconexas articulações, sem rumo certo.
O meteoro que mirou os coitados dos russos que passam a vida no gelo inebriados de vodka pesava sete mil toneladas, leio no Estadão. Jesus, bem menos do que eu. E não me pergunte como pesaram. Só sei que eles sabem pesar um meteoro mas não sabem tirar das ruas de Sampa a molecada que cheira cola e baba coca. Certo, Bloom torceria seu narigão que nunca para de farejar o vento à procura do grande cânone mundial ante tão sentimentalóide declaração. Quer entrar pra patota? Então seja comedido, discreto, circunspecto. Mantenha o olhar perdido na distância. Longe das mazelas demasiado humanas. Melhor: dispa-se de toda humanidade. Só assim poderá transvazar a poesia genuína, isenta dos nossos hormônios, lavada das nossas excreções, purgada dos nossos horrores. Sobretudo, não se esqueça de que a poesia pertence ao reino e ao reinado da todopoderosa palavra, onde nasce, onde morre. Por nossa patética vez, nascemos sem palavra e morremos sem palavra e por isso mesmo nos cabe a nós poetas exatamente aquela que não nos coube para expressar o que somos.
Ou não expressar o que não somos.
Pra encerrar, uma resposta que minha cozinheira Oraldina (podem rir mas é verdade) sempre me dá quando reclamo da comida:
“Não gostou, é? Então para de criticar e vem aqui no fogão fazer melhó!”
Pronto, acabei de inventar o ensaísmo confessional.