Blogando 0069

Acabei de chegar do meu último passeio com Zezeí.

Ela de língua de fora, eu exausto. Tô com preguiça de usar as devidas vírgulas.

Fizemos o caminho de sempre. À esquerda até a próxima esquina, à esquerda de novo, até o fim da rua, esquerda mais uma vez, até a próxima esquina, esquerda, até a próxima, esquerda. Mais umas dezenas de passos até retornar ao ponto de partida.

Viu como escrever pode ser útil às vezes? Se não escrevesse não poderia ter visualizado graficamente o trajeto que faço quatro, cinco vezes ao dia nem me dado conta da crueza dos meus rumos. Pobre Zezeí, nem lhe passa pelo cerebrozinho de pintassilgo assustadiço que a obrigo a tomar tantas esquerdas neste malsinado meteoro que chamamos de planeta em sua vidinha d'um segundo.

Quando viramos a primeira esquina Zezeí correu para a sarjeta como é seu costume e se retesou desde o focinho até a ponta do rabicó naquela pose agônica típica em que os cães parecem que vão saltar até as nuvens e fez os três charutinhos de cocô de sempre. Recolhi num saquinho do Extra (não dos melhores para a finalidade), dei um nó não muito apertado e atravessei a rua para jogar na lixeira que o prédio em frente oferece aos passeadores de cachorros como cortesia.

Quando voltávamos para a nossa calçada avistei um envelope caído na guia, perto dum monte de galhos e folhas secas que o gari tinha juntado para recolher depois.

Era um envelope pardo (mãe, agora sei o que é um envelope pardo).

Zezeí seguiu em frente rumo ao seu destino enquanto eu olhava para cima e para baixo sei lá bem para quê.

E um enorme helicóptero branco passou sobre nós num voo rasante desses que sempre me lembram Apocalipse Now, um dos poucos filmes assistíveis do século 20.

Ninguém estava olhando, então me agachei e fiz o que parecia direito então fazer.

Não havia destinatário nem remetente. Só a palavra "verdade" em letra bem-feita escrita em pincel atômico azulão.

Se não fosse tão cedo nesta manhã de calor infernal, teria rido (nada muito definido — apenas um risinho talvez, provavelmente íntimo).

O envelope estava colado. E dentro dele pude ver uma folha de papel branca.

A essa altura Zezeí tinha parado no meio da calçada, esperando minha decisão. Está acostumada às minhas mudanças repentinas de rumos. Posso ir e voltar várias vezes pelo mesmo quarteirão sem que ela esboce o menor sinal de questionamento. O que me deixa surpreso invariavemente. É meu exato oposto — nada nem ninguém há neste mundo que eu não questione a cada segundo. Sou um questionador.

Por fim dobrei o envelope e enfiei no bolso traseiro direito das minhas calças cáqui. Vou levar para casa, deixar descansar uns dias. Até decidir se guardo ou jogo fora. Uma coisa é certa: não vou abrir. Não sou mais criança.

Chegamos em casa, pego um uísque, encho de gelo até a boca e subo para o computador, onde estou neste exato instante.

Zezeí dorme debaixo da minha cadeira.

Abro meu arquivo de Emily Dickinson. Não aguento ler dois versos seguidos. Tem hora a poesia me encalha no estômago qual um paralelepípedo.

Clico em Leaving on a Jet Plane, de John Denver. 

All my bags are packed, I'm ready to go, I'm standing here outside the door, I hate to wake you up to say goodbye.

Already I'm so lonesome I could die.


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