A professora, com seu jeitão de
professora, lá de sua mesa aponta o indicadorzão pro meu lado e lasca:
Você!
(Você aí com essa carinha sonhadora!
esses olhinhos castanhos tristes, esse ar preguiçoso de quem não nasceu pra dar
duro, nem pra dar mole... Sim, você! que desistiu antes de travar as lutas que
te cabiam. E travou cada uma das que não existiram. Você, sim! que parece estar
aqui e mil outros lugares ao mesmo tempo e em lugar algum também. Você aí! sujeitinho
monossilábico, mais que calado, taciturno, mais que arredio, clandestino, você!
que não se importa quando teus suspiros de desalento chamam a atenção dos que
estão em volta, você, que passa a aula debruçado nessa tua estranhíssima, nessa
tua particularíssima janela voltada para dentro, alheio à paisagem, indiferente
aos murmúrios ameaçadores dos anjos, aos cochichos sedutores das feras. Você! festivo
carcereiro de si mesmo, debochando dos que aspiram à liberdade do mundo, títere
do ventríloquo do ventríloquo do títere. Sim, você! Que pergunta e tampa os
ouvidos para não escutar a resposta, que adiciona para subtrair, que se põe de
pé para repousar, que não aprendeu a repudiar o mal e se proteger da dor, você!
que vive para esperar a morte e vai morrer sem ter querido viver, que engole a
metafísica pelo encanto dum rosto, por mais vulgar, você, diga! quanto é oito
vezes quinze?)