Memórias Livres do Cárcere Químico, Enfim VI

Tenho umas ideias, só rezo pra não resvalar pro bacharelismo mestre-escola.

A introspecção (introspeção? maldita reforma) na narrativa é tendência nascida com o poderoso avanço tecnológico do século 19, ao mesmo tempo em que novas teorias sobre o papel do homem (e, às vezes, da mulher também) no planeta botavam do avesso as visões em voga. As principais (teorias) foram o darwinismo e o marxismo, que produziram epilépticas (ou...?) convulsões na cultura em geral e na arte em particular. Com o primeiro o homem (e a mulher...) se distanciou ainda mais de deus. Com o segundo começou a sacar que nem tudo que painho perorava na Casa Grande era lei.

Não por coincidência, começaram a perder sentido então o figurativismo nas artes plásticas (que adiantava concorrer com as câmaras fotográficas?) e as longas, hiperdetalhistas descrições do mundo externo. Por isso hoje em dia os retratos realistas emboloram na feirinha de artesanato da Praça da República. Por isso também é tão difícil ler, por exemplo, Germinal, de Zola, que levava dois dias pra explicar que Ethienne estava doente de tanto aspirar pó de carvão lá no fundo da mina, ou Educação Sentimental, de Flaubert, em que o gorducho escritor gastava 8 ps. para descrever o vestido da sra. Arnoux, por quem Frédéric Moreau caiu de quatro.

Como era de esperar, as proezas da técnica acabaram por parir um mundinho besta, vazio e sem-graça em seu materialismo tacanho. Deus foi perdendo ibope, a religiosidade virou questão "de foro pessoal" (essa é ótima), o espiritualismo foi pro saco. Com a perda do mundo, grande parte dos artistas (escritores inclusos) deram de buscar sentidos dentro da própria cachola e falar sozinhos feito bobos. 

Foi nesse contexto, hehehe, que surgiram cabras como, entre uma cacetada de outros, Hemingway, por cuja idolatria etílica alimento especial idolatria. O cachaceiro Ernest, dono do mais prodigioso fígado da literatura mundial, se recusou a filosofar pras paredes e zarpou Europa afora em busca do heroísmo perdido, metendo o peito na Primeira Guerra, vociferando por mais sangue e mais Asti no copo nas praças de touros espanholas e desenvolvendo seu fantástico "estilo da omissão", em que usava ausências para criar uma sensação de profundidade. Entre um conto e outro e um gole e outro, Hem tirava sua Luger e destroçava cabeças de galinhas, como diz Salinger sobre o encontro que ambos tiveram. Só que a crítica daquele tempo dava muito mais bola pra Fitzgerald e então Hemingway tirou uma do tamanho do piu-piu de Fitz em Paris é uma festa. Ainda hoje tem gente que torce o nariz pra Hem. Okay, desafio esses críticos a escreverem com um décimo do talento do homem. Resumindo, os dois e vários de seus contemporâneos acabaram por estabelecer e consagrar o heroísmo do ordinário.

Bem, então apareceram os estruturalistas, que acabaram com a farra de misturar vida e obra, até serem massacrados pelo genialérrimo grego Castoriadis. Mas aí o mal já estava feito. Inteleca francês é uma praga.

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