Como escrever bem e ainda ser feliz


Depois desse sábado e domingo, dois últimos dias, bebendo à la Ernst Hemingway, escrevendo à la Ernst Hemingway, pera lá, ninguém escreve como Ernst Hemingway, o mais injustiçado dos grandes do século prévio só porque ousou dizer que Fitzgerald tinha um Manuel da Costa Pinto pequeno, será Paris é uma festa o melhor, pergunto sem interrogação, e daí, pergunto sem interrogação, 67 por cento dos homens leva nada mais que uma amostra grátis no meio das pernas, não à toa mais ou menos 67% dos homens é mais mentiroso que cem por cento, Hemingway é um bálsamo depois de você derrapar no piso ensaboado da cozinha para cair de cara dentro do liquidificador do vanguardismo, professores, exegetas execram, lalari lalará, afinal iam ensinar e explicar what cara helena, oquêi, um ou dois truquezinhos marotos aqui, ali, quem não, pergunto sem interrogação, este meu querido blogue vai ficando cada dia menos repositório das grandes teorias filosóficas que venho acumulando dentro desta minha cachola sem miolos desde o dia que a bolsa de mamãe estourou depois da fracassada tentativa de aborto ao se dar conta de que estava grávida de 16 meses, ninguém acredita, não é piada, não à toa nasci, nasci lendo as palavras daquele francês caolho manco que forçava Beauvoir a trai-lo com suas próprias mulheres, frogs são de lascar, excesso de civilização, bato o pé, As palavras é o melhor, tem gente aqui em casa torce o naso, prefere A náusea, automistificação, autoexaltação, embromação, quem, pergunto com interrogação, aquele?, Sontag matou a charada, autobiografia dum homem famoso quando criança, dizer que intelectual é vaidoso, o maior pleonasmo que você pode cometer, banana é o intelectual falso-modesto, Retrato do artista quando jovem o melhor de Joyce, Dubliners sublime, mania de procurar chifre na cabeça do bentinho.
Só não é escritor hoje quem não quer, quem não pode e quem não é. Abundam na rede sítios e fóruns literários que dão tudo mastigadinho para a saborosa leitora começar a imitar susans, simones, bom dia, tristeza. Conheço-os em inglês, não sei se os há nesta nossa oblíqua língua que nos oprime a todos ricos, pobres, pretos, brancos, desenvolvimentistas, passadistas, honestos, peetistas, os há, não me interessa, quem haveria de me ensinar, coisa na vida há que não se ensina, coisa há na vida que não se aprende.
Não canso, não canso de me deliciar com aquele povo que vive entre o Canadá, o México, a costa do Pacífico, a costa do Atlântico, a suave, a saneadora, a caleidoscopicamente assombrosa capacidade de pragmatismo. Aqui, candidatos a candidatos ao Nobel que conheço não deixam por menos, querem obrar o romance do século, humilhar os vizinhos, entrar para a academia geriátrica de letras, dar uma banana para os parentes que nunca apostaram um centavo na anta, mostrar com quantos paus. Os sites dos gringos ensinam tintim por tintim como começar no caminho suave, estou vendo aqui um método que eles chamam snowflaking, assim.
Você começa escrevendo uma frase que resuma seu enredo, depois vai acrescendo detalhes, detalhes, detalhes, até acabar seu romance. Simples.
Outro dia uma, ã, moça com quem esbarrei de leve numa rua do centro virou pra mim e tascou na bucha: você me ensina a escrever? Oquêi,  respondi, aqui vai o método snowflaking de escrevedura instantânea, chupado diretamente dum dos retro-mencionados sítios e traduzido pelo Google.
passo 1:
Escreva um sumário de uma frase de sua história.
Exemplo:
Distante e surrealista terra habitada por povinho esquizofrênico governado por reizinho incrivelmente cego e surdo ─ e falastrão que nem ele só. O gabinete do reizinho é composto por 40 príncipes do mal.
passo 2:
Expanda a sentença até obter uma descrição com
1) a instalação da história
(bem, o Google traduziu setup por instalação ─ tá dentro da média duns tradutores humanos que conheço)
Exemplo:
A trama é ambientada num dos palácios do reizinho, situado na fria e encarapitada capital daquela terra. Se você acha que uma cidade não pode ser encarapitada, esta pode, podes crer.
2) grandes tragédias que ocorrem no romance
Exemplos:
a) a própria coroação do reizinho
b) o plano de erradicação da pobreza implantado pelo rapaz. Os príncipes do mal roubam todo o povo, que é exterminado, erradicando-se assim a pobreza
c) sempre que o reizinho abre a bocarra, é aquela tragédia
3) o final do livro
Exemplo:
Aquela distante e surrealista terra afunda planeta adentro não se sabe como, ficando no lugar um buracão escuro de onde exala uma fumaça fedida
passo 3:
Escreva uma página resumindo cada personagem, detalhando:
1) nome do personagem
Exemplo:
(Bom, o povo daquela terra é pródigo em nomes, seria supérfluo exemplificar aqui)
2) uma frase sobre a trama do personagem
Exemplo:
Ressentimento desmedido, cobiça desmedida, arrogância desmedida, milhagem desmedida
3) motivação do personagem
Exemplo:
O reizinho só pensa numa coisa na vida: destruir o reizão que governou antes dele e provar que é melhor do que todos os reis que já passaram por aquela distante e surrealista terra
4) o objetivo do personagem
Exemplo:
Levado por profundérrimo sentimento de humilhação por ter a rainha sua mãe nascido sem cetro cravejado de brilhantes, manto de seda da Índia e coroa com o maior diamante do mundo, o reizinho só quer saber de meter a mão na grana do povo até tornar-se o reizinho mais reizudo daquela distante e surrealista terra e de todas as demais terras surreais por esse mundão afora
5) conflito do personagem
Exemplo:
O reizinho não sabe em qual tamborete sentar no bar que mandou fazer no avião real, por isso nunca sai do avião, tentando decidir.
6) epifania do personagem (o que ele/ela aprende) (Hã?)
Exemplo:
O reizinho, com o tempo e a experiência no poder, encastelado no suntuoso palácio e sentado no trono em seu aviãozão supimpão onde nunca vê nem escuta porra nenhuma, aprende que, sim, é a maior moleza.
passo 4:
Expanda cada frase de seu parágrafo-sumário em um parágrafo pleno. Todos os parágrafos exceto o último devem terminar com algum tipo de tragédia. O fim do livro deve ser contado no parágrafo final.
Exemplo:
E assim todos foram felizes para sempre. Com o plano de erradicação da pobreza, o povão acabou, parando de torrar a paciência do reizinho, dos príncipes do mal e dos servidores públicos nababos. Os magnatas amigos do reizinho encheram ainda mais seus cofrões, que já eram abarrotados a mais não poder, compraram mansões ainda maiores em Miami, com iatões de 4 km de comprimento por 3 de largura e aeronavezonas de trocentos trilhões de dólares. Os filósofos mudos que eram a favor do reizinho escreveram mil livrões explicando os males da humanidade e as mazelas do mundo e deram trocentas palestras em escolas e sindicatos contra as elites que nunca deixavam o reizinho em paz, tadinho. Os príncipes do mal ficaram todos triliardários, depositando sua imensérrima, pretérrima, escalafobetiquérrima fortuna numa terra vizinha daquela distante e surrealista terra chamada Paraíso Fiscal. E o filhote do reizinho, reizinho jr., ganhou do papaizinho um canal de tevê e uma telefônikca pra brincar de tycoon-fenômeno, experto na intrincada arte dos negócios sérios e honestos.
Bom, moçada, resumindo em suma é isso. Como podem ver, simples como surrupiar as suadas economias que as classes médias brasileiras conseguiram juntar depois de 30 anos. Não sei por que não temos no Berção um escritor em cada esquina. O que não está em falta por aqui é enredo, motivação e tragédia. Oquêi, eu tinha jurado que pelo menos até amanhã não ia lançar diatribes sorumbáticas contra o reizinho. Não adianta, anda meio obsessivo, só matando passa. (Epa, acho que acabo de dar uma ideia errada aos príncipes do mal.) Tem hora vejo uns sujeitos esquisitos rondando as cercanias, dobrando a esquina, assobiando o hino da 4a. internacional, sei não, acho que já estou predestinado. Mamãe, se eu sumir, tudo bem, chama o Caetano. O Chico não, pelamordedeus. Mulher gosta mesmo é de rola grande, comprida, como dizem nossos brothers do norte. Se a tua diz que tamanho não é documento, que o que importa é o amor, ela pegou a mania mitômana do reizinho, vai por mim.

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