Tirei as datas, this is no fucking confissão.
De hoje em diante tudo que escrevo passa a ser universal,
atemporal, au-au-au-au. Quitéria, nossa empregada pernambucana de Catende com
quem tive minha iniciação filosófica, costumava dizer que datas datam. Por que
obsoletizar deliberadamente esta obra-prima que lapido tão cioso e lapido dia
após dia? seguramente perguntaria Quitéria se ainda morasse naquele armário
velho que papai reservou para ela no quartinho de despejo. Juninho e Chiquinha
certamente vão deixar de ler se virem que a macarronada al sugo supostamente
recém-saída do fogão é lavagem amanhecida. Tenho dentro de minh'alma informação
crítica a passar a meus conterrâneos e às minhas contemporâneas.
Eia! livremo-nos do peso insuportável com que o tempo insidioso
tenta imobilizar o suave mas bipolarmente transtornado vaivém que nos diverte e
trai a nós internautas enredados. Por que impor a ti por quem os protocolos de
comunicação pulsam incansáveis em cada disco rígido do planetinha o passo
trôpego com que as datas marcam o ritmo insondável do tempo?
Todo mundo e seu mecânico tem uma confissão, não posso me misturar
à escumalha cibernética. Ainda há 2 minutos eram 52 bilhões de confidentes e lá
vão gigahertz. O número deles só é menor do que o dos que confessam nos porões
das delegacias de “subúrbio”.
Hoje em dia cachorro faz confissões, papagaio faz confissões, bebês
de três anos fazem confissões. (Mas políticos não fazem
confissões.). Todas
absolutamente idênticas. Galáxias de terabytes de soporíferos detalhes
enriquecidos sob léxico de meia dúzia de palavras cada qual descrevendo
experienciazinhas dignas da lata do lixo, pontificações assépticas infecciosas
prenhas de opinionetas inanes que “autores” pensam ter sobre cada assunto
mortiferamente enfadonho deste mundo, Mariazinha arrebatada arrancando cabelos
para juntar atarantada letrinhas em mixórdia, formando ideiazinhas toscas
eletroletárgicas em desastrosas rimas acidentais.
O zé-ninguém finalmente ganhou as luzes da ribalta. Os Três
Estetas Reich, Ortega & Gasset torceriam seus narizes. Todos acreditam ter algo
importante a dizer sobre a nossa jornada de Sísifo através deste vale das almas
condenadas. Cada qual quer meter a colher no angu e deixar para a posteridade
suas impressões particulares sobre sexo, amizade, amor, moda, homossexualismo,
bolo de fubá, governo, drogas, Bush e Nietzsche.
Caiu na rede é informação. Só que não há público para a pletora de
pequenos escritores em vias de desatar o nó que lhes represava o, hoje sabem,
irrefreável potencial criador.
Não há como elevar a cabeça acima desse oceano de subliteratura
edípica que se espalha nas dobras dos novos enigmas digitais. No fim você tem
de desistir e retornar em passinhos miúdos aos craques da escrita tradicional
de reputação firmada e competência garantida.
Quando alguém inspirado tem uma idéia de fato original e a aplica
na rede, em algumas poucas horas a coisa já perdeu o frescor sob enxurrada
coalhada de cópias e pastiches. Neguinho tem de garimpar pra valer pra achar um
ou outro texto digno de nota.
Se escrevessem menos e lessem
mais os sujeitos que têm de fato algo a dizer como Vargas Llosa, os
neoconfidentes cibernéticos no mínimo aprenderiam que antes de ensinar precisam
aprender. Vale a pena ler Llosa e seus alertas contra a “banalização da cultura” e o receio de que “seria uma tragédia que a cultura
acabe em puro entretenimento”. Pena que pensadores como ele sejam tão raros
em meio à leva desses gurus que vivem antenados em cada lançamento da Apple e
em cada evolução do FaceBook, eternamente deslumbrados com a mais recente
tecnologia a que idolatram qual uma deusa pagã nos cadernos de informática dos
jornais. Entre outras grandes sacadas, Llosa lamenta que a rapidez da
disseminação da informação nesta nova sociedade limita a profundidade de pensamento
das pessoas e que a indústria do entretenimento produz uma cultura de
“banalização, frivolização e superficialidade”.
E, digo eu, a profundidade de todo o resto,
inclusive os relacionamentos.
Mas como jamais deixarei minha vocação de franco-atirador
irracionalista, devo acrescentar que nem tudo é dor na assunção do zé-ninguém
confidente metido a Stendhal.
A bastardização dos meios de publicação está dando uma baita
chacoalhada na imprensona. De minha humílima parte espero que o chacoalhão
mastodôntico derrube de vez as vetustas carcaças jornalísticas que se arrastam
modorrentas desde o século XIX. Oui, ainda está longe a hecatombe dos jornalões
oligárquicos e das revistas “informativas” de
olhões gordos nas inexauríveis tetonas flácidas obscenas do governo. Hélas, não
estarei aqui pra ver. Que chegará, é previsível como clicar o link dum
blog qualquer no Google e ver que já era faz tempo. Pena que então não
haverá mais água salubre pra botar no uísque nem ar limpo pra respirar. Isso é
de somenos, porém. O homem sempre acaba por se habituar ao padecimento
intolerável.
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