Rapsodia stretto
O Maurício, aquele professor do 157 que
nunca conversava com ninguém, se matou. Quando volto à tarde vejo uma viatura
do IML na porta do prédio. Quando descemos no térreo, digo ao Jovair, o
porteiro, que tem alguma coisa podre no nosso andar. O elevador chega,
entramos. Nesse momento, sinto.
Tem algo podre por aqui, a Neuza diz,
também tapando o nariz.
Levanto o olhar pra ela e fungo
experimentando e digo que não.
Não está sentindo esse fedor horrível,
a Bete pergunta, tapando o nariz e o buço.
Digo oi, baixo os olhos, uma luz cor de
gelo vem vindo dos vitrôs tentando me cegar. A Neuza e a Bete estão esperando o
elevador. Desligo a tevê, jogo o controle no sofá, saio. Agora que ela disse
que vai embora, quero.
Ela só fala em ipod, mp3, blogue,
coisas que não sei direito o que sejam nem quero saber. Quando dei por mim era
tarde. Até que veio a história do noticiário. No início a Roberta ficou
procurando meu calcanhar, vi que estava meio encafifada. Nunca esqueço de
baixar o assento da privada, mijo meticulosamente pra não respingar urina na
borda do vaso, lavo a louça, me abstenho de emitir convicções, não teimo. Com
mulheres, redobro a guarda. Não dou muito espaço para que impliquem comigo. Foi
uma das deixas que ela aproveitou. Não sei usar essa terminologia nova ligada
aos avanços tecnológicos destes tempos do demônio. Noticiário, a Roberta
corrigiu outro dia quando eu mencionei jornal.
Entro, vou direto para a sala, fecho as
cortinas, não gosto de luz, procuro o controle, não acho, acendo a luz, acho,
apago a luz, me jogo na poltrona, aperto o ON, está passando um jornal.
Se já temos na cara essa parafernália,
boca, nariz, olhos, sobrancelhas, queixo, um dispositivo a mais não ia fazer
falta, digo, diferença. As funções deviam ter órgãos separados apropriados.
Essa dicotomia me deixa confuso. Por onde entra a comida e saem as palavras.
Boca é um órgão sujo. Me dá nojo. Nunca olho boca de mulher. Ela ri, pensando
que estou mirando a boca. Quando nos encontramos no elevador demoro o olhar no
rosto dela procurando enxergar um buço. A Bete do 156 é portuga.
Ou travão, como querem os portugueses.
É o freio. Eu não sou covarde, grito por dentro desesperado.
As mulheres, as mulheres bonitas de
tetas suculentas e pernas lambíveis mordiscáveis não toleram covardes.
Aconteceu "inúmeras", digo, inúmeras. Quando vejo, sei que tudo está
perdido. É sim, vi nos olhos da Roberta.
Não é não. Quem vê deve achar que é
covardia. O freio me trava, engulo em seco, baixo o olhar. Desisti, aceitei,
não reluto mais. Na adolescência quebrava a cabeça tentando entender.
Simplesmente tenho dentro de mim um freio que me pára. Nada a ver com medo de humilhação
ou necessidade de parecer macho. Não sei pedir. Podia ter batido a palma da mão
esticada na ponta dos dedos da outra mão, pedindo tempo.
Nem dos truques que tive de aprender ao
longo dos meus anos pra sobreviver nesta terra de bananas e galinhas. Nem das
aspas. Não, não vou mais abusar das reticências. de... Estátua, depois de quase
três meses, estava me acostumando, nem me passava mais pela cabeça a idéia de
voltar à noite, a noite paulistana, pra caçar uma nova fêmea que fosse com a
minha cara de pato e a minha solidão de pato e a minha consciência de pato e as
minhas contradições de pato e as minhas patologias de pato e o meu ar de...
Fiquei pasmo, totalmente pasmo, não reagi, não respondi, não pisquei.
Ia dizer enigmático, veja só, a tevê
está fazendo de mim um autoindulgente preguiçoso, estraguei, deixa pra lá.
Porra, um mistério só pode ser... mais... Não tem mistério mais... O fim do
túnel entre as pernas, não. Decote foi feito. Se olhar decote adentro dá
barato, upskirt dá mais. Tetas há que a fuça da dona estraga e desbanca. E
muito próximas da cara. Sempre dependem do decote. Não, tetas não são páreo.
Nada é mais poético, afrodisíaco e animalizador. Perna de mulher merece um
século de pesquisa e dissertações à parte. A Neuza tem as pernas mais femininas
que estes meus olhos arrebentados de se ofuscar no escuro já viram. Já tentei
me pôr na situação, não teve jeito. A Neuza, vizinha gostosa do 152 que não
sabe mais como se autoconvidar para uma transa e que não como porque ela é a
cara da minha mãe. O zelador. O porteiro da noite. O entregador de pizza me
deixa deprê. A faxineira me deixa deprê quando diz até amanhã no fim do dia
depois de passar a tarde pendurada do lado de fora da vidraça pendurada no 15º
andar pendurada no pára-peito pendurada pra chamar a atenção dos trans lá
embaixo. Tenho todas as características. Se eu fosse um bicho, seria pato. Full
duck. Yessir, pato. Pato cheio pros shrinks. Não sei ver ninguém partir. Desde
que nasci vivo sonhando que alguém vai me deixar. Foi sonho, bilolô. Roberta
disse que vai me deixar
Roberta disse que vai me deixar. Foi
sonho, bilolô. Desde que nasci vivo sonhando que alguém vai me deixar. Não sei
ver ninguém partir. Pato cheio pros shrinks. Yessir, pato. Full duck. Se eu
fosse um bicho, seria pato. Tenho todas as características. A faxineira me
deixa deprê quando diz até amanhã no fim do dia depois de passar a tarde
pendurada do lado de fora da vidraça pendurada no 15º andar pendurada no
pára-peito pendurada pra chamar a atenção dos trans lá embaixo. O entregador de
pizza me deixa deprê. O porteiro da noite. O zelador. A Neuza, vizinha gostosa
do 152 que não sabe mais como se autoconvidar para uma transa e que não como
porque ela é a cara da minha mãe. Já tentei me pôr na situação, não teve jeito.
A Neuza tem as pernas mais femininas que estes meus olhos arrebentados de se
ofuscar no escuro já viram. Perna de mulher merece um século de pesquisa e
dissertações à parte. Nada é mais poético, afrodisíaco e animalizador. Não,
tetas não são páreo. Sempre dependem do decote. E muito próximas da cara. Tetas
há que a fuça da dona estraga e desbanca. Se olhar decote adentro dá barato,
upskirt dá mais. Decote foi feito. O fim do túnel entre as pernas, não. Não tem
mistério mais... mais... porra, um mistério só pode ser... Ia dizer enigmático,
veja só, a tevê está fazendo de mim um autoindulgente preguiçoso, estraguei,
deixa pra lá.
Fiquei pasmo, totalmente pasmo, não
reagi, não respondi, não pisquei. Estátua, depois de quase três meses, estava
me acostumando, nem me passava mais pela cabeça a idéia de voltar à noite, a
noite paulistana, pra caçar uma nova fêmea que fosse com a minha cara de pato e
a minha solidão de pato e a minha consciência de pato e as minhas contradições
de pato e as minhas patologias de pato e o meu ar de... de... Não, não vou mais
abusar das reticências. Nem das aspas. Nem dos truques que tive de aprender ao
longo dos meus anos pra sobreviver nesta terra de bananas e galinhas.
Podia ter batido a palma da mão
esticada na ponta dos dedos da outra mão, pedindo tempo. Não sei pedir. Nada a
ver com medo de humilhação ou necessidade de parecer macho. Simplesmente tenho
dentro de mim um freio que me pára. Na adolescência quebrava a cabeça tentando
entender. Desisti, aceitei, não reluto mais. O freio me trava, engulo em seco,
baixo o olhar. Quem vê deve achar que é covardia. Não é não.
É sim, vi nos olhos da Roberta. Quando
vejo, sei que tudo está perdido. Aconteceu "inúmeras", digo,
inúmeras. As mulheres, as mulheres bonitas de tetas suculentas e pernas
lambíveis mordiscáveis não toleram covardes.
Eu não sou covarde, grito por dentro
desesperado. É o freio. Ou travão, como querem os portugueses.
A Bete do 156 é portuga. Quando nos
encontramos no elevador demoro o olhar no rosto dela procurando enxergar um
buço. Ela ri, pensando que estou mirando a boca. Nunca olho boca de mulher. Me
dá nojo. Boca é um órgão sujo. Por onde entra a comida e saem as palavras. Essa
dicotomia me deixa confuso. As funções deviam ter órgãos separados apropriados.
Se já temos na cara essa parafernália, boca, nariz, olhos, sobrancelhas,
queixo, um dispositivo a mais não ia fazer falta, digo, diferença.
Entro, vou direto para a sala, fecho as
cortinas, não gosto de luz, procuro o controle, não acho, acendo a luz, acho,
apago a luz, me jogo na poltrona, aperto o ON, está passando um jornal.
Noticiário, a Roberta corrigiu outro
dia quando eu mencionei jornal. Não sei usar essa terminologia nova ligada aos
avanços tecnológicos destes tempos do demônio. Foi uma das deixas que ela
aproveitou. Não dou muito espaço para que impliquem comigo. Com mulheres,
redobro a guarda. Nunca esqueço de baixar o assento da privada, mijo
meticulosamente pra não respingar urina na borda do vaso, lavo a louça, me abstenho
de emitir convicções, não teimo. No início a Roberta ficou procurando meu
calcanhar, vi que estava meio encafifada. Até que veio a história do
noticiário. Quando dei por mim era tarde. Ela só fala em ipod, mp3, blogue,
coisas que não sei direito o que sejam nem quero saber.
Agora que ela disse que vai embora,
quero. Desligo a tevê, jogo o controle no sofá, saio. A Neuza e a Bete estão
esperando o elevador. Digo oi, baixo os olhos, uma luz cor de gelo vem vindo
dos vitrôs tentando me cegar.
Não está sentindo esse fedor horrível,
a Bete pergunta, tapando o nariz e o buço.
Levanto o olhar pra ela e fungo
experimentando e digo que não.
Tem algo podre por aqui, a Neuza diz,
também tapando o nariz.
Nesse momento, sinto. O
elevador chega, entramos. Quando descemos no térreo, digo ao Jovair, o
porteiro, que tem alguma coisa podre no nosso andar. Quando volto à tarde vejo
uma viatura do IML na porta do prédio. O Maurício, aquele professor do 157 que
nunca conversava com ninguém, se matou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário