Pela presente venho notificar que eu quero é praia, cerveja e buceta


Presto
Há três tipos de escritor.
O que escreve para os outros. O que escreve para alguém em particular. E o que escreve para si.
O primeirão da turma é o mais encontradiço. Soa burocrático já nas tenras letrinhas, em geral vertidas sob baldes de suor aí pelos 17, 18 anos. Subsequentemente as letrinhas ficam mais e mais desenvoltas no burocratismo à medida que o paisano ganha traquejo na arte de gingar para a galera. Quanto mais envelhece, mais o para-os-outros se enreda na própria teia que desde adolescente vem tecendo, sempre zeloso, responsável, comedido e outros adjetivos da pirâmide alimentar. O para-os-outros é antes de tudo um edificante. Craque em segurar a peteca, não dá ponto sem nó e muito raramente se arrisca a preterir frases ready-made para servir à mesa por alguma construção mais ousadinha que force sua legião de leitores de cabresto a tirar os neurônios do freezer.
Já para o leitor do para-os-outros fazer parte dum curral leitoral é o maior barato. É o vai-com-os-outros por excelência. Para ele não poderia ser de outra forma. Se não fosse com os outros iria com quem? Afinal todos precisamos ir com alguém, não é mesmo? ele se pergunta no íntimo, temeroso de ficar sozinho com sua própria sombra. Se não pudesse ir seria um infeliz. O barato está exatamente em fazer parte. Seu papo é ordem unida. Pensar, só na linha de montagem.
O leitor do para-os-outros tem queí médio, estatura média, aspirações medíocres, sonhos desbotados e conhecimentos, mais que gerais, genéricos. Associa literatura não com cultura e sim com entertainment. É leitor do para-os-outros porque nesta vida, ao contrário da física, os opostos se afastam. Quer antes de tudo distração. Inquietações do espírito são para doidos que, ele não sabe por que cargas d'água, resolveram não optar pela preguiça. O leitor do para-os-outros sabe que não se mexe em time que está ganhando.
O para-os-outros e seu leitor nasceram trocadilhescamente um para o outro e tudo que pedem ao diabo e ao bom deus é que possam morrer juntos. Para esse tipo de leitor, seu escritorzinho para-os-outros modelo universal bate um bolão e não precisa provar mais nada. É o robinho das letras.
Seu repertório de jogadas consiste de apenas um drible, a pedalada. Seu leitor sabe que, quando pega a bola, ele fatalmente recorre ao único recurso técnico de que dispõe. Mesmo assim, o leitor vibra. Torcedor não muito fanático, sempre escolhe um lugar discreto nas arquibancadas e não topa surpresas. Para ele, um garrincha das letras é fricoteiro demais. Só quer saber de fazer onda e se exibir, ao invés de ajudar o time. Um pelé só se preocupa com a formosura da jogada. Tudo bem, não vamos negar o talento do negão. Mas quem carrega o piano nas costas é a zaga, às vezes, quando muito, o meio-de-campo. Esses é que seguram o rojão. Por isso, o leitor espera do robinho das letras, sim-senhor, a manjadérrima e nem sempre eficiente pedalada. Nada melhor que antever o futuro. A, como é confortável o conhecido. Mas o adversário ─ no caso, a palavra ─, que, no jargão das mesas-redondas de domingo à noite, "não é bobo nem nada", entrou em campo pra disputar a bola, não pra servir de massa de manobra. Quando vê robinho avançar passando o pé sobre a bola num lance mecânico, previsível e bobo, dá um tocozinho na gorducha, tira de prima, rouba a redonda e lhe enfia a pelota por entre as canetas, arrematando cum garboso chapéu e pondo o para-os-outros na roda. Num instante o robinho literário perde o rumo. E resolve ficar quietinho na sua.
Os jornais fervilham de escritores para-os-outros. Na FSP tem o Cony, mestre do paraosoutrismo, que há trocentos anos vem conduzindo diligente seu rebanho de leitores amestrados pelas seguras veredas do equilíbrio e da compostura, protegendo-os de chuvas e trovoadas e afastando-os do bem e do mal. Cony é milagroso. Consegue escrever durante 50 anos sem que alguem sequer desconfie (d)o que ele pensa ou deixa de pensar sobre o que quer que seja. Cony não tem efeitos colaterais nem contraindicações. Você passa pelos textos dele e não acontece nada. Perfeitamente insípio e inodoro. Insosso qual uma boa bolota balofa de miolo de pão. Com um perfil desse tamanho, Cony acabou entrando para a academia geriátrica de letras. Como, larari, lalará, não poderia deixar de ser. Cony talvez merecesse até um título à parte ─ escritor banho-maria. Até aí todos os demais também são, não são?
A FSP abriga ainda a viúva daquele famoso jornalistão que foi capaz de orbitar em torno do poder por longas décadas ─ posição almejada por nove entre dez gajos que dedicam a carreira a buscar a "verdade jornalística" duela a quien duela. A madame provavelmente teria causos quentérrimos a relatar a seus pachorrentos leitores, afinal, através do finado maridão deve ter frequentado amiúde o círculo de pessoas que sabem o que horsy set significa. Mas porém se limita a deitar perorações sobre etiqueta e a lastimar o cabacinho perdido daquele Rio de Janeiro pré-transbordamento dos bárbaros que desceram dos morros só para encher a paciência de socialites enfastiadas sempre às voltas com suas crises de identidade. A retro-referida talvez fosse também digna dum título próprio ─ dondoca das letras.
Já o Estadão tem escritores para-os-outros em maior número e grau. Sendo um jornalão assumidamente liberal, ali a concorrência come solta e o pregão da bolsa é que interessa. Para gáudio de seus sisudos leitores, oferece desde escribas pródigos em expressõezinhas rameiras como "confesso que" e "na verdade", bonachões que são virtualmente incapazes de obrar uma única sentença original, passando por aquele rapaz que se instala em sua cadeira de rodas para perpetrar crônicas desinteressantíssimas, até Loyla Brandão, provavelmente o autor mais chato de que se tem notícia na moderna literatura ocidental e de quem, adolescente, me caiu nas mãos um livro chamado as cadeiras ou as poltronas que em meus delírios infantis li até a última gota só para provar a mim mesmo que era macho o bastante para tolerar o intolerável. Brandão teve ainda o tirocínio de dar a uma de suas "obras" o título de O verde violentou o muro, quiçá o título mais feio que alguém que se pensa escritor já cometeu em vida.


O hors-concours dos chatos do vestuto Estadão, porém, continua sendo Veríssimo. Sabendo escrever como poucos, mestre no quebra-cabeças desta nossa língua porreta, poderia ser um dos grandes se tivesse peito para largar o osso, deixando o cargo de criador-mor de piadinhas de papagaio e de ignorável sacro das estripulias do neoditador Lula.
Há três tipos de escritor. O que escreve para si, digo, para os outros é o que interessa. O resto é literatura. 





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