Blup

Meu ibope sofreu uma queda nos últimos dias. Acontece ocasionalmente. Em geral meus quase três leitores se afastam nos fins de semana e sobretudo nos malditos feriadões, uma das maiores causas do nosso atraso cultural-econômico. Em outras ocasiões em que há queda nos números de leituras das minhas postagens, me boto a ruminar, omessa. Que foi que deu no meu distinto público desta vez?
A última postagem é continuação de Vila nova, digo..., série via de praxe bem aceita pelos meus leitores, visto estar recheada de, qual novela da Globo, conflitos interpessoais, mistérios, clímaces e anticlímaces e, principalmente, piadinhas infames. (Os leitores não se incomodam que sejam infames, desde que estejam lá e lhes dê uma desculpa para rir, mesmo que não tenham graça, como de fato não têm, nem na Globo, nem aqui, nem em lugar algum.)
Então, prosseguindo em minha conjetura silenciosa, só pode ser a postagem anterior. Ou as anteriores. Vou lá averiguar. Antes do episódio 18 de Vila nova, digo... publiquei Minha dialética, prosa poética com forte teor literário e um dos melhores textículos que escrevi até hoje e, portanto, dificilmente a causa da debandada.
Retrocedo mais um. Ah, o culpado só pode ser este. Um monólogo de Tia Eva presente no episódio 6 da série Ele voltou. Trata-se dum stream of conciousness ao estilo de Joyce e sua espiroqueta Molly Bloom que solta as rédeas da libido nas últimas páginas de Ulisses.
O livro de Joyce permaneceu proibido nos EUA por nada menos que dez anos, acusado de produzir pornografia nos trechos em que a pequena Molly, deitada na cama para dormir ao lado do marido Leopold, delira c’uma troncha – fosse hoje em dia de certo a desejaria bem grande, como todo objeto de desejo na atualidade – introduzida no meio das pernas. Como se sabe, o público americano está entre os campeões do puritanismo e da hipocrisia, o que seguramente configura um dos grandes paradoxos desta época, visto que seus poetas e romancistas constituem a vanguarda literária do mundo há pelo menos setenta anos.
Custo a acreditar que meus leitores se deixem orientar pela pudicícia rasa provinciana e possam me confundir c’um reles escrevinhador de historietas safadas, sobretudo por conhecerem meu trabalho. Francamente, espero estar enganado nado nado.
Certa vez, na orkut, lá nos primórdios incertos porém fantásticos dos portais de “relacionamentos”, botei em meu perfil um textículo em que a mulher masturbava seu homem. Bidu. Metade das minhas “amigas” se escafederam no ato e nunca mais ouvi falar delas. Sem sequer um até-logo, sinal inequívoco de que ficaram escandalizadas. (Por coincidência, aquele também foi um dos meus melhores textos.)
Então postei em meu perfil o seguinte: “Não sei exatamente por que essas "amigas" deram no pé, mandando às favas nossa bela e antiga amizade digital. E fiquei aqui comigo me encafifando. Seria por que  na nova descrição do meu perfil digo que a mulher que amo é uma punheteira de "mancheias"? É muito provável que sim. Mas me recuso a acreditar. Primeiro, porque todas as mulheres que conheci em minha vida cedo ou tarde se mostraram adeptas da prática onanística para seus parceiros. (A maioria delas me mostraram mesmo que uma punheta sincera, uma punheta redentora é um dos momentos privilegiados em que um casal pode se desfazer dos pesadérrimos penduricalhos sociais para dedicar um ao outro o que um e outro têm de mais íntimo e recompensador.) Mas, claro, sei que não é assim tão simples. As pessoas em geral não gostam de associar a natureza humana à poesia. Para muitas, a poesia orbita numa esfera abstrata própria de anjos, flores, sonhos e outros elementos que fazem parte do nosso estoque de coisas inatingíveis. Essa esfera seguramente não permite a entrada de sórdidos anjos punheteiros e sua suja dimensão humana.”
Me espanta saber que ainda hoje haja quem enxergue sujeira no que é intrínseco à natureza humana. Há 2300 anos Terêncio disse “Sou um homem; nada que é humano me é estranho”. Até hoje a luta do artista é, precisamente, determinar o que é e o que deixa de ser humano. Praticamente toda a grande literatura produzida no século 20 envolve o sexo explicitamente. As tragédias gregas giram em torno de conflitos sexuais. Assim como as de Shakespeare. E tentar se abrigar sob os farrapos esgarçados do puritanismo depois das revelações de Freud, hoje ao alcance de crianças, tenha dó.
Destrinchar a natureza humana por si só não garante que um texto qualquer seja literário, mas nenhum texto será literário se não almejar a, entre outros incontáveis propósitos, destrinchar a natureza humana.
A quem possa se interessar não pelo tema do sexo na literatura mas pela satisfação que resolvi dar aos meus leitores por ter publicado o que publiquei em uma ou mais postagens, tenho a dizer que não se trata propriamente duma satisfação e sim de mais um pretexto para escrever, que, como digo desde sempre, é um dos móveis do escritor. Também como sempre digo, a morte do escritor é pretender agradar seus leitores. Por isso tantos já nascem mortos. Os que tentam é como se quisessem meramente entrar na moda.