Provocar, atrair, convencer e desencaminhar

Há um momento supremo na longa escalada dum alpinista rumo ao topo:
a queda.
Como todo sedentário preguiçoso, autocentrado e cínico, também me admiram esses heróis das alturas. Eles não galgariam sequer três metros acima do nível do mar se não fossem equipados com disciplina, coragem e ultradesenvolvidas habilidades psíquicas e físicas. Todos os talentos que não tive o azar de herdar, pois papai também foi o feliz destituído de todos eles.
Sabe o que me entusiasma mesmo quando penso nesses superatletas?
O que me deixa excitado é pensar em como são imunes ao fascínio da morte.
Mesmo não escalando mesmo uma cadeira, sou obcecado pelo fim.
Penso em morrer desde que nasci.
Quanto mais vivo, mais não quero viver.
Como deve ser terno o termo.
Como deve ser ínfima a fronteira final.
Encerrar de vez o suplício de me carregar, e ao meu corpanzil entuchado de banha, pra cima, pra baixo, pra dentro, pra esquerda. Tal suplício é mais que suficiente, óbvio. Porque não sou um alpinista da vida ou escafandrista for that matter, não existem cumes aonde eu sonhe chegar, a altitude me deixa zonzo, as profundidades, eletricamente claustrofóbico.
Sempre quis morrer.
Pra acabar com a mesmice.
Pra simplesmente mudar de estado.
Pra saber como é.
Será qual um indeglutível caroço entalado na garganta que você engole mesmo assim?
Será que nossa sensorialidade permanece intacta por uns instantes, ao menos para que nos seja perceptível a transição?
Haverá transição?
É claro que essas perguntas não se aplicam à maioria de nós que hoje esticamos as canelas terrivelmente sedados...  para que elas, as perguntas, não nos ocorram.
Que nojenta raça de pixotes nos tornamos.
Mas não é isso que me interessa agora.
O que me interessa é, quero morrer pra saber.
Saber. Finalmente. Tão somente.
Saber o que as cartilhas escolares se recusam a nos ensinar e cujos saberes nunca pretendi saber de qualquer modo.
Saber a única coisa que neste momento faria diferença saber.
Passar de mansinho para onde quer que passamos na morte não me interessa.
Se vale a pena sentir a Última Dor, que a sinta.
Ser desligado incólume e inconsciente feito um rádio de que se removem as pilhas, no, thanks.
Quero a passagem do alpinista que de repente afrouxa os dedos que o mantêm frágil e espetacularmente vivo no paredão do rochedo e pensa “Minha sorte está em minhas mãos, concretamente” e fecha os olhos e relaxa os músculos e solta os pulmões, se entregando quase satisfeito, sem resistência, à força da gravidade da qual somos e fomos escravos desde nosso primeiro segundo neste planeta que flutua pelo espaço apenas pelo capricho da nossa imaginação.