Delicadamente, boto o primeiro pé na
calçada com o cérebro forrado de verde-amarelo. Quebrando meu barato, negligentemente
alheia ao choque entre mundos que tem lugar dentro da minha cabeça, na outra
calçada passa uma teen de peitinhos entojados, bicos hirsutos, glúteos estofando
numa nice o tecido grosso mas dócil do jeans, acendendo a vocação de tarado que
tão porcamente tento disfarçar, me concentro me esforçando para limpar os
riscos flébeis da cara. Disfarço encarando o topo da ladeira fingindo que
calculo prós e contras do itinerário planejado. Bullshit. Nunca fiz plano desde
que nasci. Uma vez que fosse. Se tivesse uma Kawazaki saía disparado ladeira
abaixo celebrando esta minha borbulhante imprevidência que levei décadas para
cultivar.
Outro pequeno esforço desumano dentre
incontáveis tentativas dignas de nota que se dispersam quando lhes dirijo a luz
da atenção, dedico a este meu persecutório sentimento de inferioridade frente
ao mundo e aos que no mundo vivem. Me deixo oprimir fácil por qualquer coisa
com tendência à opressão – o olhar distante do sujeito que caminha na direção
oposta à minha e que tomo por aversão, o gosto do beijo que dei no cadáver de
mamãe que ainda trago nas franjas dos lábios, não faço ideia do que é o melhor
para mim, simplesmente carco fumo dentro da escuridão feito uma locomotiva fora
dos trilhos.
Dou de lambuja que não vai chover. As crônicas
de Machado vão me deixando impressionado, o cara se amarrava pacas no tempo e nas
condições climáticas, se divertia simulando algo de manha com as imprevisíveis
possibilidades de temperatura e chuva e sol que os desígnios do mundo lhe tinham
reservado aquele dia. Sofria horrores com a canícula fluminense. Imagine o
sujeito sob quarenta graus enfiado em espartilhos masculinos, que denominavam
cintas, e frock coats, casacos que se
estendiam até os joelhos, equilibrando no cocuruto uns chapéus altos parecidos
com cartolas, no mais das vezes negros feito a asa daquele bicho nosso
conhecido.
A cerveja no copo tá acabando, vou descer
pra pegar outra lata, hoje vou indo de Bavaria e quando voltar dificilmente
terei saco pra continuar este papo. Não vou prometer que retomo amanhã porque
amanhã minha cabeça estará totalmente em outra. Sim, estou dando um tempo nos
destilados, não tão caindo bem depois da químio. Brrururruru, que vontade de
soltar os cachorros. Em cima de quem? De quem seria? Do mundo. Da humanidade. De
mim mesmo. Faz tempo que não dou um gole numa cerva. Mais ou menos seis
segundos. Ai que saudade. Se lhes dissesse de que, vocês não acreditariam.
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