Continua qualquer dia, acho

Chega de poesia por hoje.
No sir, os idealistas tendem a achar que sim, mas poesia não é resposta para tudo.
Sei que sou um chato.
E sou um chato não apenas neste blog ou online. Tenho longo currículo como The Weirdo. Pois absolutamente, ou quase, todo mundo ligado no literário -- e no cultural e no "filosófico" -- é mais, ou menos, avesso ao debate.
Todos querem fazer parte da brincadeira de teclar, responder, postar e ser respondidos impunemente, com uma certa leveza e até irresponsabilidade, sem maior consideração pelo que escrevem.  (Embora alguns se mostrem escandalizados quando O Outro o faz.)
Parecem sofrer dum estranho temor à reflexão. 
A maioria repele a elocubração. A maioria prefere a agilidade à demora, a superficialidade às profundezas. Vejo narizes se torcendo quando passo dum certo limite. E esse limite é extremamente baixo: se tento um tico de sofisticação, me têm por pedante. Se procuro fugir um centímetro do grotescamente rudimentar, me pensam exibido. Se destoo do coro da unanimidade burra, me acusam mentalmente de avis rara.

Sei que não atraio o interesse de quase ninguém. Pois não falo de assuntos "quentes" como Paulo Coelho ou a quebra do banco do Sílvio Santos.
Há um absurdo desperdício online. De ignorância, semipensamentos, cacos de palavras soltos pelo ar. E que  me deixa um travo amargo de futilidade e impotência. A experiência online é ao mesmo tempo fantástica e angustiante. Abre certas portas e fecha outras. Até aqui, e da forma como se dá a minha experiência, tenho encontrado muito mais portas fechadas que abertas. Ou que tenham pelo menos a chave na fechadura.
Ninguém está a fim de falar disso. Muito menos ouvir. Mas dou um conselho à meninada que pretende escrever pra valer e não apenas brincar de Machado: habitue-se a escrever para as paredes. Como faço aqui.
Repito, repito e repito que o escritor tem de aprender a ser seu próprio público. Escrever -- ou aprender a -- é um ato de atroz solidão. Não tenha medo do que pensem de você. Melhor ainda, não tome conhecimento do que dizem a seu respeito. 
Para a molecada para quem a vida online é natural como coçar a cabeça, duvidar da experiência online é o mesmo que falar grego. Quando nasci a espetacularidade da tecnologia já estava presente. Cresci acedendo e apagando luzes, fazendo exames de raios-X, viajando com a cara ao vento no DKV cinza e branco ao lado do meu poderoso papai que tudo sabia (os alunos agora são os pais), telefonando aos berros para mamãe a 150 km de distância quando nas férias me deixava com minha tia na casa do Forte perto de São Vicente.
Mas ter nascido na crista do avanço tecnológico não me impede de indagar aquém. Uma das minhas dúvidas mais constantes é: somos mais felizes agora do que eram aqueles pobres homens e mulheres do século 19 para trás, desprovidos de água potável na torneira, antiácidos, iluminação, comunicação e gratificação instantâneas?
Quando discuto isso com algum amigo, as posições indefectivelmente se dividem. São todos unânimes em dizer claro, temos muito mais felicidade agora com todos esses "auxílios" do que quando não os tínhamos. Ao mau passo que eu fico lá parado, absorto em especulações, duvidando se a nossa existência se beneficia mesmo de todos esses magicamente fascinantes penduricalhos. (Nas minhas incertezas, duma coisa estou certo: estaríamos bem melhor se nos livrássemos da TV.)
E, quer você se espante ou não, houve um tempo longínquo em que ser feliz não era nem de longe o objetivo principal da raça. Mas essa é uma história ainda mais longa e fica pra outra.
Certo, qualquer um pode contraargumentar que a espantosa esticada na longevidade nas últimas décadas é prova inconteste de que as mágicas modernas, entre elas a  medicina dos superpajés e seus aparelhos maravilhosos, decidamente trazem vantagens e colocá-las em dúvida seria indesculpável leviandade.
Também acho a leviandade indesculpável e procuro ficar longe dela sempre que posso. (Um dos mais difíceis desafios a que me proponho no dia a dia, em geral com resultados pífios.)  Mas o número cada vez maior de pessoas ultrapassando a barreira dos 100 anos me deixa com o pé atrás, para usar uma expressão original. E sou testemunha ocular: mamãe quase chegou lá e posso afirmar que nem ela nem eu gostamos da brincadeira. 
As chamadas "clínicas da eutanásia" abundam na Holanda e na Suíça. Dar cabo da própria vida nesses spas macabros custa o olho da cara. Mesmo assim vivem lotadas. Li certa vez o relato dum ancião americano de 90 e poucos (ancião? que demodê), em que ele lamentava: "Tomei remédios a vida toda para não morrer e agora, quando não suporto mais viver, preciso de um para acabar com tudo".
Se de fato vivemos num tribunal e provas são tudo que conta em nossos processos, então é difícil desprezar a evidência documental desse relato. Até que idade a medicina poderá nos levar? Podemos um dia chegar aos 200 com o corpo relativamente são? E se chegarmos, como estaremos de cabeça? Nossos neurônios ainda funcionarão? E nossos filhos, suportarão a cruz de nos carregar indefinidamente ou o sistema erguerá superasilos à prova de suicídio para os supervelhos? E nossas sensações tácteis? E nossos sentimentos? Teremos saudade da infância? Seremos ainda capazes de lembrar que tivemos uma? 
Mas todas essas questões dizem respeito ao futuro. E o futuro não está entre minhas maiores preocupações. Meu futuro concreto, tangível, são meus dois filhos. Que já estão passando da hora de gerar sua própria prole. França e Japão, entre outros, já enfrentam graves problemas de população envelhecida. O Japão degreda seus velhos em casas de "repouso" (o rei de todos os pleonasmos; a última coisa que velho com saúde quer é repousar) para que não atrapalhem o vídeogame da garotada. Os franceses são mais e mais intolerantes com crianças. Se você tem filhos e quer alugar um apê em Paris, esqueça. Ou seja rico.
O que me fascina, roubando meus pensamentos mais lúcidos, é o passado. A História. As únicas evidências materiais do que fomos e somos. E nesse passado que me interessa as pessoas viviam em média 50 anos. Se eu acreditasse em deus, decretaria, sem medo de errar, que essa é idade que Ele planejou para seus trágicos brinquedinhos humanos. De sua parte, gênios agraciados com dons divinos tinham maior carência. Michelângelo, mesmo sem vacina antigripe e plano de saúde, chegou aos 89. O homem comum, aos 30, atinge seu prime e a idade da razão, ganhando mais 10 de lambuja para decidir se sua vida ou não foi em vão. Naquela época a mulher era dada em casamento aos 10 e exercia plenamente a exclusivíssima missão que lhe foi designada pela Natureza: procriar. Certo, se alguém lesse esta postagem, diria que se trata duma provocação temerária. Non-sense. Depois do feminismo, da mulher de hoje, etc.
Mas só um imbecil negaria que a mulher é antes de tudo uma máquina de procriar. A diferença é que a mulher moderna quer "fazer parte", ter uma profissão, ser dona de sua própria sexualidade e de seu útero, dispor da prerrogativa do acasalamento. Nada contra, obviamente. Mas me pergunto se o preço não é alto demais. 
E quem quiser pode facilmente estender implicações similares a outras áreas da experiência humana. 

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