Nada me resta senão o esplendor dum tchau

Não sei se já lhes disse, mas tenho uma máquina de poesia, ponto e parágrafo.
Está quebrada, admito. (Como esconderia defeito tão óbvio?)
Semana passada levei a bicha a uma assistência técnica aqui perto chamada, coincidentemente, Técnica em Equipamentos Poético-Líricos Ferdinand Person.
O Carlos, atendente perito em reparações sem dor, garantiu que, sim, havia conserto.
Duvidei. Conserto? Com verbo haver e tudo mais? Não dá pra simplificar? Quando posso vir buscar?
O Carlos me deu um prazo de dois minutos.
Pra variar. Eu sabia. Eu já esperava. Por que até o Carlos tinha de ser tão previsível?
Aceitei mas voltei só três dias depois. Por, veja só, via das dúvidas.
Quanto é a facada, cara?
Se funcionar, o senhor me paga com meia dúzia de versos. Senão, esquece.
Fiz que sim com a cabeça pesada de esquecimentos.
Saí com a máquina de poesia pendurada nas costas, cheguei em casa, fui correndo ver se estava funcionando.
Só quando liguei na tomada me dei conta de que o Carlos me dera a máquina errada.
Não, porra!
O mesmo acontecera com meu autorama quando tinha nove anos. Viera com carros diferentes, de outras cores, outras marcas, outros emblemas. Mas, sôfrego por restabelecer meu mundo, fui fazendo de conta que era o meu original. Autoramas não podem diferir além do suportável, afinal.
Com a máquina de poesia não deverá ser muito diferente.
A manivela gira ao contrário, mas não faz mal.
A tampa é presa apenas com fita crepe. O cabo é, cruzes, listrado em verde e vermelho, cores antagônicas. E, quando conectei a alimentação eletrorromântica, esperando ouvir o velho, tranquilizador zumbido que sempre me deixava alarmado, PUF!
Nada! Era um desses "dispositivos" modernos projetados para manter o usuário alheio à sua (deles) existência.
Já me disseram...
Peraí, quem me disse?
Ah sim. O Carlos. Mas não aquele. Outro. Não há só um Carlos neste meu mundo.
O Carlos me disse...
Onde? Onde o Carlos me disse?
No balcão do nosso buteco, evidentemente. Onde mais poderia ser?
(Após aquele longo, breve dia em que rodamos pela cidade de São Paulo à procura dum buteco ideal para a confraternização que, sabíamos, seria a primeira e única na vida de nós dois.)
O Carlos me disse que essas máquinas novas silenciosas nunca pifam.
Nunca...? Quis saber, perplexo.
Jamais! Ele sacudiu a cabeçorra hipertrofiada feito a minha.
Não posso aceitar tamanha decepção.
Não sou do tipo movido a decepções.
Só me dou bem com surpresas, boas surpresas. Assombros, mas positivos, energizantes.
Bah, vou abrir o jogo duma vez: revelações mas revelações daquelas bem inspiradoras.
REVELAÇÕES, ó senhor das geringonças!
Não quero, não posso me contentar com o noturno opus 9 em si menor de Chopin, piedade...

Nenhum comentário:

Postar um comentário