Durante


Cruzo os braços para lembrar

Ontem um desses braços foi
de alguém que passa na rua
Hoje o outro é de meu pai.
Passo os dedos nas veias saltadas,
de quem labutou na enxada desde
pequeno.
Levavam sangue ao cérebro que tentava prever,
“Como será meu filho?”

Ontem minhas mãos eram lisas e efeminadas,
Próprias para acariciar.
Hoje incham escalavradas sob as asperezas das ramas na colheita do café, que começava às 5 da manhã
E, de tão grossas, em nenhum segundo dali em diante ousariam imaginar-se tocando um noturno de Chopin.

Que escuto, vindo de algum alto-falante
de alguém nas redondezas que não escuta.
As cordas vocais tantas vezes foram percutidas por aquele cérebro pré-filho e pré-Chopin insonoro
para produzir a mágica das palavras
neste instante se materializariam
À minha frente, no mais pisado e empobrecedor dos surrealismos
E profeririam que não tenho mais aonde me voltar
Em decepcionante tom de anticlímax.

Nos braços que não me seguram
Crispo os dedos com uma força que não sabia ter
E verifico que minhas unhas não deixaram marcas na pele que já perdeu a elasticidade sobre músculos imaginários.

Esta noite deito a cabeça no travesseiro
O travesseiro não é meu
Tampouco é minha minha cabeça.

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