Não há ninguém em mim


Está certo, Senhora do Início do Século 20.
Fico esperando.
Tinha certeza de que a Senhora do Início do Século 20 ao menos se dignaria a dizer por que resolveu não mais me responder.
Que pena.
Desta vez pareceu que chegaríamos a um razoável entendimento, enfim.
Até decidi conter meus ímpetos de bufão, tentando não melindrá-la.
Mas me saiu tão melindrosa essa que se proclamava embaixatriz de deus.
De repente, a zanga.
Ao que me é dado ver aqui de longe, detrás dos anos, por nada, nadinha, nadica.
Parece sentir-se mesmo ultrajada.
Por quê? me pergunto, confuso.
Nunca tive uma resposta, obviamente.
Não será agora que a terei.
A Senhora do Início do Século 20 recolheu-se à sua clausura milenar, fechando-se fria e indiferente ao que eu possa pensar de tamanha frieza e indiferença.
Mas que pretensão a minha.
Afinal, nunca passei dum insignificante rostinho de bebê que hoje, barbado, ainda ausculta sonhador o céu esperando encontrar um espírito que possa ser seu dentre os milhões que vagam certos de ter uma origem e um fim.
Sendo este pobre-diabo eternamente falso, fingido, apócrifo, enganador, a Senhora do Início do Século 20 não lhe digna mais sequer um cenho franzido sobre aqueles olhos que nunca pararam de afrontar, sempre gélidos, minhas frágeis verdades humanas.
Que pena, desta vez pareceu mais efêmero que das outras.
Não, me engano.
Foi tão efêmero quanto sempre.
É que quando acaba parece mesmo que foi um sonho, dos bons, dos raros sonhos rosados que me são possíveis.
E que me deixam estas reminiscências amargas no retorno ao meu tedioso despertar para o nada.
Como é lento e torturante recobrar a consciência da minha pobre realidade.
A ultra-avançada medicina moderna bem que podia inventar um remédio para seres vazios recalcitrantes feito eu.
Estou apagando.
Vou-me preparando para esquecer, minha cara Senhora do Início do Século 20.
Acho que consigo, se evitar pensar em você por uns minutos.
Afinal, foi você mesma quem me escolheu.
Parecia então saber que, eternamente perplexo, eu dedicaria minha vida a lhe suplicar “Talk, Senhora do Início do Século 20, let me know your thoughts, let me hear you say you'll accept me as one of your herd. Talk, Madam, tell me some news, just don't be so silent as to make me think I'll never learn another word from you again. Come on, let me hear your briskly whispering voice once again.”
Não se enoje de tamanha lamentação.
Releve o sentimentalismo.
Precisava escrever assim, numa tentativa de facilitar um tico me esquecer do cordão umbilical de aço enferrujado que nos liga e que parece que não consigo romper mesmo após me dar conta de que nasci para a mais imensa e vagarosa solidão.

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