Raiva


Da complicação das gentes e do mundo, das nossas cabecinhas de palha, dos nossos medos que confundimos com sentimentos que são nossos.
Quando fico com raiva verto tratados-angu, farofa azeda de ranço não regurgitado mesclado com azeite de dendê ou sei lá qual a culinária regional que nunca comi.
Então lá vou eu verter um tratado de novo.
Nunca aprendo — ninguém gosta de tratados. Todo dia digo pra mim mesmo, meu, quer espantar um sujeito ou uma sujeita? então escreva, escreva, escreva, escreva até entornar o caldo, derramar o uísque, ferver o banho-maria. Escreva qualquer coisa. Espanto imediato ou sua pseudopoesia de volta. Ainda mais um desastrado feito eu. (Ah que vontade de desenvolver minha desastrice.)
É foda ser poeta, ou pseudo, sei lá, às vezes me acho, outras, deploro tudo que escrevo no meu pêndulo multipolar.   
Já falei que sou multipolar? Falei. Fingiram não ter lido. Que não registraram. Ou não se deram o trabalho de responder. Confidenciei tudo que me importa confidenciar. Só não antecedi minhas confidências com um “confesso”. Confesso que confessei. E venho aqui agora de novo confessar o crime que não cometi mas que esperam escutar de minha voz.
Meu crime, meu crime é ser escravo do que sinto.
Preciso das minhas palavras pra me entender uma gota. Perdão por incluir outros na jogada. Fui frívolo. Sou frívolo. Preciso agitar o que sinto feito um liquidificador. Em geral a receita requer sentimentos estranhos. Sinto ter te abraçado enquanto me afogo.
Pensei que todos gostassem de poetas (ou subs, como queiram). Ou de poesia.
Talvez tenha sido verdade demais? Mistura indigesta, inadmissível de ficção e realidade?
Todo mundo e seu dentista ostenta belos versos em seus perfis na internet, acho que já mencionei. Será um truque pra emboscar bobos-alegres como eu? Sou tão ingênuo, vivo caindo na balela de que os ostentadores de versos precisam da poesia como eu preciso do ar.
Não, os donos de perfis-espelhos poéticos é que são fingidores. Gostar de poesia dá status, enobrece, leva o internauta para o alto para longe da prosa utilitarista de cada dia.
O cobrão dos citados é Pessoa, naturalmente. E Clarice. Conheci todas as grandes citações de Clarice só navegando por perfis noites a fio procurando uma pista de pouso pra minha cabeça voadora.
O pessoal se amarra nos bons e falsos poetas. Os comoventes. Carinhas que botam todo 1 kg de melado em tudo que versejam. Talvez por isso atraiam tantas abelinhas.
Um exemplo (cuidado para não cair de costas) é o Quintana. Que heresia. Todo mundo e sua tia ama o Mariozinho. É tão fofinho. Versinhos tão bonitinhos. Todo inhoinhoinho.
Sou um desastrado. Nunca aprendo a fazer média. Os mamíferos bípedes só funcionam na base da corrupção afetiva. Você me agrada e eu te agrado e vice-versa. Uma mão lava a outra, a lei suprema da humanidade. Acho que é a isso que chamam ser diplomático.
Não tenho tato. Não posso me preocupar em ter tato. (...)
Preciso sentir o que sinto.
Quando por alguma razão dissimulo um sentimento para mim mesmo, escondo um sentimento de mim mesmo, fico vazio qual o leito dum rio seco. É a mais insuportável das angústias. Porque insentida.
Os que já estavam cismados comigo, com o que acabei de vomitar, provavelmente fiquem enojados. Sorry. Sou um porco. Triste. Rara, muito raramente penso ter encontrado. Encontrado o quê? Não sei, óbvio. (E quão óbvio eu sei ser, jesus!)
O choque que causo nos outros, meu, é tão corriqueiro, tão natural para mim, nem me dou conta. Só percebo quando vejo a repulsa nas caras deles. Sempre foi assim. Sempre, óbvio, será. Ah, sim — agora será um misto de repulsa e comiseração. Eis outra das minhas especialidades — provocar pena. O mais degradante dos sentimentos.
Logo, amanhã, depois, vai acontecer tudo de novo. Topo com alguém que, sei lá por que cargas d'água povoada de larvas da dengue, julgo que queira me entender. Tadinho. Tão incompreendido, tão nauseabundo em sua infantilidade escancarada.
Isso aí. Talvez queiram se lembrar, de vez em quando, que cruzaram c'um poeta sometime, somewhere. Mau, mas poeta. Como (mau) poeta, a solidão é meu mundo. Não existem poetas sociáveis. Nem boas praças. Nem, ó mãe, construtivos. Ou edificantes. Ou modelares.
Já podem rir com desafogo — o lobisomem digital tá voltando para sua escuridão habitual. É tão mais fácil, tão mais simples ficar no escuro sozinho. É como se o mundo lá fora e os que o habitam fossem apenas uma miragem.



Um comentário:

  1. Não é somente uma miragem.

    Mas enfim, estou sem fôlego!

    (Ah que vontade de desenvolver minha desastrice.) CONTINUE...

    Não deixe de escrever RASGANDO.

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