Anonimanto

O tempo é uma arena que roda e nos erege estátuas.
Inocuamente.
Sem entradas, sem saídas.
Interminável para quem está dentro.
Inprincipiável para quem está fora.
Esta tarde me preparei mais uma vez para minha circular novena de cochichos. A maior, a mais entediante, a mais emocionante reza do meu mundo.
Minhas línguas coçam, acionam meus dedos que não sabem ficar quietos, disparando no mundo minhas sondas de sonífera investigação.
Os falastrões estão no comando.
Eles, os falastrões, não requerem apresentação.
Ninguém lhes pede que se expliquem.
São as autoridades que são simplesmente por falarem mais que a boca.
Os escuto mudo e elétrico de não saber com quem estou falando e da impropriedade de perguntar quem realmente são.
Falam tanto, tanto esses falastrões, que sequer lhes atento para a cara, o que, queiram admitir ou não, é um absurdo.
Obviamente não estão eles preocupados com o absurdo.
Pois, absurdamente, detêm o saber mais importante do mundo: a maioria de nós amordaçados vendados não arranca a mordaça e a venda porque sofremos desse indistinto medo sem identidade nem origem, sem cheiro nem textura.
Apenas com o propósito biológico de nos manter em nosso lugar.
Por óbvia razão: os personagens ocultos sob o anonimanto podem vestir suas fantasias e brincar de grandes literatos.
Que outro resultado esperavam?
Não poderia ser outro.
Se dizem diferentes para que o horizonte me salte aos olhos todos os dias da mesma cor.
Se forjam discordâncias para que, pasme-se, nada mude.
As divergências são anódinas, as diferenças se mesclam para desandar num angu insosso. E o sabor de superficialidade nunca passa.
Erros não são reconhecidos.
Fanfarronices são ignoradas.
O valor do outro jamais é adicionado na conta fajuta que nunca fecha.
Fora desafios!
Façam de mim o revolucionário cadavérico!
Me transporte para o segundo além dos meus fatos.
Volto depois.
Me reservo o direito de voltar depois.
Quando a ação estiver não morta.
Talvez moribunda.
Sem ensejar perdedores ou vencedores.
Que, fajutos, não reproduzam a legítima falácia de que há entre nós uns que são melhores que outros.
A internet deu uma voz a cada aluno que se acha no direito de ensinar o mestre, a noção de mérito se perde, ninguém se avexa de palpitar, nas escolas "lá fora" alunos espancam professores.
Teria algo a ver?
A arena é de fachada, ninguém corre riscos, os tiros são de festim, o debate é um simulacro, o fórum, um congresso nacional em miniatura em que as grandes questões são deixadas de lado enquanto os impostores se chamam de Va. Exa.
Arena do tempo.
Arena em que a cacofonia de cada voz se perde em ensurdecedora harmonia.
Arena feita de peças e personagens Lego em que os participantes simulam uma guerra de mentira onde o sangue é feito de suco de tomate.
Sangue? Serei um sanguinário?
Morro de medo de sangue como qualquer ser normal.
Mas o sangue de que falo é aquele a esguichar nas ruas do Rio, aquele que se derrama em cada esquina deste Brasil varonil em que os amestrados do Mais Imenso dos Déspotas só pensam em comprar o próximo modelo de TV de CL.
Sangue, eu disse? Pronto, lá se vai mais uma dúzia de leitorezinhos embora, enojados que um estraga-prazeres insista em cagar na mesa repleta de cristais cheios até a metade de Don Perignon da sala de jantar de mogno extraído da Amazônia.
Se o que o Google busca é um picadeiro cada vez maior (sabe-se lá pra que; vai ver o dono do Google se orgulhe de manter milhões de blogueiros em eterno mutismo), então faz um péssimo negócio permitindo que este chato viva melando as relações cordiais entre os vivos. Afinal tudo que todos querem é se manter nesse estado hipnótico em que fazem uma mediazinha mútua, puxando sacos mutuamente, trocando figurinhas enquanto teclam sonâmbulos.
Mas preclaros senhores e senhoras, não se preocupem. Para alegria que é minha, minha, minha, em breve voltarei a hibernar. Por tempo indeterminado. Eis que meu prazo de validade está em vias de expiração.
E o sono online poderá restabelecer-se.
Sim, você está lendo o assunto errado no blog errado.
Bem aí diante do seu olhar estão as palavras dum sujeito averso a diplomas.
Enojado de backgrounds.
Que tem engulhos com o princípio tão estimado pela gente brasileira do “com quem estou falando?”
Não tenho apreço nenhum por diplomados.
Detesto acadêmicos e seu ambiente resguardado em clorofórmio e seu simulacro onde os professores só pensam na aposentadoria.
Estou ciente de que, sim, o bloguismo veio contribuir para o extermínio da literatura.
Que é que posso fazer, porra?
Não sou Paulo Coelho, Philip Roth, herdeiro de Primo Levi.
Desde cedo procurei seguir Faulkner, dropout da faculdade e talvez por isso mesmo dono de suas próprias palavras.
E Stela do Patrocínio, semianafabeta morta em hospício, das minhas poetas preferidas, testeira da minha infindável lista.
Neste mundinho nojento de arquitetos do cientificismo, professos da herdade da ciência, devo buscar os amadores que, só eles, ainda sabem o caminho da minha verdade mais profunda que poderá ou não poderá disparar a colossal necessidade de mudança que trago em mim desde sempre.
Nasci, e sei que nasci, com um alarme hipersensível contra o costume mineiro do chove-mas-num-molha.
Desde meu primeiro dia neste mundo me obrigam a engolir o óleo de rícino macerado para aquele que não fui nem sou eu.
Problema seu, pareciam debochar.
Todo artista tem -- e tem de ter -- algo de dom-quixote.
(Talvez me achem soberbo por me autoproclamar artista. Com a devida vênia, achem. Sou artista, e com talento.)
Não à toa, Dom Quixote é a obra que inaugura o romance moderno.
E com um heroi que faz o quê? Bidu. Luta contra moinhos de vento.
Minha luta contra a mediocridade é meu moinho.
Mas não sou apenas mais um aluno da classe.
Sou, sim, por minha natureza, o marmanjo arruaceiro que senta no fundo tirando uma dos cus-de-ferro, babando pelas pernas da fessora que escreve desdenhosa, alienada no quadro, olhando e sendo olhado com perplexidade pelos futuros médicos e engenheiros.
Estou cercado de moinhos.
Não, não é uma basófia.
Apenas um reconhecimento particular.
Sempre que você me ler, ficará, ou deverá ficar, cum travo de indisciplina no fundo da garganta.



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