Blogando 7381

Quase onze da noite da véspera de Natal e estou no meu buraco a salvo de mais uma dessas ocasiões artificiais que a humanidade inventa a cada mil anos. Me sinto absoluto. Sou absoluto. Não, nada a ver com essa porcaria de comercialismo que os herdeiros da geração de sessenta usam para forjar uma marginalidade que eles de fato não têm nem nunca quiseram ter. Tudo a que aspiravam era cheirar todas, comer todas e enriquecer como qualquer capitalista burguês sartreano que nunca admitiu a própria humanidade imunda.

Mas esta é a noite feliz e não quero falar desses meus temas mórbidos. Não, não sou o mais duro e cruel dos antiburgueses celineanos. 

Fico cá no meu covil à espera dos indícios de que papai noel está presente. Desde meus três anos aguardo que ele bata na minha porta, nunca engoli aquela porcariada nortista de chaminé, meias e o cacete. Boto Du holde Kunst no computador, com Arleen Auger. Soprano. Americana. Ninguém destroça o alemão com mais eficácia que os americanos. O mínimo que são capazes de cometer é soletrar Bitoven, como os Beatles há cinquenta anos. Não estão nem aí para essa bobajada de falar direito. Os cantores líricos brasileiros, mais ciosos de sua inferioridade cultural, têm melhor pronúncia. Quando vão fazer turismo na Alemanha, os brasileiros são elogiados pelos nativos pela perfeição daqueles montes de encontros consonantais. Puta merda, as consoantes também se encontram?

Knock, knock, knock.

(Sorry, só sei imitar batidas na porta em inglês.)

Salto da cadeira e vou lá ter.

Atrás da vidraça da porta vislumbro a figura.

É ele.

O morto.

De novo.

Abro.

Ele já está de mão estendida.

Pego e aperto. Gelada. De novo. Até quando serei obrigado a acolher o enregelamento cadavérico desse filho da puta?

Feliz Natal! ele exclama.

Tenta mostrar entusiasmo no bordão mas quebra a cara. Não há morto que deseje Feliz Natal com um mínimo de naturalidade e capacidade de convencimento.

Obrigado. Pra você também — retribuo o tom desenxabido. 

Por um segundo pensei em estender meu voto à família dele mas me contive a tempo.

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