Não há parques nas redondezas e eu não ligo

Você pode rir e quem sabe eu até acabe rindo com você, não sou duro como gostaria, foram décadas de frustração tentando imitar os mocinhos altos, loiros, de olhos azuis daqueles faroestes de bolso que comprava às dezenas na banca de jornal na esquina de casa. Hoje vejo que queria não apenas macaquear os estereótipos de herói da subliteratura americana, mas queria acima de tudo que um dia em minha vida — um que fosse, de toda minha vida, do começo ao fim — pudesse ser simples como aquele da chegada do misterioso forasteiro num vilarejo no meio do nada que, com sua mera presença, instituía a civilização, escorraçava  os bandidos e de quebra amolecia o coração de pedra da sofrida mocinha que aos parcos 19 anos, tendo experimentado nada mais que percalços em sua brevíssima existência, já decidira que viver é lutar e que seus grandes, belos olhos, também azuis, que lembravam as taças de champanhe dos cabarés parisienses jamais haviam avistado uma única evidência de que existia no mundo algo suficientemente belo para ser avistado por seus grandes, belos olhos eternamente azuis.

Era uma dor palpável como a mesa da cozinha. A cabeceira da cama. O chão de pranchas de ipê. As venezianas apodrecendo na janela. O frasco de desodorante Avanço esguichado às pressas na noite de sábado como se em meu céu houvesse potencialidades.

Se Maharishi Mahesh tivesse então emergido de Within You Without You que tocava obsessivamente em minha vitrola xadrez e me ensinasse que tudo que eu precisava era aprender a morrer — e me convencesse —  eu teria me consentido a crer num deus, indiano, católico ou o que quer que fosse. Alegremente.


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