Autoladrão


Você sabia que lá longe onde o céu e a terra se encontram (sim, lá onde podemos acariciar as nuvens com a mão; mas cuidado! as nuvens não se deixam acariciar impunemente) está a maior biblioteca de todos os mundos e de todos os tempos, que guarda apenas UM livro?
E mais: o acesso a essa obra única não é facultado a qualquer um, não senhora – para poder lê-la o sócio da biblioteca deve preencher alguns requisitos.
Sendo que os CINCO principais são:
1) Ter uma e uma só vontade
2) Viver cada minuto de seu dia obcecado, antenado, hipnotizado, maníaco e outros adjetivos congêneres por essa vontade
3) Saber de sobejo, saber de antemão, saber para além dos clichês e das frases feitas que essa vontade é inatingível, pois ela, sim, ela mesma, ela! a vontade já foi exaustivamente descrita por todos os maior gênios literários sofredores da raça em todas as grandes tragédias românticas já escritas por esses gênios literários sofredores que um dia também sentiram na pele a dor de se pensarem invisíveis, mudos e minúsculos
4) Que a dita vontade impera, rainha absoluta, na região central dum país sem lei nem governo que sacode desvairado dentro do peito, e
5) Que ao tentar pensar nela, nela, a vontade, esquecer de que se trata de tal vontade e a única vontade que então remanesce é a de gritar um berro oco, um grito barroco que não traga nenhum alívio nem resulte em nenhuma consequência senão assustar os vizinhos, que, aos cochichos, comentarão uns para os outros “puxa, como tem maluco por aí hoje em dia”.
Mas que é que tô fazendo? Esse papo de vontade já deu faz séculos. O mundo é outro, eu mudei, sou outro.
Embora seja o mesmo.
Acariciar as nuvens? Que cafonice é essa? Terei de fato me tornado tão fanático, que descambei para o brega?
Minha vontade, minha vontade de verdade é poder nunca mais pensar nas minhas ausências.
Passar uma camada de uma tonelada de concreto e asfalto sobre a palavra “procura”. E suas crias.
Por meia hora, manter um mínimo de sossego, de sobriedade, de sabedoria, e voltar a escrever os textos que escrevia há, dez, vinte anos, que me davam uma boa sensação humana de missão cumprida.
Mas não me deixas!
Me deixa!
Sai da minha cabeça, abandona meu olhar, me liberta duma vez.
Para de subjugar todos meus pensamentos, me devolve a chave dos meus atos, restitui minha liberdade.
Ah, aquela estátua de Drummond em Copacabana, Carlos enfim conseguiu. Jamais foi tão feliz depois de ser convertido em granito!
Escuta, vou gritar >>> Estátua...!
Espera. Meu grito logo chegará. Primeiro ecoará na Lua, reverberará em Júpiter, ricocheteará nos anéis de Saturno.
Sua trajetória levará um segundo, um mundo, uma vida.
Escuta, Drummond, estátua absoluta, nuvem indivisível, poeta prepotente, hálito da pedra, demasiado mudo.
Escuta.


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