Existe um lugar onde estarei bem, por incrível
que possa parecer.
É um lugar em que estarei bem... se estiver fazendo
o que gosto de fazer.
É um lugar em que estarei bem se estiver
escrevendo.
Se estiver escrevendo como gosto de escrever.
E como gosto de escrever, afinal?
Gosto de escrever num transe.
Gosto de escrever assim, em catarse, palavras
diretamente conectadas às emoções, passando o mais longe que eu conseguir do
filtro racionalizante. Qual o transe de Pessoa escrevendo “O guardador de
rebanhos”. Um estado mediúnico em que as palavras brotam de dentro de você mas
não são suas e quando as lê é como se fossem de outro, atípicas no seu
vocabulário, estranhas na sua boca.
E percebe que você é mais você quando é outro.
Gosto de escrever do jeito que gosto.
E qual é o jeito que gosto, afinal?
É escrever do jeito que gosto.
Sem obediência às regras da gramática. Sem
obediência às regras da lógica. Sem obediência aos meus próprios critérios.
Repetindo exaustivamente palavras e períodos.
Assombrando o fantasma da professora Ivone que
tantos anos tentou socar dentro de mim um decálogo de normas do estilo grande
demais para esta minha cabeça aversa a tudo que me é estranho.
Professora Ivone, assim é que eu gosto.
Não, não pare a aula, não feche a escola, não
convoque o diretor, o secretário da Educação.
Não, não quero trocar de lugar. Continuemos
assim: eu, sempre aprendiz, a senhora, eterna sabichona.
Assim é que gosto.
Assim é que sei.
Assim é que preciso.
Eis meus três verbos preferidos.
Preferidos, não. Básicos.
Que na época da professora Ivone não sabia
conjugar.
Ah, que rebelião esta, que nunca termina.
Tudo por causa de três verbinhos vagabundos.
Básicos.
Cujos significados já devia saber antes de ir
para a escola.
Já devia saber aos três aninhos.
Será que a molecadinha de hoje em dia os sabe?
Eles são tão espertos. É o que todos dizem.
Atento para eles na rua sempre que posso.
Sei que levam dentro deles uma resposta que
talvez seja a minha.
Sim. Concordo.
São terrivelmente espertos. Vivazes. Falantes. Têm
aqueles olhares inquiridores diabólicos. Me olham como se eu tivesse
acabado de descer duma nave espacial. Quero retribuir o olhar mas tenho medo. Pois
já sabem os significados dos meus verbos básicos que até hoje não aprendi.
Que não haverei de aprender.
Qual uma goiaba madura que se estatela no chão para
apodrecer ao pé da árvore, passei da época.
Não!
Ainda não sucumbi!
Ainda não me entreguei.
Qual a goiaba, estou carregado de sementes. Trago
em mim a sina da reprodução como todos os seres que brotaram neste planeta.
Muitas haverão de completar o ciclo, germinar, cair em seus respectivos
transes.
Assim é que gosto e amanhã levarei a todos até o
pasto das hienas.
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