Tá, sexta à noite, fim de semana à porta,
vou falar sério. Não, não é que quase nunca fale. Falo e dolorosamente. (Sylvia
Plath é a maior craque que conheço em jogar um advérbio vagabundo num verso que
estava incontornavelmente perdido.) Já disse alhures, e várias vezes, muitas
mais do que se tem por bom-gosto, que raras são as situações na vida mais
torturantes que falar com estranhos. Tá, no meu caso, com conhecidos também.
Íntimos, não me lembro mais. Lá se vão décadas que tive uma conversa
tête-à-tête com algum íntimo o bastante para trocar aquele que, lembro, nos faz
sentir pertencentes a um planeta e com os pés no chão. Estou perdendo o fio
aqui mas não vou reler desde o começo para saber do que estava falando. Sexta à
noite e o mais terrível dos fins-de-semana está à minha porta pronto para me
devorar. Décadas nas costas de solidão canina, aprendi, acho, que a dor mais
aguda da solidão não é o momento presente sozinho mas a perspectiva medonha do
desamparo futuro. Ah, o padecimento de falar com pessoas. Se sensível, a
batalha interminável de se esconder para que o outro não descubra tuas fraquezas e
se fingir de idiota tentando que o outro não perceba que avançou os limites
espiando dentro dele ou dela o que ele ou ela faz um esforço patético para
proteger de olhos curiosos. Lembro, quando falava com alguém, com as pessoas,
que me chocava o mecanismo, aparentemente natural e corriqueiro entre elas, em
que estão todos os participantes cientes de que uma conversa não é um diálogo,
com as premissas que um diálogo implica, mas um discurso surdo. As pessoas têm
a fala sei lá quanto mais desenvolvida que a audição. Aí está o segredo, cara! Se você nasceu do lado errado, meus
pêsames, a menos que seja psicanalista faturando uma pequena fortuna por cada
sessão a emprestar a orelha de lata de lixo para resíduos afetivos de
terceiros. Ao longo desta sexta entrei algumas vezes num estado peculiar, de
clarividência repentina, em que a resposta se ilumina à minha frente qual fogos
num festejo de réveillon e percebo com a certeza dos justos que ela, resposta,
é não buscar a continuidade. Nunca. As implicações, naturalmente, são
terríveis. Fazemos tudo por ela, continuidade, é o nosso foco, o motivo quase
inconsciente que nos leva avante, há, claro, muito de incoerência aqui, ao que
só posso responder que a necessidade de coerência é apenas uma das formas em
que o tacão da continuidade nos esmaga a garganta. Poeta fosse, diria que
somos, humanos, fracotes interruptos eternamente almejando à consistência. Sei
porque me lembro claramente dessas visões estupefacientes que tive entre um e
dois anos de idade. Saquei tudo lá trás e esqueci quando, na escola, me
confundiram com um fatalista. O preço do pensamento livre é incomensurável e só
os fortes talentosos estão aptos a o bancar. Não estou a fim de brincar com os
portugas hoje. É sexta à noite, o mais desastroso dos fins-de-semana me bate à
porta, será, espero, o último, sim, uma esperança pusilânime subjaz às minhas
palavras, você sacou, sacou, tenho certeza, há ainda os que imaginam a
literatura engenho de dizer o contrário do que se diz. Li algures hoje à tarde
um texto de Fabricio Carpinejar e pela enésima tive esta minha certeza lapidar
que o que a maioria busca são certezas. Fabricio é assertivo, costura pensamentos
em palavras que abrem e fecham um universo, errado, fajuto, capenga, mas universo "dotado de sentido". É o que o procura sofregamente o sofredor amoroso num divã. Que lhe
pontifiquem. Até aí, até esse ponto, Sartre estava certo. A liberdade vem antes
das palavras, que é o que acho que entendi do livro homônimo dele e de que andei
lendo algumas “revisões”, tá, tudo é revisto o tempo todo. Com perdão da
sutileza, de repente me deu esse clarão de que só os extremamente inteligentes
são livres para pensar. E, o melhor de tudo, não importa o quê. Nós, burros,
não pensamos, temos, como disse alhures, meras florescências elétricas,
necessárias para preencher nossas pupilas e evitar que o outro, aquele com quem
é tão duro trocar impressões físicas, vislumbre essa imensidão vazia que nos
habita. Ia me esquecendo que neste mundo de certezas só me resta escutar um
rock. Na postagem de ontem escrevei “roque” e acordei no meio da noite
wondering why. N.B., não “me perguntando”. Nós brasileiros de cérebro
domesticado por Uncle Sam não nos perguntamos nada, seria risível além da conta.
Então boto Somebody to love com o Jefferson
Airplane, me frustra que a performance de Jim Carrey naquele Cable Guy é infinitamente melhor, dá uma
dimensão artística ao roquezinho que o original certamente não tinha ou ninguém
percebeu. Você já se imaginou batendo na porta duma casa estranha, desarmado, despreparado,
sequer atento para o assombro que certamente estará “estampado” na fuça do “anfitrião”,
aquele que sempre aguarda o império da continuidade? Eu já. É o que a arte faz
com todos nós a que apenas poucos nos damos o trabalho de prestar atenção. Odeio
soar deselegante mas ô raça pra se amarrar numa anestesia, seu.
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