Ildinha é excessiva. Tem uma alma gigante, que
não cabe dentro dela. Às vezes pensa ter vislumbrado um rabo em sua alma, cuja
ponta parece querer sair pela boca. Outras, chifres. Chifres retorcidos,
pontiagudos, cutucando por dentro.
Ildinha sente-se estufada. Contém muito mais do
que poderia comportar. Talvez fosse bom fazer um furinho na cabeça para se
esvaziar um pouco.
Um saquinho plástico entuchado do mundo.
Ildinha tem corpo demais. Dedos demais. Mãos demais.
Pernas demais.
A cabeça é enorme. pesa – pesada de não poder
mover. Os braços saracoteiam descontrolados, querendo sair do quarto e dar a
volta na cidade.
Talvez pudesse ir amputando. Primeiro os dedos
dos pés. Depois os pés. Depois as pernas. A barriga. O peito. O pescoço. Até
ficar só um braço e a cabeça. Um segurando o outro.
Então o braço poderia tatear o criado-mudo e
apanhar a tesoura e furar os olhos e decepar o nariz e recortar os lábios e
extirpar as orelhas.
A boca continuaria emitindo o arroto medonho e
contínuo do fundo da alma gigante. Mesmo cega, a cabeça continuaria a
vislumbrar o rabo, os chifres, as garras pontiagudas. O nariz continuaria a
levar o fedor horrendo ao estômago que não existiria mais.
O braço remanescente tatearia novamente o
criado-mudo e ligaria o rádio. Uma música entrecortada de metralhas e estrondos
começaria a nascer e tomar conta do quarto.
Talvez Ildinha pudesse dormir.