Não insista, sou incorruptível

O olhar de minha mãe deitada no sofá tendo o derrame que em dez segundos a carregaria embora não era tão vazio quanto eu.
Minha sombra assomando no muro contra o qual caminho e do qual não saberei para que lado virar quando o atingir não é vazia como eu.
O mundo sem palavras que você me deixou quando me deixou não é vazio como eu.
O copo na mesa ao longo da interminável noite carregada de vazio não é nem nunca será vazio como eu.
Não estou certo se nasci vazio.
Minto. (Os vazios não têm saída senão dizer mentiras, que são apenas verdades vazias.)
Nasci, sim. E estou certo de outra coisa – mesmo totalmente vazio, vou-me esvaziando sem parar dia após dia. Nem por isso uma vez sequer me perguntei para que serve a ciência. Para os vazios, nada serve para nada.
Um dia, me sentindo tão vazio que não conseguia me sentir, escutei ao longe o terceiro movimento da sonata 31 opus 110 de Beethoven.

E por inteiros dez minutos pude me enganar que um dia houve alguém neste planeta que me ensinou a me salvar ao menos durante dez minutos.

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