Insuportável alegria

Sozinha, me traz uma porção de polenta.
Não sei como você consegue comer essa merda.
Fala baixo.
Pra que, com essa ventania apitando lá fora?
Fez a lição de geometria que a professora passou?
A geometria que eu gosto é o desenho formado por tua esporra no meio das minhas pernas. Sal a gosto? Papai anda pensando em oferecer cegonha frita no cardápio.
Senta um minuto aí, preciso te dizer uma coisa.
Tá vendo aquele sujeito na última mesa?
Não.
Do outro lado.
O careca?
Não. O cheio de tatu.
Que é que tem?
Taux a fim de dar pra ele. Que é que tu acha?
Eca, morro de nojo de tatu. E é careca. Eca.
Me amarro em homem careca. Não leva tão a sério. Que tamanho dá?
Catorze.
Será?
Treze, no máximo.
Dezoito.
Não. Demais.
Dezessete. Menos, nem sonhar.
Eu que pensava que tamanho não fosse doc.
Só. Mulher que diz que não tá mentindo.
Vem cá.
Vou.
É porque vocês mulheres separam tão distintamente cama e dia a dia?
Pode ser. Acho que sim.
Sílvia fazia papel de virgem vestal comigo, até que descobri que nas mãos do amante virava puta.
Descobriu como?
O comportamento dela na cama foi mudando. Tinha algo estranho.
Estranho como?
Você sabe. Qualquer diferença de comportamento, por mais ínfima, se agiganta na cama. Parecia outra mulher.
Deve ter sido bom.
Foi, enquanto não saquei. De repente...
...de repente...?
...começou a fazer sentido... O timing. As coincidências. As carícias eram outras. As safadezas verbais mudaram. Até aquela noite em que pediu, me chama de puta. Me desarmou. Brochei no ato. Nunca tinha pensando em chamar ela disso ou daquilo. Fui deixando pra lá. Dias depois sinto um dedo enfiado no meu cu. Tentei relevar. Não que meu rabicó fosse sagrado. Você sabe que não. Mas Sílvia sempre agiu qual Maria madalena. Jamais lhe ocorreria sodomizar digitalmente o sujeito que a estivesse comendo. Salvo a pedido do próprio cabra.
Quer dizer que ela estava tendo lições de safadeza com outro, que depois praticava com você na cara dura?
E nem tomava o cuidado de disfarçar.
Pobre benzinho.
Comecei a sacar cada uma das manias do sujeito, puta que pariu.
O modo de ela me beijar, a maneira como abria as pernas, o jeito de segurar meu pinto. Era como se ela estivesse transando com o cara no meu lugar.
Taux sentindo a bucinha molhada.
Fui ficando com medo.
De quê?
Que ela me chamasse com o nome dele.
Qual o drama? Todo mundo se liga em misturar as coisas.
Não, amor. Prum homem não é tão fácil quanto parece.
Não me diga que foi por isso que ela te deixou?
Só.
Ficou envergonhada.
Vergonha, só de mim. Fiquei sabendo duns certos causos.
Não precisa contar.
Só.
Virou arroz de festa.
Só.
Quem diria, a dona Sílvia.
É assim que chama ela quando conversam?
Sim. Dona Sílvia. Chique né?
Ela exigiu?
Não, mas não me deixou à vontade pra chamar de você.
Vem cá.
Vou.
Que é que falam de mim quando conversam?
Confidencial.
Tinha certeza que ia fazer boca de siri. Quer saber?
Não.
Ela me conta.
Problema dela.
Queria escutar é dessa bocona grossa de chupar troncha.
A boquinha dela até que dá tesão.
Só. E a língua pode ficar elétrica sob as carícias certas.
E se nós três...?
Quem sabe. Daqui uns meses, se tudo correr bem.
Experimentaram quando estavam casados?
Nem pensar. O mundo viria abaixo. Sílvia é cheia das vergonhas.
Liberado então?
Vamos dar um tempo, morzin. Ainda não me posicionei a respeito. Mas, se formos em frente, me promete.
Não prometo nada.
Então esquece.
Quer que prometa o que agora?
Nada de Lacerda e dona Jussara no lance.
Prometo não senhor. Mamãe e papai é que dão tempero no negócio.
Taux fora.
Esteja.
Deixa de ser cruel, morzin.
Não deixo.
Sílvia nos braços do Lacerda, não dá nem pra imaginar.
Chega de viver de imaginação, porra. Hora de concretizar teus desejos. Vai acabar enlouquecendo.
Já enlouqueci, morzin.
Sempre pode piorar.
Não brinca.
Não brinco.
Pior, não dá pra imaginar.
Quem é que vive se gabando de ser o rei da imaginação? Imagina aí.
Como você é ruim, benzin.
Sou.
Ruim ruim ruim e ruim.
Sou sou sou e sou.
A polenta esfriou. Não quero mais.
Vou botar na conta mesmo assim.
Bruxinha. Me traz outro stein. Gelado desta vez. Daria pra baixar o som da tevê? Esse sertanojo, fico nauseado. Minha cabeça vira uma lata enferrujada, uma lata cheia de vermes no lugar dos pensamentos.
Papai não deixa. Reduz o consumo. Você não é o único freguês da casa. Vê se escreve um poeminha decente pra variar. O último tava um horror. Fui.