Die Forelle

Sigo pela calçada brincando internamente que os transeuntes estão mortos.
(Nota: isto se deu ontem, quando ainda acreditava na existência de transeuntes.)
Passa um. Um passa. Grudo ostensivamente os olhos nos olhos dele. Ele parece se assustar, aperta o passo. Certo, não sou apenas eu no mundo que rechaça a intrusão de olhares alheios. Principalmente na rua.
Passa outro. Repito o procedimento. Esse parece não dar bola. Não se sente ameaçado. Nenhuma alteração digna de nota na expressão, nos olhos, no andar.
E lá vem o terceiro. E torno a aplicar minha brincadeira estão-todos-mortos-menos-eu.
O terceiro devolve meu olhar intrusivo mas é com o dobro de hostilidade que o faz. De repente sinto aquela secura familiar no fundo da boca.
Mais de repente ainda fico zonzo. Tento olhar em volta, todas as coisas estão em rodopio.
Fecho os olhos, levanto o braço esquerdo, dou uns passinhos a esmo, logro tatear a superfície áspera dum muro ou duma parede.
Onde me encosto. Solto o ar dos pulmões paralisados. Minha boca estrebucha. Espremo as pálpebras.
Abro as pálpebras. Va-ga-ros-am-ent-e. Giro o pescoço para auscultar, o terceiro transeunte sumiu de vista.

Acabo de fazer uma descoberta que evito admitir.