O próton está pronto, Sir

Se eu fosse eu.
Se você fosse você.
E parássemos de nos confundir.
No mundo dos adultos onde não vivo.
Onde vivo então?
Vivo no meu, que levei décadas para erigir.
Se fosse você.
E se vivesse no seu mundo.
Prestaria muita atenção.
Algo ruim parece sempre prestes a ocorrer.
Neste instante. No próximo.
Se estivesse aí dentro dessa sua pele e dentro dessa sua cabeça, ficaria paranoico.
Com todas essas peças, todas essas peças incontáveis desse quebra-cabeças que você tem de jogar aí fora.
Você é culpada.
Gente como você é culpada.
Quer se preservar de quê? De mim?
Sou o menos nocivo dos teus inimigos.
Se a ameaça cibernética eclodisse amanhã, eu seria um dos poucos a quem poderias recorrer.
Eu seria, ó cristo, o único ser neste infindável universo a quem poderias recorrer.
Algo ruim está prestes a ocorrer. Definitivamente.
Algo que te matará um pouco sem que sintas.
A menos que estejas tão habituada a morrer, que já não dês importância.
A menos que estejas já enterrada.
Gosto quando me enterram.
Fico tentando respirar.
Me transformo num ator que se transforma num ator.
E finjo que achei um motivo pra viver.
E me dá esse insight convulsivo.
E me sento no balcão do Four Seasons em NY e peço ao barman the usual e, em estado de fervura, apanho o copo repelente e, triunfal e  frustrante, tapo o nariz e tomo sem pensar.
São estranhas as sensações de que preciso, se quero sobreviver até amanhã cedo.
Há lá fora, na noite escura
Um inseto, não sei se horrendo
E gigante
Não sei se angélico e
invisível
No encalço de alguém
Que tudo sabe
Que nada sabe
Do escuro da noite
Quantas vezes repeti em meu verso esta palavra?
Tantas quanto me dói usar esta palavra.
Tantas quanto me traz lembranças que não posso mais lembrar.
Tantas quanto preciso repetir esta palavra até esquecê-la.
Brincadeiras à parte
Vem!
Vamos brincar
Vem brincar comigo
Minha primeira e última brincadeira
É assim:
O mundo está escuro e tudo que sentimos é o cheiro do mato à nossa volta e tudo que escutamos é a respiração, eu, a sua, você, a minha. É mentira. Escuto outros sons. Sinto outros cheiros. Sinto o odor das tuas axilas que me embriaga. Sinto seus cabelos roçando no meu braço, no meu ombro, na minha coxa. Invejo a razão pela qual teu peito arfa. Teu peito arfa pelo esforço da corrida, não por mim. Vem! vem brincar pelo pouco que possa haver de sagrado no fundo de mim nas eras irreconciliáveis que habitamos.