3:45 de novo

Quando Elizabeth acorda, está escuro ainda. E o pássaro desconhecido pousa no galho de sempre. E o cachorrinho da casa ao lado, em seu sono, solta um único latido, inquiridor. O pássaro, talvez em seu sono também, trila uma ou duas vezes, indagando.
Perguntas – se é que são – que recebem respostas diretas e simples do próprio dia.
Minha pobre Elizabeth, por que acordou tão cedo, afinal?
Se não se importa, posso especular um motivo: desconfio que foi por solidão, um sentimento de solidão tão avassalador, que te deixou imóvel na cama.
Um sentimento de solidão tão poderoso, que te obrigou a buscar a companhia dos animais.
Tal como teu pássaro e teu cachorrinho, também tenho uma pergunta. Mas esta nem o dia nem nada nem ninguém nunca me responde.
E acordo mais ou menos às 3:45 toda madrugada, sob a melíflua flauta do meu sabiá-laranjeira. Bem antes que você, portanto. Meu sabiá não pousa em galhos, pois aqui onde moro não há árvores. Meu sabiá, porém, é de circo e se habituou a cantar nos telhados encardidos de fuligem.
Há mais de 30 anos este sabiá me acompanha e me acorda onde quer que eu esteja com seu assobio de frases curtas, tão humano, que às vezes penso ser capaz de imitá-lo. (E imito, baixinho, com vergonha de que me escute e ria das minhas veleidades de marmanjo canoro.)
Então Elizabeth, ainda deitada, conclui que todas as perguntas estão respondidas, não há mais necessidade de refazê-las.
Será que, então, ela se levanta para enfrentar seu dia (aquele que tem as respostas?)
Ah, me desculpe, doce Elizabeth – esqueci que as perguntas tinham-se acabado.
(Na verdade, acho que o que acabou, muito antes, foram as respostas.)
Toda madrugada, lá pelas 3:45, estarei aqui, olhos bem abertos, fitando a escuridão, esta escuridão que hoje é mais negra do que já foi um dia.
E quando meu sabiá-laranjeira assobiar, fingirei que estou acordando. Nesses mais de 30 anos nunca desconfiou que o venho enganando.
Estaremos sempre aqui a escutar, Elizabeth. No momento mais negro da noite de perguntas surdas e mudas. Quando essa solidão sem língua bater, basta chamar.
Enquanto lá fora o mundo inteiro está anestesiado com a resposta errada e em nossa abissal solidão não temos nem um ao outro.