Mario Quintana disse, não sei se em verso
ou meramente em proclamação planejada à posteridade, o seguinte: a vida é o dever que nós trouxemos para
fazer em casa.
Li sentindo os lábios se preparando para
um sorrizinho sábio. Esses mestres são pródigos em nos comover com seus dísticos
edulcorados.
Um dia papai me comprou uma coleção, quinze
livrões azulados de que ainda guardo meia dúzia na estante da sala, um, meu
preferido, li anos a fio, ainda hoje me atrevo, desconfortado, a abri-lo numa
página ao acaso, é assim que gosto de ler, acidentalmente como tudo que é
significativo nesta vida, tive uma infância e pré-adolescência aninhadas na
perplexidade e quando escrevo as palavras que brotam dos meus dedos produzem
esse milagre de me lembrar que a seiva intratável que corria em mim aqueles
tempos continua a determinar as escassas impressões que consigo extrair do
mundo, mas que não permito que se transformem em LEMAS que esmagariam meus
sentimentos qual o tacão dum soldado nazista sobre a boneca de louça da
judiazinha do Gueto de Varsóvia num desses estúpidos filmes que Spielberg
fabrica para arrancar gotas salgadas das glândulas lacrimais da freguesia.
A presidenta na cerimônia inaugural vocifera
juras e ultimatos, o jornalista elenca as mazelas dos partidos, o crítico
tripudia das pretensões da romancista, o blogueiro tenta convencer seu minguado
público de que vale a pena perder três minutos na leitura de seu último post, o
atendente atrás do balcão me explica em minuciosos detalhes como cada um de nós
deve se comportar e que tipos de pensamentos deve evitar para ser inevitavelmente
feliz.