...fucking christ, recuperando minha última mensagem
ontem. Que chique, não é? Digna dos avançadinhos (prafrentex, no meu tempo; também
tem um tempo que foi seu e não é mais?) Se fosse listar (este também é ótimo;
mas chega de inventário, senão nunca sairei deste redemoinho vocabular) as dez
coisas que mais me irritam (quando li uma Contigo da nossa empregada Quitéria
(na verdade, da sobrinha da Quitéria, que não sabia ler; a sobrinha da Quitéria
se chamava Creuza e, não lembro exatamente por que, não foi a ela que entreguei
minha virgindade. Aquele tempo analfabeto era trivialíssimo, hoje também mas os
que se fingem de espertos são em maior número), li lá na Contigo (me ligava
pacas naquelas fotonovelas lacrimogêneas, produzidas na Itália, as italianinhas
lindíssimas que me deixavam apaixonado até sair o número seguinte, largava meu Lobato
e ia correndo devorar, ainda tenho essa cristalina lembrança de aspirar a me
tornar ator de fotonovela um dia, até que era bem-apanhado (cáspite), não se
pode classificar assim um moleque de 8 anos, veio a adolescência, roda-viva, drogas
e rock&roll e fiquei feiinho, feiinho, aquele dia a Contigo trazia uma
reportagem com Sílvio Santos, perguntavam quais eram as dez coisas que mais
deixavam o dono do baú cabrero (a gente tende a achar que a falta de assunto é
característica desta época medonha da desinformação digital, veja como já
estávamos afundados até as orelhas na estultice) e o patrão do lombardi
respondeu que no topo de sua listinha estava... esperar. Fiquei, lembro, perplexo com a simplicidade e a naturalidade
da resposta. Até então pensava, ou melhor, deixava que aquele fiozinho de
palavras ficasse escorrendo dentro de mim, tomando o lugar dos meus
pensamentos, pensava que esperar fosse
uma das injunções da vida, dessas de que não podemos escapar nem se quisermos,
e não tinha como não gostar. Na minha
cabeça esperávamos e pronto. Fosse o tempo que desse na telha dos nossos
superiores hierárquicos, professores, médicos, dentistas, esses fdps que entram
nas nossas vidas apenas para nos tornamos seus esperadores. Em seguida olhei
pr'aquela carona cheia de dentes e pensei, uau, que fantástico ser rico, o cara
pode até se dar o luxo de não gostar de esperar, se fizesse uma lista das dez
coisas que mais me irritam neste mundo a primeira na certa seria a rapidez com
que palavras entram no vocabulário da maioria, assim sem mais nem menos, de
repente tá todo mundo remedando qual papagaio, vou recuperar isso, vou resgatar
aquilo, essa, de chorar, sendo a preferida de jornalistas semiletrados, se
acham o fino repetindo essa porcaria em tudo que é situação, pr’essa gente não
existe contexto, não existe precisão semântica, para que de repente o léxico do
sujeito, que já não lá grande coisa, some duma vez e o cara pensa, pombas, acho
que cabe um aqui, então dá-lhe resgatação pra tudo que é lado de tudo que é
jeito, piores são os televisivos, aquelas cocotinhas (ainda se usa? essa é
velha) de carinha tosca e olhar mais vazio que o Congresso Nacional numa manhã
de segunda, outro dia estava no barbeiro, o rostinho angelical da loirinha de
olhar mais vazio que o cérebro da Dilma, o tema é um atentado a um veículo no
Rio, de repente a peça tasca “Vejam o carro cravejado
de balas”, anotei mentalmente o nome da gênia, cheguei em casa, entrei no site
da Globo, me inscrevi pensando que poderia fazer comentários em algum canto, não
deixam, magina meia dúzia de gente letrada esculhambando o padrão de qualidade
dos caras, o pior é quando resolvem consertar o vernáculo, esses sujeitinhos que
nunca leram um livro, sequer na facul, deram de corrigir o idioma, agora não se
pode mais dizer “risco de vida”, temos de literalizar a coisa, acham que tem de
ser algo como pau-pau, pedra-pedra, não admitem sentidos figurados ou
aproximativos ou metafóricos, mas cravejar um carro de balas pode, risco de morte entraria em segundo na
minha lista, falando em lista hoje estava escutando o Mikado, uma opereta de
dois compositores ingleses do início do século passado, Gilbert e Sullivan, o
primeiro, libretista, o outro, encarregado das melodias, uma das árias é I've got a little list, altamente
recomendável, não perca se tiver oportunidade, dá só uma espiada nesta aqui Mikado, me apaixonei por essa mulherzinha
quanto assisti o filme há uns dez anos, se puder ler a letra vai ver que é do
balacobaco, às vezes me desespera me ver enfiado no meio deste lixo cultural em
que vivemos hoje, vou acabar louco, tudo bem, nunca fui lá um padrão global de
normalidade, mas os caras tão exagerando, e com a internet a barbárie se
potencializou por um milhão, medievais agora podem urrar o excremento que
antigamente passava quase o tempo todo a dormitar, viramos todos obrigados a
ler, a ouvir, a assistir, a presenciar toda e qualquer manifestação dos
selvagens que ascenderam à luz por obra da democracia cultural, a civilização
está fadada, cacilda, vou ter de voltar e reler o que estava dizendo quando
comecei, ah, dizia que estou recuperando minha mensagem de ontem à noite, um
lapso, evidentemente, peço que releve, vou recuperar porra nenhuma, vou é ver
se acho algum Mario de Andrade no meu computador pra limpar esse fel do fundo
da garganta, ei, ainda não lhe contei que estou em vias de arrumar um trampo,
i.e., nada totalmente certo ainda, meu vizinho Eme é que tá comprando outra van
e me perguntou se tô a fim de encarar, ele tem um serviço de transporte de
alunos, quer expandir, perguntou se tenho carta, ter, tenho, vencida há uns
vinte anos, mesma época em que tive de passar meu Voyage verde-garrafa nos
cobres pra acertar umas contas, mas já então não tinha mais paciência pra
dirigir, quantas vezes cheguei assim pertinho de passar por cima dum motoqueiro
ou entrar a cem por hora na porta dum desses milhões de maníacos sexuais que
zanzam pelas ruas em busca da remissão de suas taras mas o maior problema mesmo
são — tenho de confessar — o maior problema são algumas das alunas, flutuando
naquela idade intergalática entre a adolescência e os 16 aninhos, e entre essas
diabas tem uma, deus meus, só hoje puderam meus olhos acostumados à minha
feiúra no espelho comprovar que ainda existe salvação, meu vizinho Eme me levou
só pra sentir a barra pra ver se eu topava e lá estamos nós dois em pé diante
do portão da escola e aparece essa — releve mais uma vez, não tenho outra
definição — aparece essa nume em formato humano, trajando uma camisa branca de
uniforme e uma saia meio palmo acima dos joelhos, quer dizer, joelhos é força
de expressão, ela passou por mim, entrou na van, quando acordei o Eme tava me
chamando aos berros, me olhando meio preocupado, não, não foram os joelhos nem
os quadris nem as batatas das pernas, foi o olhar, duas pupilas incendiárias
que num instante mágico carbonizaram meus sólidos princípios éticos e morais,
baixei a cabeça, rumei pra van, me sentei ao lado do Eme, o estômago convulso,
o pensamento ruminando, me martirizava, porra, não tenho vocação pra Zeus, tudo
tanto me perturba, por acaso leu Lolita do Nabokov? O filme, assisti, mas é
mais um daqueles que viram pó no cinema ante o poder do romance, assisti a
primeira versão com o cara-de-dor-de-cotovelo James Mason, toda vez me
impressiona a carga de inveja que aquele sujeito levava na fuça, a segunda versão
com o catatônico Jeremy Irons nem cheguei perto, ainda mais que a mulher dele é
“interpretada” por aquela que atende pela alcunha de Melanie Griffith, que pelo
menos arrumou um marido à sua altura, o inexpressivérrimo Banderas, esse,
sempre que vejo me pergunto, que foi que o Almodóvar viu nessa múmia? o cara já
nasceu embalsamado, Hollywood não se explica, é a máquina diabólica feita
exclusivamente pra anestesiar 8 bilhões de bípedes, acho que vou entrar numa
fria...
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