Tinha de ser

No poema de Murilo Mendes a mãe morre e entra no retrato.
No meu poema ninguém nunca morre. Não existe morte.
Nunca.
Nunca meu poema.
Nunca ninguém.
Nunca memória.
Nunca tempo. Nunca feridas.
Nunca palavras.
O poema está pronto.
Estava pronto quando nasci.
Ali, olha, quando cheguei.
Onde deixei.
O sinal?
Todos eles olharam pr’um lado, eu, pr’outro.
Num gesto o poema se bastou.
Estou tentando fazer esse poema desde então.
Pretendo incluir o mundo que penso, a dor que tenho, a falta que sinto.
O poema estava escrito. Tivesse nascido sabendo ler, teria decorado.
E recitado pelos jardins em que fui levado a passear.
E recitado pelas comemorações em que fui convencido a ser alegre.
O poema, como respirar.
Não queria terminar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário