Jorge sempre teve máscara.
Já
na primeira infância escondia-se atrás de uma.
Depois,
na segunda. E na terceira. E de outra. E outras. E quantas fosse dado ter a um pequeno cristão incapaz de expiar os próprios pecados.
Na
adolescência foram múltiplas, dos mais variados tipos, para os mais diferentes
fins.
Máscaras
para todas as situações. Para todos os comichões.
Algumas
eram carrancudas. Outras, risonhas.
Outras,
triviais, fúteis, preguiçosas. Outras, secretas.
Algumas,
ladras. Únicas. Universais.
Já
adulto, Jorge começou a se livrar de umas. E outras.
Foi
pegando gosto por essa e aquela, desenvolvendo preferência pelas mais
confortáveis. As mais familiares. As menos perigosas.
Maduro,
Jorge se deu conta de que algo estava mudando.
Não
queria mais ter de decidir qual usar, quando usar. Parecia muito complicado. Decisões sempre lhe cobravam
um custo alto, o deixavam estressado.
Se dava conta, enfim: representava trabalho inútil. Eis que finalmente ia cultivando uma qualidade que sempre
admirara nesse ou naquele conhecido. Ou mesmo desconhecido.
Sim,
o pragmatismo.
Como
pôde? Como pôde demorar tanto para reconhecer que a única máscara que sempre quis, a
única de que sempre necessitou era a pragmática?
Pragmático,
Jorge logo percebeu que mesmo essa parecia supérflua.
Chega
de máscaras! proclamou heroico, libertador, imaginando o momento em que vislumbraria a própria face.
Vou-me
mostrar ao mundo como realmente sou! Me olhar no espelho e enxergar senão eu
mesmo.
No
dia seguinte, mãos à obra. E lá se foram pelo ralo metafísico as poucas que ainda
restavam: a do idealismo, a da religiosidade, a da compaixão. A da candura, por
que nutria terna predileção. A da competitividade, que sempre lhe causara
especial apreensão... ou, inconfessamente, repulsa. E mesmo a que, com tamanho custo, decidira ser a que lhe
caía melhor e ainda guardava cheiro de novidade.
Até
o dia em que, tendo passado por todas as experiências pessoais e interpessoais
que tinham sobrevindo com naturalidade segundo seus próprios critérios -- e Jorge
sempre fizera questão absoluta de exibir a quem quisesse ver sua bela máscara
da criteriosidade --, tomou a resolução que, bem no fundo sempre soube, teria
de tomar mais dia, menos dia: acabar com aquela história de máscara. Afinal,
não trabalhava em circo ou teatro. Não assaltava bancos, Não frequentava
bailes. Não era doutor.
Só
para descobrir, no dia seguinte e em todos os dias que se seguiram àquele, que
lhe era impossível arrancar a máscara do fingimento.
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