Noite de junho ou setembro

Ela acenou, sorrindo. Fez “espera aí!” com um movimento da mão e um meneio dos lábios. Um minuto depois a porta da rua se abriu e meu último adeus parecia não caber em mim nem em minha vida e lembrei duma antiga foto de minha mãe na janela dum casebre muito humilde em que o rosto dela se destacava do fundo negro de onde em meus três ou quatro anos temia fosse sair uma espécie vaga de monstro que primeiro devoraria a ela e então a mim. Ela abriu o portão e desceu para a calçada e se pôs a descer a rua e segui atrás. Dobramos a esquina e ela pegou minha mão e me senti pequeno e inexperiente. Aquela tarde tínhamos decidido terminar, agora percebia que ela também não acreditara muito em nossa decisão mútua. Pela quarta, quinta vez ensaiávamos uma despedida. De minha parte, claro, omitia que era uma não opção. Omitia para ela e sobretudo para mim mesmo. Nunca tive coragem de parar e assumir que seria incapaz de viver sem ela. Se parasse teria me dado conta da absoluta impossibilidade. Seria como optar pelo vazio, o vácuo, o nada, a morte. Desde muito cedo me achava relativamente preparado para morrer mas nunca tinha me levado muito a sério. O calor da mão dela dentro da minha de repente expôs a verdade medonha e a secura em minha garganta soou um alarme – precisava duma cachaça. Pensei em puxá-la na direção dum buteco na esquina mas não me atrevi. Precisava ter coragem e ficar sóbrio. Dois estranhos passaram por nós e a encararam com insistência e depois me olharam com desprezo como a se perguntar o que é que uma garota tão bonita fazia com esse fracassado. Ela me puxou outra vez, agora na direção da outra esquina. Ficamos andando pela noite, sem rumo, sem finalidade. Às vezes ela fazia um comentário sobre os pais, os irmãos, a escola, eu assentia indiferente, incapaz de me interessar. Nunca fui de jogar conversa fora. Então perguntei se ia no baile na casa do Serginho sábado à noite. Ela respondeu que não sabia se a mãe ia deixar. Torci para que a mãe deixasse mas continuei mudo temendo mostrar o que sentia. Ela me abraçou, me empurrando contra um muro, e grudou a boca na minha. Ficamos lá parados entrelaçando nossas línguas ávidas, esperançosas, desiludidas.

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