Belo
dia, acorda cansado. Cansado como nunca. Extremo. Definitivo. De dizer chega.
De não querer se mexer. De não poder viver mais um segundo. E decidido. Cansado
e decidido como nunca.
De
hoje não passa. Já esperou demais.
Está
decidido dum outro jeito. Um estado natural de decisão. Diferente das outras
vezes em que tinha de ficar se convencendo de que é o melhor para ele. Agora é
pra valer.
E
estranho. Um estado decidido tão forte, que domina o cansaço. Pensa na própria
cabeça e vê uma imagem engraçada: o cansaço extremo sendo abafado pela decisão
suprema. É assim que se sente. O velho cansaço que sempre teve, que parece ter
nascido com ele, finalmente vencido por algo mais forte. Predominante. Algo que
agora tem nome.
Não
vai durar muito, pensa c'um um pensamentozinho desanimado. É um pensamentozinho
experimental, um ataque-surpresa contra aquela tentativa de decisão. Todo dia é
assim. Basta um pouquinho de negatividade para a vontade sumir. Hoje não haverá
de ser diferente.
Está
num transe. Tem início a batalha. Decisão suprema versus pensamentozinhos
negativistas. Está preparado. Já esperava. Pois todos os dias a mesma
batalha se trava dentro de sua cabeça. Só que hoje é diferente. Nunca sentiu
tamanha convicção. Os solertes pensamentozinhos vão virar pó. É questão de
tempo.
Aguarda.
A batalha vai se desenrolando, ele só assistindo. Até que... Sim, é hoje! Exulta. Finalmente venceu!
É
hoje que dá um jeito na vida. Muda tudo. Faz o mundo girar ao contrário. Inverte
a direção das ruas. Acaba com os reclames da tevê. Vira terrorista.
Sai.
Toma o ônibus. Perambula pela cidade. Qual vai ser seu primeiro atentado?
Experimenta.
Compra um passarinho. Manda enfiar numa gaiola para viagem. Leva o bichinho
para casa. Põe a gaiola na mesa da cozinha e abre. Introduz a mão, encaçapa o
passarinho entre os dedos, puxa o braço para fora. Depois desse ato heroico não terá mais volta. Só os realmente decididos são
capazes de tal façanha. Está prestes a abrir a mão para soltar a ave quando se dá conta de que o bichinho morreu. Talvez tenha comprimido os dedos além do planejado. Vai até a lata de
lixo, abre a tampa e joga.
Então tem outra ideia.
Dirige-se a um petichope, pede o cachorrinho mais lindo e fofinho que esteja à venda. O
atendente mostra um pudolzinho branco com pompons nas patas. É esse. Leva o
bicho pra casa, despeja meio litro de leite numa tigela, deita-se na cama. É
hoje. Agora não tem mais volta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário