Na
noite da minha ausência quero ser espartano. Quero assistir a um filme de Rock
Hudson, quero passar esta noite num cabaré de Berlim e esquecer, nesta noite em
que deixo de ser e estar.
Me
permitam uma boutade esta noite: já que vou tirar férias permanentes, descerei
a via Anchieta e embarcarei no transatlântico construído por meu pai para mim.
Me aguarda a colossal embarcação ao largo do porto de Santos. Zarparei
diretamente, mas não para o rochedo Cila. No caminho não mais vencerei o
redemoinho Caríbdes.
Na
noite da minha ausência quero fazer um brinde — eu que agora me ausento de
tanto querer sorver —, um modesto brinde, à população do meu planeta.
Finalmente chegou a noite em que temos algo em comum e me sinto humano.
Na
noite da minha ausência quero encostar meu rifle à parede da sala e fazer de
conta que já não o vejo nem escuto lá fora os famintos coiotes que me obrigaram
a desperdiçar minha vida, toda minha vida, sonhando alvejá-los.
Nesta
noite da minha ausência me passam pela mente todos os pensamentos que já pensei
e cada um deles dura eternamente e cada um deles me faz sonhar e lembrar e
esperar, e em cada um deles preciso que me conduzam pela mão e me digam e me
mostrem: eis o caminho que já não comporta dilemas! Eis o caminho em que só te
resta imobilizar teus pés para que te levem daqui.
Na
noite da minha ausência, alguns poucos minutos antes da minha ausência, não
quero ver a casa do meu maior inimigo consumida em chamas, pois já não tenho
inimigos. Não quero levar comigo ninguém, nada. Não quero que preguem em minha
porta uma branca placa de latão esmaltada com dizeres em azul-marinho, “aqui
esteve um homem comum”.
Pois
quero que minha porta apodreça e já não serei um homem comum. Nesta noite
agarro-me à lógica que me guiou em cada um dos meus dias. Nesta noite não quero
a lua, não quero virar nome de rua, não quero meu rosto lembrado num
porta-retratos na sala.
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