O perdedor de estrelas



Literalidades

Perder uma estrela tem alguma importância? De todas que perdi, conta que não saberia fazer, nem nunca que me ocorreu fazer, que interessa?
Talvez viver minha vida seja perder uma estrela por dia. Ocasionalmente, mais. Duas, três, não sei ao certo. Será possível? Perder até três estrelas num só dia? Teria eu tal capacidade? Poderia qualquer ser humano suportar? É duro crer nessa possibilidade.
Sem falar da noite. Tenho a impressão de ser um perdedor de estrelas noturno. Custa-me irrealizável sacrifício confessar, mas foi por isso que me tornei notívago. Bons tempos aqueles em que me dava o singelo luxo de me embeber de Bilac. Lembro que era assim mesmo — ia absorvendo qual uma esponja. E outros, naturalmente: Pessoa, Mário de Andrade, Bandeira, até, puxa, Drummond. Li Bilac algum dia? Custa crer nessa realidade.
Creia-me — não é fácil ser um perdedor de estrelas noturno. Embora o tenha sido desde que nasci — terei perdido uma logo no meu parto? —, não me acostumo. Seria o mesmo que rir duma piada tendo uma faca cravada no fígado.
Sou um perdedor de estrelas experiente. Vivo em estado delirante, e em tal estado me toma a convicção de que vim ao mundo engalanado delas. Sim. Nasci um generalzinho recoberto de brilhos fátuos. Quem, me vendo hoje este arremedo de homem que perde estrelas a que cheguei, diria? Creia-me — não é fácil nutrir esta vocação de perder estrelas. É o que pode haver de mais antinatural. Tão antinatural quanto andar de cabeça pra baixo se apoiando nas mãos. E, como se ainda fosse pouco, para trás.
Com a experiência em perder estrelas, descobri que quando perco uma, a perco ao acordar de manhãzinha. Por isso é tão duro dormir à noite. A ansiedade da perda matutina não me dá sossego. Hoje sei o que passa na cabeça dum condenado à morte em sua última noite antes da execução.
Todas as minhas estrelas que perdi, as perdi de repente. Olhava meu céu, não estava mais lá. A princípio, não me dava conta. Ia perdendo, perdendo como perco hoje e sempre perderei, até que descobri. No meu céu, essa reluz como a Grande Estrela da Descoberta. Essa, não a perco. A cada minuto olho meu céu na esperança de não vê-la, mas lá está ela, luz totalitária, reluzindo mais que todas.
Todas as minhas estrelas as perco de repente. Mas olho meu céu forrado de nuvens escuras, a tempestade prestes a arrebentar, e vejo que você vai se apagando aos poucos.

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