O cabra moreno de lábios gordos de quem tem voz pastosa e
cara de quem trai a mulher e de quem não tem lembrança, uma sequer, da infância
e de quem não imagina o que signifique a palavra cordura vai ao banheiro. Tô
zonzo. Dou um tempo. Vou atrás. Nessas horas sempre tenho de redobrar meus
cuidados, me dá comichão de convidar o freguês para tomar um absinto, dizendo,
nunca tomei absinto, e você, van-gogh confrontando o Grande Vazio Cheio de Dor,
e se ele dissesse que sim, seria poupado, pelo menos é uma chance, sou o que
sou exceto atrabiliário, embora sei que a probabilidade de encontrar um freguês
que já tenha tomado absinto é, sim, é pequena, mas e se o cara disser que sim
mentindo e eu não tiver como comprovar se ele tá sendo sincero, nem eu mesmo
sei que gosto absinto tem, depois nunca lembro de encostar num balcão e pedir
uma dose só pra saber, assim vou me rodeando. Nessas horas fico um sujeito
sério. Mas que calor hoje, hein, ele mijando no último mictório, tentando ficar
o mais afastado possível dos outros. Pela abertura das pernas, o movimento do
braço que segura o pinto e a inclinação da cabeça, percebo que tem dificuldade
em urinar. Também tenho. Às vezes que só consigo mijar pondo no vídeo uma fita
de niagara-falls e subindo o volume da tevê até o máximo. É hereditário. Meu
avô também tinha. Meu pai não sei, pois não tive pai. Às vezes, bem no meio da
mijada, fico pensando se as cataratas-do-iguaçu não seria melhor. Aí o mijo para
e não volta mais. Empureço. Sempre quis ser patriota, não levo jeito. É
hereditário.
Mas que calor hoje, hein, no mictório ao lado ponho a mão na
altura do pinto, fazendo de conta que vou mijar. O cabra me olha abalado,
querendo dizer, porra, tem três mil mictórios desocupados nessa merda, tu pega
e escolhe logo um do meu lado, seu filho-dum-judeu.
Pobrezito, a última mijada. Minha última mijada quero dar em
poços-de-caldas. Fantasia de criança pura, não sei. E não gosto que me chamem
de judeu.
Antes, não resisto, dou uma espiada no pinto dele. Tamanho
médio. Não devia ter olhado. Agora vou ter pesadelo.
Agarro ele pela basta cabeleira, própria para ser agarrada
por trás. Nesse exato instante começa a tocar o hino-nacional em algum lugar.
Nossa, hora-do-brasil já? Sinto os olhos molhados. Eu e minha mania de chorar
com o hino. Desde as mais profundas purices d’eu criança.
Então sinto meu semblante rejuvenescer e me dá vontade de
lascar um beijaço na boca do mijão e abro uma avenida a meia altura na
garganta. Ele sente só o espanto, morre antes da dor. Geralmente aplico uma
cutucada simples no fígado, o santo fica lá borbotando feito válvula enguiçada
de sangueoduto treblinka-buenosaires-esquinas-da-minha-infância, tentando
relembrar os poucos bons momentos que teve na vida, pedindo perdão ao pai, pesando,
valeu a pena ter vivido?
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