Memórias do cárcere químico XXV

Entrevejo no YouTube uma entrevista c'um barbudinho de fala mansa. Ah sim, reconheço o fiozinho de voz, é aquele useiro do Jornal da Cultura, sempre a defender os valores da democracia vis à vis extremismos disparados à esquerda e à direita capazes de dinamitar os pilares da República dependendo da força dos que os — piu! pow! pow! — disparam.

Desligo o aspirador por fim, depois de algumas tentativas frustradas de ajuizar o que tanto palreiam as dignas figuras de olhar pregado na câmera querendo que nós espectadores paremos incontinênti o que estamos fazendo para atentar no que dizem com tanto entusiasmo e esforço de convencimento.

O barbudinho vai chalrando com mais fervor que de costume, tropeçando nas próprias palavras — sinal de pensamentos absortos (é o que sempre digo, cara, se você está na tevê se dirigindo a alguns milhares de pessoas, pelo menos tenha a vergonha na cara de, antes de deitar falação, fazer alguns exercícios de concentração, porra!). Enquanto chilreia distraidamente em busca dum assunto, o rapaz vai produzindo cacos de sons que mui desarmoniosamente contrastam com a elegância de seu paletó escuro combinando rigorosamente com a gravata escarlate.

Largo o aspirador e me sento na beirada da cama para ver se pesco a razão de tanto blablablá. Bem, parece que o barbudinho e seus pares estão amofinados c'uma falta gravíssima no espectro ideológico nacional. Na verdade, e na mentira, o dito está mais inflamado que os demais. Tanto, que sua incapacidade eufônica agora lança no ar pedaços brutos de fonemas  ríspidos e espinhudos, muito bem capazes de fazer picadinho dos tímpanos de ouvintes menos prudentes do que este que ora vos relata os fatos como são, não como gostaria que fossem.

A questão toda se resume, pela infindavelésima vez, a constatar que o que esquerdista gosta mesmo é de palrar. Quanto mais garganteia, mais resolve os problemas do mundo, mais inspiração, fervor, veemência vai ganhando, mais a vozinha sonora vai ficando. Palra, palra, palra, com solene indiferença ao juízo dos que o escutam, sem dar bolas ao imperativo alvitre de que toda sentença deve ter sentido, toda peroração dever ter começo, meio e fim.

Retomo meu aspirador (preciso pedir outro de Natal, este já tá arregando o bagaço), troco a biqueira por outra mais apropriada para cantos de fino trato, reassumo minhas fainas domésticas, agora com vigor redobrado contra as sujeirinhas da vida. E da morte.





4 comentários:

  1. Seu texto está lindo demais, poeta Wil .Mas gastou um luxo de palavras pra falar de um esquerdóide qualquer! Ara

    Vou por aqui um trecho de um poema Rumi pra você :
    "...Interrompe as palavras agora!
    Abre a janela do centro do teu peito,
    e deixa que os espíritos entrem e saiam voando..."





    Que diabos de treina

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    1. "Que diabos de treina" ?

      Quem me dera ter o poder de seguir esse poema.

      Não sei se vc. notou, este post não diz nada sobre nada. Finalmente consegui a antiescritura.

      Minha cara, minha doce Suecida, estou ficando sem forças, bom sinal. Cansado de lutar. Preciso deixar que os espíritos voem aonde lhes apetecer.

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  2. O "Que diabos..." ia dizendo alguma coisa daquelas matracas dos esquerdalhas , mas desisti, E me esqueci de apagar.Pra quê falar de alguém cujas palavras tem relação de nada com nada, não é mesmo?

    Suas forças estão sendo renovadas, caro Wil,já está em nossa consciência convicta!E você, nosso sábio poeta que se muda a si mesmo, já tem ao alcance, o bom, o perfeito,o completo, a harmonia.

    Continuo nestes versinhos Rumi, que amo :

    "... Quero fugir a cem léguas da razão, Da presença do bem e do mal me liberar. Detrás do véu, tanta beleza; lá está meu ser. Quero me enamorar dele, Ó vós que não sabeis !..."

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    1. Sabiíssimo poema. Pra mim, impraticável. Só o impossível está ao meu alcance. E nem o impossível está.

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